Acórdão nº 090/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução18 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA): I.RELATÓRIO O Estado (EP-Estradas de Portugal, S.A.-EP. Cf. artigo 6.ºdo DL n° 227/2002, de 30.10) recorre da sentença condenatória proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (TAF) na acção ali instaurada pelos Autores (AA.) A… e B… com vista a obter o pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes advieram na sequência de acidente de viação, cuja verificação imputaram ao Réu.

Rematou a alegação de recurso com as seguintes CONCLUSÕES: “1. A Sentença recorrida erra na aplicação do direito aos factos, ao dar como provada a responsabilidade exclusiva da EP na produção do acidente; 2. Sem que se ponha em causa a correcta apreciação da prova produzida em audiência de julgamento assim como a correspectiva fixação dos factos materiais da causa, a Sentença recorrida enferma da nulidade prevista no art. 668°, n° 1, al. d), 1ª parte do CPC; 3. É que a douta Sentença recorrida apenas decide da valoração da prova testemunhal apresentada pelas partes, ignorando por completo os factores determinantes da ocorrência do acidente em apreço nos presentes autos de recurso bem como a prova documental apresentada pelas partes, concretamente o Auto de Participação de Acidente de Viação elaborado pela GNR/BT de Lisboa; 4. Neste sentido, há que tomar em linha de conta que a viatura acidentada era um Citroen AX GTI, de 1992, caracterizando-se por ser um veículo de reduzidas dimensões, bastante leve, mas com motor de alta cilindrada (cerca de 1600 cm3), exigindo, mesmo em condições climatéricas normais, uma condução assaz prudente e hábil, dada a facilidade e o pouco tempo com que este tipo de automóveis atinge alta velocidade; 5. Simultaneamente, pela análise do Esboço incluído na Participação da BT/GNR, verifica-se que o despiste da viatura com consequente capotamento não foi causado, pelo menos apenas, pela existência do lençol na faixa de rodagem; 6. Considerando que a faixa de rodagem tem 3,5 m de largura e que o lençol de água ocuparia cerca de 1/3 dessa largura, então pode concluir-se que a zona livre de passagem teria cerca de 2,3 m, espaço suficiente para o veículo poder passar sem qualquer perigo; 7. Considerando o trajecto da viatura, marcado em E) no Esboço em referência, verifica-se que a viatura circulava com excesso de velocidade, medido este não só em relação à geometria da via (curva para a direita e respectivo ângulo), como também em relação ao estado do pavimento (molhado); 8. É que se o veículo seguisse com velocidade moderada, o condutor teria tido tempo suficiente para se desviar para a zona da estrada não obstruída (por muito lento que fosse o seu tempo de reacção), evitando assim o embate na guarda de segurança; 9. Mas mesmo que tal não fosse possível, no que não se concede, uma vez que ficou provado que não havia trânsito em sentido contrário, sempre se dirá que o capotamento seria sempre evitável, e que este se verificou apenas pelo modo de condução imprudente do condutor, em condições climatéricas adversas; 10. O acidente ocorreu num Domingo, em dia que os Serviços estavam encerrados e a então JAE apenas teve conhecimento da situação no dia seguinte ao acidente (segunda-feira), razão pela qual, tem que assentar-se em que os serviços da R. não tiveram conhecimento da situação de perigo iminente em tempo útil; 11. Seria, no entanto, exigível à JAE que se organizasse de forma a tomar conhecimento imediato de todas as situações potenciadoras de perigo para o tráfego, nas vias sob sua jurisdição e a resolver ou sinalizar a breve trecho tais anomalias? 12. A resposta seria afirmativa se tal formato e objectivos decorressem especificamente da lei, designadamente se a Lei Orgânica da JAE impusesse a existência de piquetes de emergência e de uma rede de comunicações com vocação para funcionar 24 horas por dia, sobre os milhares de quilómetros de via que cada Direcção de Estradas tem a seu cargo; 13. Essa imposição seria, aliás, razoável de jure condendo, visto que se cada uma das situações anómalas é de per si imprevisível quanto ao local e ao momento em que vai ocorrer, isso não prejudica a probabilidade estatística de que ocorrerão algures na rede viária, a qualquer hora, diariamente, situações deste tipo. Porém, esta imposição não existe de jure condito; 14. Na verdade, dos artigos 1º e 2° do DL 184/78, constata-se que o serviço público personalizado em causa, a JAE, visa primacialmente “dotar o país das infra-estruturas rodoviárias necessárias ao seu desenvolvimento”. E, em todas as demais disposições daquela Lei revelam-se, como âmago da actuação da JAE, as tarefas de concepção, construção, reparação e conservação das estradas; 15. A esta luz, as operações de conservação e de sinalização cometidas às Direcções de Estradas revelam mais uma visão de garantia da funcionalidade estrutural da rede viária do que uma concepção de vigilância e fiscalização do tráfego que nelas circula. Assim, o desprendimento de terras, a integridade dos pavimentos e dos ralis de protecção, a colocação de sinalização permanente, são matérias que concernem directamente com a função pública a cargo da R. de tal forma que as ocorrências anómalas nesse âmbito devem ser previstas e prevenidas pelos Serviços da JAE; 16. Em contrapartida, nas situações episódicas, a JAE tem obrigação de actuar em prol da regularização da via, mas apenas desde que os factos lhe sejam tempestivamente comunicados. Não tem obrigação de os prever nem de se organizar de forma a dar resposta imediata; 17. O que permite concluir que, sendo as causas que deram origem ao lençol de água, situações episódicas, está excluído qualquer dever de acção ou mesmo de omissão por parte da ex-JAE, que não pode agir de imediato pela simples razão de que desconhecia a situação, mas, logo que tomou conhecimento, agiu com a prudência comum e de acordo com as regras básicas necessárias à reparação da situação; 18. Face ao exposto, a existência de uma relação directa entre o lençol de água e o acidente não é linear. Se o condutor circulasse com atenção às características da via e do veículo teria tido certamente tempo de imobilizar o veículo ou de se desviar, atenuando ou mesmo evitando a lesão; 19. Tal postergação dos factos é, salvo o devido respeito, atentatória da justiça da decisão; 20. Por isso, as causas do acidente têm de buscar-se numa conduta negligente do Autor, podendo concluir-se que a imperícia e a condução desadequada às condições da via foram determinantes do acidente: 21. Senhores Juízes Conselheiros: Temos que para a recorrente só uma apreciação deficiente da prova e o afastar as regras de experiência comum podem conduzir a uma decisão injusta como a presente, ao imputar a responsabilidade pelo acidente à existência do lençol de água no local, considerando que o despiste, embate na guarda de segurança e capotamento e danos inerentes tenham sido apenas causados pela existência do lençol de água; 22. As consequências do acidente foram substancialmente agravadas pelo excesso de velocidade e inabilidade do condutor para, em situações de condução adversas, como pavimento molhado, utilizar as melhores técnicas de condução e agir com a necessária prudência, em conformidade com as mais elementares regras de bom senso e civismo; 23. A matéria de facto apurada não permite imputar à EP a responsabilidade pela ocorrência do acidente. Pelo contrário, a matéria de facto assente aponta no sentido da responsabilidade total ou quase total do condutor do veículo sinistrado; 24. Mas, salvo o devido respeito e como consequência do juízo crítico a que se procedeu, a sentença recorrida conduziu-se a um juízo simplista, segundo o qual a razão primeira do acidente e das suas consequências se deram por ausência de conservação e de sinalização, tendo arbitrado uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que, pelas razões que antecedem, é injusta e indevida, sendo inimputável, pelo menos exclusivamente, à ora recorrente; 25. O douto Acórdão recorrido não se mostra, pois, conforme ao direito aplicável; 26. Termos em que, e nos demais de Direito que V. Exas. Venerandos Juízes, sabiamente suprirão, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que considere a acção objecto de recurso improcedente e, em consequência, absolva a EP do pedido; 27. Caso assim não seja entendido, o que apenas se admite sem conceder, deve a douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, aplicando correctamente o Direito, declare a concorrência de culpas da EP e do Autor, condutor do veículo sinistrado”.

Os Autores da acção, ora recorridos, contra-alegaram tendo formulado as seguintes Conclusões: “1. Os apelantes não cumpriram o ónus de impugnação da decisão de facto: não...

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