Acórdão nº 0302/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução20 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A…, viúvo, empregado de escritório, B…, solteiro, vendedor e C…, solteiro, estudante, todos residentes na rua …, n.° …, …, …, Amadora, intentaram acção declarativa, com processo ordinário, contra o Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa, pedindo a condenação deste no pagamento de indemnizações que os ressarcissem dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em resultado da morte de D…, mulher do Autor A… e mãe dos Autores B… e C…, as quais computaram em 22.603.980$00 para o A…, de 2.500.000$00 para o B… e de 3.340.000$00 para o C….

Em resumo, alegaram que a referida D… foi colhida por um comboio que circulava no sentido Sintra-Lisboa quando procedia à travessia da linha férrea na passagem para peões existente na estação de Santa Cruz de Benfica e que esse acidente, de que resultou a sua morte, foi provocado por a mesma, inesperadamente, se ter deparado com um muro que estava a ser construído pela Ré, sem a devida sinalização, no lado contrário àquele onde iniciara a travessia e que não pode transpor.

A REDE FERROVIÁRIA NACIONAL - REFER, EP - sucessora legal do Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa - contestou não só para impugnar a factualidade invocada pelos Autores, mas também para suscitar as seguintes excepções: (1) a incompetência absoluta do Tribunal, (2) a prescrição, por a acção ter sido proposta para além do prazo previsto no artigo 498.° do Código Civil e (3) a inexistência de comissão, por o acidente não se ter ficado a dever a qualquer conduta dos funcionários ou agentes da RÉ, pelo que só lhe poderia ser imputado a título de responsabilidade pelo risco, não existindo qualquer relação de comissão entre a contestante e o empreiteiro que construiu o muro.

Após a resposta, os Autores B… e C… apresentaram requerimento, subscrito pelo seu Advogado, a desistir do pedido (fls. 175).

No despacho saneador o Sr. Juiz a quo considerou que (1) a referida desistência não podia produzir efeitos, visto o Mandatário dos Autores não ter poderes para o efeito, pelo que os convidou a suprir essa irregularidade, (2) relegou para final o conhecimento da prescrição e (3) julgou improcedentes as restantes excepções (fls. 178 e seg.s).

Em requerimento posterior (fls. 213 e seg.s) a REFER arguiu a sua ilegitimidade e a preterição de litisconsórcio necessário e os Autores B… e C… vieram regularizar a sua desistência do pedido.

Por despacho de fls. 316 e seg.s a mencionada desistência foi declarada válida e eficaz e as indicadas excepções foram julgadas improcedentes.

A REFER interpôs recurso deste despacho, o qual foi admitido para subir com o primeiro recurso que houvesse de subir, nos próprios autos e com efeito devolutivo (fls. 332).

Nele foram formuladas as seguintes conclusões: 1. O presente recurso emerge do despacho que indeferiu as anteriormente suscitadas questões da ilegitimidade da Recorrente e violação do litisconsórcio necessário passivo.

  1. Em relação à questão da ilegitimidade da Recorrente, tendo a mesma apreciada no despacho saneador que transitou e não ocorrendo factos supervenientes não se poderá a mesma discutir na presente sede.

  2. O mesmo não se dirá em relação à questão da violação do litisconsórcio necessário passivo, anteriormente arguido.

  3. Na presente acção de indemnização com base em responsabilidade civil extracontratual os Autores demandaram o GNFL, a que sucedeu a Recorrente, por o considerarem responsável no acidente que vitimou D… – atropelamento por comboio quando tentava transpor um muro contíguo à linha férrea, muro esse que fazia parte de obras que se estavam a realizar.

  4. Consideraram ainda que a falta de sinalização das obras em que o muro se integrava e o fecho numa abertura do mesmo, estiveram na origem do acidente.

  5. Vindo levantada a questão da ausência do empreiteiro na presente acção, considerou a decisão recorrida que os factos em análise não dizem respeito directamente ao empreiteiro, mas sim à falta de previsibilidade no concurso ou caderno de encargos de condições de segurança.

  6. Porém, como resulta dos factos assentes em F e do documento 5, junto com a petição inicial, contrato formulado entre o GNFL e o empreiteiro, ficou acordado que o empreiteiro seria responsável por todos os acidentes acontecidos na obra e ainda responsável pelas perdas ou danos materiais ocasionados a terceiros em geral em consequência, da execução dos trabalhos ou da falta de segurança das obras.

  7. Resultando do contrato a responsabilização do empreiteiro por danos a terceiros, em consequência, das obras ou da falta de segurança delas, não se pode afirmar que a presente acção só indirectamente diga respeito ao mesmo.

  8. Assumindo o empreiteiro a responsabilidade pelos danos a terceiros relacionados com a falta de segurança das obras, não poderia deixar de ser parte, tendo assim sido violado o disposto no art.º 28.º/1 e 2 do CPC.

  9. Também se verifica violação de litisconsórcio necessário passivo, por não estar em juízo a CP – Caminhos de Ferro Portugueses.

  10. Com efeito, e tendo em consideração o exarado em C dos factos assentes e o articulado em 33.º e 34.º da base instrutória, tais factos a provarem-se acarretam ou podem acarretar responsabilidade da CP pelo que, para que a decisão produza o seu efeito útil normal é indispensável a presença da CP.

  11. Tendo assim violado, também o disposto no art.º 28.º/1 e 2 do CPC, o que acarreta a legitimidade da Recorrente.

    Não foram apresentadas contra alegações relativamente a este recurso.

    Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença onde se declarou improcedente a invocada prescrição e, no tocante ao mérito, se julgou a acção improcedente e se absolveu a Ré do pedido, por ter sido entendido que o acidente não resultara de qualquer conduta dolosa ou mesmo negligente da Ré.

    Inconformado, o Autor agravou tendo concluído como se segue: 1. Não é verdade não existir acesso directo do cais para a linha.

  12. Efectivamente como consta nas declarações das testemunhas, … e … a sinistrada limitou-se a transpor o muro construído no âmbito das obras “sub judice” sem ter necessidade de saltar para a linha, através de um degrau aí colocado para esse efeito.

  13. Como de resto os utentes faziam para efectuar o atravessamento da linha, sem qualquer oposição da Ré ou do empreiteiro.

  14. Deste modo devem ser alteradas as respostas aos quesitos 40.° a 42.° e 50.º, como prescreve o art.º 712.°-1-a) e b) do CPCivil.

  15. Na realidade as obras “in casu” foram iniciadas de modo a que todos os utentes pudessem continuar a atravessar a linha no local onde existia a passadeira para peões (ii) dos factos provados).

  16. Por essa razão foi mantida uma abertura no muro do lado oposto àquele a que a sinistrada iniciou a travessia da linha (ff) dos factos provados).

  17. Na verdade, quer o empreiteiro que realizou as obras quer a R. nunca se opuseram ao atravessamento da linha pelos utentes da estação (pp) dos factos apurados).

  18. Como aliás o demonstrou o facto da placa com os dizeres “É favor não atravessar” que se vê na fotografia a fls. 48, ter sido ali colocada após a ocorrência do acidente (jj) dos factos provados).

  19. É portanto uma evidência e contrariamente ao pretendido na sentença agravada que a zona de embarque e desembarque dos utentes da estação se estendia à zona das obras, dado estas terem sido realizadas em local onde existia uma passadeira para peões, 10.

    Sem que o atravessamento da linha por esse local pelos utentes da estação tivesse sido proibido.

  20. Bem antes pelo contrário aquelas obras iniciaram-se de modo a permitir a continuação daquele atravessamento da linha, como se disse.

  21. Ou seja a R. criou nos utentes a convicção de que tal atravessamento era permitido apesar das obras.

  22. Assim era indispensável proibir o citado atravessamento para romper com a referida rotina dos utentes da estação.

  23. Deste modo é incoerente a afirmação que se lê na sentença sob recurso de que, nenhum dos utentes poderia desconhecer que a abertura “in casu” seria fechada a todo o momento em função do avanço das obras.

  24. Pelo que se não aplica ao caso dos autos o art. 27.° do Regulamento de Exploração e Policia dos Caminhos de Ferro.

  25. A R. ao não interditar a passagem dos peões pela passadeira quando as obras em questão foram iniciadas, tomou-se responsável pelo acidente “sub judice”, a título de culpa efectiva.

  26. De facto nenhuma culpa grave pode ser atribuída à sinistrada, configurando o seu comportamento o cumprimento normal de uma rotina que a R. lhe induziu por ter criado condições para os utentes continuarem a atravessar a linha apesar de nesse local se terem iniciado as obras dos autos.

  27. Na realidade a R. devia ter proibido a travessia da linha pelo local, quando fechou a aludida abertura deixada no muro para permitir tal travessia.

  28. Tal obrigação decorre ainda do facto de no local não estar colocada iluminação que permitisse descortinar com clareza o muro do lado oposto da linha (z) dos factos provados) 20.

    Por tal razão a sinistrada não viu o muro do outro lado da linha (aa) dos factos provados).

  29. De resto a prova provada de que a R. iniciou as obras como se o local não fosse frequentado por máquinas geradoras de perigos graves, como o são os comboios está bem patente no facto de não ter feito prever no caderno de encargos ou do concurso, a interdição de passagem de pessoas no local.

  30. Foi assim criada uma autêntica ratoeira humana de consequências trágicas.

  31. Pelo que o acidente “in casu” é da exclusiva culpa da R., como se referiu.

  32. A sentença agravada violou as disposições legais indicadas nas anteriores conclusões.

  33. Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas., deve a sentença agravada ser revogada, e, em sua substituição ser proferida outra decisão que condene a R. no Pedido formulado nos Autos. Como é de absoluta Justiça.

    A REFER, S.A. contra alegou concluindo do seguinte modo: 1. O Recorrente, A…, vem apresentar recurso da sentença proferida em 1.ª instância pretendendo impugnar, além do mais, matéria de facto.

  34. Sucede, contudo, que não deu cumprimento ao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT