Acórdão nº 0961/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010
Magistrado Responsável | ADÉRITO SANTOS |
Data da Resolução | 01 de Março de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: I.
O A..., SA e B..., SA, vieram interpor recurso de revista, nos termos do art. 150 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão do Tribunal Central Administrativo-Norte (TCAN) que, revogando a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Viseu, concedeu a providência cautelar, requerida por C...
e mulher D..., de suspensão de eficácia do acto de licenciamento, emitido pelo Ministério da Economia, DRE-Norte, para construção e estabelecimento da LN Aérea, 60 RU-PC Ribabelide-Valdigem, de 29 de Abril de 2007, nº 62531/29739.
Apresentaram alegação (fls. 1318 a 1387, dos autos), na qual formularam as seguintes conclusões: 1. O Acórdão recorrido de fls. deve ser revogado.
-
À luz do disposto no nº 1 do artigo 150º do CPTA, afigura-se-nos, sem margem de subjectividade, que a questão controvertida nos presentes autos se reveste de uma importância fundamental, quer pela sua relevância jurídica, quer pela sua relevância social.
-
Devendo, desde logo, por esse facto, admitir-se o presente recurso de revista.
-
Sendo que, e como terá oportunidade de vislumbrar-se infra, perante o facto evidente de que existe uma acentuada descontinuidade lógica entre a factualidade apurada - e, sobretudo, a não apurada … - e o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), o recurso de revista revela-se, "in casu", absolutamente fundamental para uma melhor aplicação do direito.
-
A decisão recorrida determina a não utilização dos cabos eléctricos da linha aérea 60 kV- PC Ribabelide - Valdigem, para transporte de energia eléctrica.
-
De acordo com as respostas à matéria de facto (note-se, definitivamente fixadas pelas Instâncias), "A linha eléctrica em causa denominada LN aérea 60 kV - PC Ribabelide - Valdigem destina-se a assegurar a interligação do posto de Corte de Ribabelide e a SE de Valdigem, com uma extensão com cerca de 17.486m, de forma a escoar a electricidade produzida pelos parques eólicos de Ribabelide, Testos e Lagoa de S. João, os quais estão ligados ao Porto de Corte de Ribabelide - cfr. doc. n° 15 anexo ao RI, fls. 112 e ss, acta de fls. 839 e ss e docs. juntos pela Requerida ..., a fls. 882 e ss. e 838" (J).
-
Os parques eólicos de Ribabelide, Testos e Lagoa de S. João têm as características técnicas que constam dos docs. de fls. 682 e 732 e ss. que sustentaram as respostas à matéria de facto constantes dos pontos U), V), W), X), Y), Z) e AA).
-
Desligar a linha, como preconiza a decisão recorrida, significa inviabilizar o escoamento da produção dos referidos parques eólicos.
-
Impedir esse escoamento significa paralisar os parques eólicos.
-
Os parques eólicos encontram-se a produzir a energia constante dos documentos que ora se juntam - ao abrigo do artigo 726° do CPC, aplicável '"ex vi" do artigo 1° do CPTA - e se dão por integralmente reproduzidos como docs. 1 a 21.
-
No que tange ao parque eólico de Testos, de Maio a Dezembro de 2008, a produção de energia foi de 27.179.462 kWh, a que corresponde uma facturação de 2.716.760,00€.
-
A produção mensal de energia desse parque foi de 3.397.433 kWh, a que corresponde uma facturação média mensal de 339.595,00€.
-
No que toca ao parque eólico de Ribabelide, de Novembro a Dezembro de 2008, a produção de energia foi de 376.058 kWh, a que correspondeu uma facturação de 39.872,00€.
-
No que se reporta ao parque eólico de Lagoa de S. João e Feirão, de Setembro a Dezembro de 2008, a produção de energia foi de 21.897.795 kWh, a que correspondeu a facturação mensal de 2.202.887,00€.
-
A produção média mensal de energia foi de 5.474.449 kWh, a que correspondeu a facturação média mensal de 550.722,00€.
-
Em conclusão, na linha a 60 kV PC Ribabelide - Valdigem circula mensalmente energia na ordem dos 9.247.970 kWh, a que corresponde uma facturação na ordem dos 925.275€.
-
Para além do investimento que tais parques eólicos traduzem, importa realçar que tais parques eólicos se enquadram no âmbito da estratégia nacional para a energia estabelecida através da Resolução do Conselho de Ministros n° 169/2005, de 24.10, que estabeleceu como objectivo da política energética nacional garantir a segurança do abastecimento de energia através da diversificação de recursos primários e da promoção da eficiência energética.
-
Com o propósito de prosseguir esse objectivo, a referida Resolução estabeleceu como linha de orientação, nomeadamente o reforço de energias renováveis como a eólica.
-
Tratam-se de investimentos que contribuem para reduzir a dependência energética do País face ao exterior, aumentando a capacidade de produção endógena.
-
A referida produção de energia assegura o abastecimento de energia eléctrica com recursos locais e regionais.
-
Tratam-se de empreendimentos que pela sua dimensão contribuem para o emprego qualificado na região.
-
Promovendo o desenvolvimento sustentável do país, diminuindo as tradicionais assimetrias entre o litoral e o interior.
-
Contribuindo, decisiva e activamente para a melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem na região.
-
Com a paralisação dos parques eólicos, em consequência do Acórdão ora proferido, fica também - e positivamente - em causa a viabilidade dos respectivos projectos, com tudo o que daí advém do ponto de vista social e económico, para o país e para a região! 25. Ora, a decisão recorrida debruça-se sobre a controvertida questão das consequências para a saúde pública dos efeitos electromagnéticos gerados por linhas eléctricas de Alta Tensão.
-
Sobre esta questão já houve, designadamente, as seguintes decisões: a) Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, de 29.07.2008, tirada no processo n° 269/08; b) Acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA), de 28.11.2002, tirado no processo n° 11785/02.
-
Ora, está em causa o serviço público de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, os quais lidam com a Alta Tensão.
-
A decisão judicial sobre os efeitos electromagnéticos gerados pelas redes eléctricas de Alta Tensão irá ter repercussões na economia do País, incluindo as redes eléctricas que lidam com Alta Tensão.
-
Ora, tudo o que envolva investimentos na rede de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, repercute-se a final em todos os portugueses, seja através da tarifa, seja através do orçamento de estado.
-
Assim, com todo o devido respeito, deve considerar-se a matéria controvertida nos presentes autos como matéria de especial relevância jurídica e social.
-
Acresce que, entendemos que a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
-
A final, da matéria de facto invocada no requerimento inicial, os requerentes apenas demonstraram o seguinte: "BB) A implantação do Apoio n° 34 na proximidade da habitação dos Requerentes provoca impacto visual estético na aproximação à respectiva propriedade - cfr. depoimentos das testemunhas inquiridas pelos Requerentes".
-
Ora, parece-nos muito pouco para sustentar o sentido da decisão recorrida (como infra, vide ponto B, se analisará melhor).
-
A decisão recorrida assenta num invocado princípio de precaução quanto ao eventual efeito nocivo dos efeitos electromagnéticos gerados pela rede eléctrica de Alta Tensão na saúde dos requerentes e seus familiares.
-
Todavia, refere também que "uma vez que aos recorridos também não lhes pode ser exigido, face ao actual estado da ciência, que afastem, de forma conclusiva, que essa relação causa-efeito não se verifica".
-
Ora, sobre a rede eléctrica em causa demonstrou-se o que consta dos pontos G), I) e T) da fundamentação do Acórdão.
-
Face à matéria demonstrada, e ao fundamento da decisão, parece-nos que o Tribunal recorrido encontrou a forma de colocar o País às escuras.
-
Qualquer providência cautelar sobre qualquer linha eléctrica tem condições para proceder independentemente do valor dos efeitos electromagnéticos gerados pela linha, se acolhermos a tese do Tribunal recorrido.
-
Pelo que, desde já se adverte o Tribunal "ad quem" que, caso venha a ser confirmada a decisão recorrida, estaremos a fundamentar, definitivamente, toda e qualquer providência cautelar relativamente a todas ou quase todas as linhas do País, de modo a obter, com os mesmos fundamentos da decisão recorrida, a suspensão da distribuição e transporte de energia eléctrica em todo o País.
-
Eis o motivo porque entendemos que não faz sentido a decisão recorrida e carece de uma reapreciação superior.
-
A decisão recorrida esquece que os efeitos electromagnéticos são uma realidade física com a qual estamos em permanente contacto, realidade essa que é susceptível de cálculo e de medição.
-
Não pode decidir-se sem se partir de pressupostos de factos sustentados em valores concretos.
-
A decisão recorrida assenta numa apreciação genérica e abstracta da questão dos efeitos electromagnéticos gerados pelas linhas eléctricas de Alta Tensão, como se as linhas eléctricas de Alta Tensão fossem iguais e gerassem o mesmo efeito electromagnético.
-
Ao tratar a questão dos efeitos electromagnéticos dum ponto de vista genérico o Tribunal afasta-se da apreciação jurisdicional que lhe compete e aproxima-se de forma profundamente censurável de uma visão política da questão dos efeitos electromagnéticos.
-
Sustentamos que aos políticos a política, aos juízes a decisão jurisdicional.
-
A decisão recorrida pode confundir-se com artigo de jornal sobre a questão em causa onde o jornalista emite a sua opinião sobre uma questão controvertida.
-
E tanto assim é que o Tribunal recorrido despreza os critérios e as referências previstos na Lei, designadamente os que decorrem da Portaria nº 1421/2004, de 23.11 e do Despacho nº 19.610/2003, da Direcção Geral de Energia, DR, II série, de 15.10.2003.
-
Preferindo decidir com base numa alegada "consciência colectiva" do "homem médio", ou melhor, nos "receios" desta, num entendimento perfeitamente "obscurantista"....
-
Nestas...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO