Acórdão nº 0766/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Janeiro de 2010
Magistrado Responsável | JORGE LINO |
Data da Resolução | 27 de Janeiro de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
1.1 A…” vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a julgar «totalmente improcedente a impugnação deduzida do acto de liquidação de imposto efectuada ao impugnante».
1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões.
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Não obstante não seja a sujeito passivo de imposto na relação jurídica que determinou o pagamento do Imposto sobre Veículos que incidiu sobre as viaturas melhor identificadas nos autos – qualidade que é assumida pelo operador registado – tais impostos foram-lhe repercutidos, pelo que foi a, ora, Recorrente, lesada com o pagamento de IVA em excesso, e cujo reembolso se solicita nos presentes autos.
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Tal circunstância confere-lhe legitimidade processual para intervir no presente processo nos termos previstos no artigo 18.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária, e no artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, entendimento que é confirmado por toda a Doutrina e Jurisprudência que se conhecem sobre a matéria.
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A sentença “sub-judice” faz errónea interpretação das normas jurídicas aplicáveis e, em particular, das regras de funcionamento do Imposto sobre Veículos porquanto, resulta do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Código do ISV (Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho), que a incidência deste imposto depende da introdução no consumo das viaturas em Portugal, consubstanciando-se tal introdução, no pedido de matrícula da viatura que se efectua, simultaneamente, com o pedido de liquidação do ISV – cfr. Rogério M. Fernandes Ferreira e Manuel Teixeira Fernandes, Da (não) incidência do IVA sobre o IA: O Imposto Automóvel enquanto base tributável do Imposto sobre o Valor Acrescentado, Revista Fisco, N.º 124/125, Novembro 2007, Ano XVIII.
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Em termos de Direito comparado, o Imposto sobre Veículos é, usualmente, designado de “imposto de matrícula” ou, pelo sinónimo, “imposto de registo”.
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Esta designação encontra suporte, no Direito Português, no n.° 1 do artigo 5.º do Código do ISV que, sob a epígrafe “facto gerador”, determina que “constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal” – negrito e sublinhado nossos.
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Significa isto que o facto tributário em sede de ISV é o pedido de matrícula.
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E tanto assim é que se o veículo for vendido mas não for solicitada a respectiva matrícula (o que sucederá, por exemplo, com os veículos de colecção ou destinados a serem exportados), não será devido ISV – cfr. artigo 24.º do Código do ISV.
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E bem se compreende que assim seja na medida em que o ISV obedece ao princípio da equivalência (cfr. artigo 1.º do Código do ISV) e a matrícula constitui uma verdadeira autorização para a circulação do veículo num dado território, o que implica custos ambientais, ao nível das infra-estruturas e sinistralidade rodoviária.
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De acordo com o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 128/2006, de 05 de Julho que aprovou o Regulamento de Atribuição de Matrícula a Automóveis, seus Reboques e Motociclos, Ciclomotores, Triciclos e Quadriciclos, “a matrícula dos referidos veículos deve ser requerida no Serviço competente da Direcção-Geral de Viação” – negrito e sublinhado nossos.
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O modelo a utilizar para requerimento de matrícula – que, como se referiu, é sempre efectuado pelos representantes das marcas no caso dos veículos novos – consta da Portaria n.° 1135-A/2005, de 31 de Outubro, onde deve constar, entre outros elementos, a identificação do “titular do certificado de matrícula” e do respectivo proprietário.
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Resulta da interpretação sistemática das citadas normas que a matrícula dos veículos automóveis só pode ser pedida depois dessas viaturas terem sido vendidas.
De outro modo jamais poderia o representante da marca solicitar o respectivo certificado de matrícula.
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Significa isto que, do ponto de vista lógico e jurídico, o acto da matrícula é necessariamente, posterior ao acto de venda.
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Resulta, também, indubitável que, ao contrário do que defende o Mm.º Juiz “a quo”, quando procede ao pagamento do ISV, o representante da marca e operador registado (“stand”), fá-lo no interesse dos seus clientes – que, naturalmente, pretendem receber a viatura em condições de circular nas estradas portuguesas – e por conta destes.
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Pelo que a importância que os representantes das marcas recebem dos seus clientes, apenas o pode ser a título de reembolso das despesas efectuadas.
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O único entendimento compatível com o Direito Comunitário passa por enquadrar o ISV no conceito de despesa previsto no artigo 11.º, A, n.º 3, alínea c), da Directiva (artigo 16.°, n.° 6, alínea c), do CIVA). Pois, XVI. Nos termos do artigo 73.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (n.º 1 do artigo 16.° do Código do IVA), nas operações internas, o valor tributável é constituído pelo montante da contraprestação das operações sujeitas a IVA.
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Como vem sendo afirmado, unanimemente, pela Jurisprudência Comunitária, para assumir relevância para efeitos de IVA, a contrapartida, que constitui o critério geral da tributação, deve referir-se à entrega de bens incluindo o encargo ou imposto contido no seu valor, sendo que só é incluída na matéria colectável a contrapartida que tiver um vínculo directo com a prestação – cfr. Acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) Naturally Yours Cosmetics (proferido no processo n.º 230/87 e datado de 23 de Novembro de 1988, in Colect., p. 6365, n.º 11), Empire Stores (proferido no processo n.º C 33/93 e datado 2 de Junho de 1994, in Colect, p. I 2329, n.° 12) e Bertelsmann (proferido no processo n.º C-380/99 e datado de 3 de Julho de 2001, in p. I 5163, n.° 15).
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A alínea a) do n.º 5 do artigo 16.º do Código do IVA encontra justificação, apenas, se interpretada à luz do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IVA – artigo 73.º da Directiva 2006/112/CE – de onde resulta que, tal disposição, só se aplica a encargos que apresentem um vínculo directo com a prestação na acepção acima referida ou, para seguir as palavras do TJCE, que estejam “tão estreitamente relacionados com a entrega de bens que são incluídos no valor desta prestação” – cfr. Conclusões da Advogada-Geral Juliane Kokott, no âmbito do processo n.º C-98/05, in www.curia.europa.eu.
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Significa isto que, face aos termos em que o texto da lei é formulado, os impostos não farão parte da matéria colectável quando pagos em nome e por conta do adquirente e desde que registados na contabilidade do transmitente em contas transitórias, em conformidade com o artigo 16.º, número 6, alínea c) do Código do IVA e o artigo 79.º, alínea c) da Directiva 2006/112/CE.
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Subsumindo as referidas regras ao caso em apreço, resulta que, ao contrário do propugnado pelo Mm.º Juiz “a quo”, o operador registado (“stand”), quando paga o ISV que se mostra devido pela aquisição de viaturas fá-lo “em nome e por conta do adquirente” pelo que este pagamento configura um mero adiantamento do imposto, por conta do adquirente, pelo que não deverá integrar o valor da contraprestação relativa à operação em apreço.
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Tal entendimento tem sido, também, partilhado pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Invoque-se a este propósito, o Acórdão do mencionado Tribunal, datado de 01 de Junho de 2006 e proferido no processo n.º C-98/05, in JO C 178 de 29.07.2006, pág. 7 e que apresenta manifesta analogia, com o presente processo.
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Estando em causa, no mencionado aresto, o “imposto sobre a matrícula dos automóveis novos” vigente na Dinamarca – tributo que apresenta características idênticas ao nosso Imposto sobre Veículos – decidiu-se que se “o imposto de matrícula foi pago pelo distribuidor em resultado da obrigação contratual de entregar ao adquirente um veículo matriculado em nome deste, há que considerar que a facturação desse imposto ao adquirente corresponde ao reembolso das despesas efectuadas pelo distribuidor em nome e por conta do referido adquirente e não a uma contrapartida do bem entregue”, razão pela qual “tal imposto só poderá ser analisado como um elemento, inscrito na contabilidade do distribuidor, com a natureza de uma conta transitória na acepção do artigo 11.°, A, n.° 3, alínea c), da Sexta Directiva” – conforme, aliás, como se demonstrará de seguida, sucede no caso em apreço.
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Concluindo que o imposto, cujo facto gerador não reside na entrega do bem “mas na primeira matrícula do veículo em território nacional, não está incluído no conceito de impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos para efeitos do disposto no artigo 11.°, A, n.º 2, alínea a), da Sexta Directiva” não devendo, por esse motivo, ser incluído na base tributável para efeitos de IVA.
XXIV.
Não sendo o ISV um imposto devido pela venda de uma viatura (que dá origem a uma entrega de um bem em território nacional), o pagamento deste imposto não tem “uma ligação directa com essa entrega” não devendo, de acordo com o entendimento que subjaz à referida decisão do TJCE, ser incluído na base tributável do IVA.
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O que, no caso em apreço, equivale a dizer que as importâncias pagas ao Estado pelo concessionário (operador registado ou operador reconhecido), a título do ISV devido pelas viaturas que vendeu a clientes finais concretos (identificados pelo nome e pela residência no Organismo Oficial que atribui as matrículas), deverão, na lógica do imposto...
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