Acórdão nº 0989/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução06 de Abril de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório -1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé de 28 de Setembro de 2010, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela A… do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Bens Imóveis (IMT) e bem assim contra a mesma liquidação, apresentando para tal as seguintes conclusões: 1. A douta sentença recorrida considerou procedente a impugnação Judicial por considerar que a impugnante tem direito à restituição do imposto (IMT) pago pela outorga de procuração irrevogável nos termos do n.º 3 do art.º 22º do CIMT; 2. A impugnação foi deduzida contra o indeferimento de reclamação graciosa; 3. Nem o pedido de reclamação nem a decisão administrativa posta em crise aludem a tal fundamentação; 4. Com efeito, o pedido fundamentou-se na não utilização da dita procuração irrevogável na aquisição do bem como a sua posterior revogação; 5. Não pode a impugnante vir na impugnação alargar o pedido de reclamação com outros fundamentos porquanto ao órgão administrativo competente não foi dada oportunidade para se pronunciar; 6. A douta sentença recorrida não conheceu tal circunstância quando o devia ainda que a mesma não tenha sido invocada na contestação da FP atento o carácter indisponível dos direitos tributários; 7. Não tendo a impugnante utilizado a procuração irrevogável que outorgou na aquisição do bem não existe nexo de causalidade entre este aquele instrumento jurídico e o contrato definitivo pelo que não se verificam os pressupostos de aplicação do n.º 3 do art. 22.º do CIMT; 8. Não tem igualmente aplicação o n.º 4 daquele normativo porquanto não se verifica inexistência do facto tributário no prazo ali previsto; 9. O facto tributário previsto na alínea c) do n.º 3 do art. 2.º do CIMT é a outorga da procuração irrevogável não se tratando de um facto sob condição, ou seja, o mesmo verifica-se aquando da outorga independentemente das posteriores vicissitudes da mesma ou da sua não utilização; 10. Pelo que a decisão recorrida viola o disposto nos artº 2º nº3 c) e art. 4º f) ambos do CIMT e art. 22º nº3 e 4 do mesmo Código; Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas. deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.

2 - Contra-alegou a recorrida, concluindo do modo seguinte: A. Não tem razão a Fazenda Pública quando refere que a impugnante não poderia utilizar, na petição de impugnação, outros fundamentos contra o acto de liquidação para além dos que foram invocados na reclamação graciosa que a precedeu.

B. É jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que, no caso de impugnação judicial subsequente a reclamação, o acto tributário de liquidação integra também o objecto da mesma impugnação.

C. Desta forma, todos os fundamentos contra o acto de liquidação que foi objecto de reclamação graciosa podem ser arguidos na impugnação judicial que se segue à referida reclamação.

D. Também não é verdade que ao “órgão administrativo competente não foi dado oportunidade para se pronunciar” sobre o (alegadamente) novo fundamento de direito constante da p.i., uma vez que a própria Administração tributária tem a possibilidade de revogar o acto impugnado ao abrigo do artigo 112.º do CPPT.

E. No presente caso, a situação nem sequer se coloca, uma vez que o fundamento invocado na p.i. e considerado procedente na sentença recorrida havia sido já o fundamento da reclamação graciosa que lhe antecedeu.

F. Conforme decidiu a douta sentença recorrida, é aplicável à ora Recorrida o disposto no artigo 22.º, n.º 3, artigo 2.º, n.º 3, alínea c) e artigos 4.º, alínea f), todos do Código do IMT, pelo que, beneficiando a Recorrida de isenção de IMT prevista no artigo 8.º deste Código quanto à aquisição do Imóvel, a Administração Tributária deveria ter procedido à anulação total do imposto em causa, liquidado pela outorga da procuração irrevogável.

G. A Fazenda Pública pretende a revogação da sentença, argumentando que a Recorrida não utilizou a procuração irrevogável para adquirir o Imóvel, pelo que se aplica o disposto no citado artigo 22.º n.º 3.

H. Com efeito, a Recorrida não “utilizou” a procuração irrevogável que lhe dava poderes para alienar o mesmo nem tinha de a ter utilizado, como reconheceu e bem a sentença “a quo”.

I. Isto porque o n.º 3 do artigo 22.º não impõe que a procuração irrevogável seja “efectivamente” “utilizada” na celebração do contrato em que se procede à alienação do imóvel, mas apenas que o imposto devido pela transmissão do imóvel já tenha sido pago anteriormente, aquando da outorga da procuração – evitando-se assim uma injusta dupla incidência do mesmo imposto sobre uma só aquisição de um imóvel – situação que se verificou.

J. A outorga de uma procuração irrevogável à transmissão onerosa de um imóvel, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IMT, constitui, quer pela natureza da norma em causa, quer pela sua função, quer pela intenção do legislador expressa no preâmbulo do Código do IMT, quer ainda pela opinião da própria Administração Tributária, uma norma anti-abuso específica.

K. Assim, e ao invés de seguir o ditame exposto pelo saudoso Prof. Saldanha Sanches sobre a aplicação das normas anti-abuso específicas – “corrigir o excessivo alcance da norma criada pela intenção anti-abusiva do legislador através de uma interpretação conforme à Constituição” – a Fazenda Pública pretende fazer, neste caso, exactamente o contrário e alarga o seu alcance, exigindo um requisito que não consta da lei (a efectiva “utilização” da...

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