Acórdão nº 0601/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelPAIS BORGES
Data da Resolução07 de Abril de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) I. O MUNICÍPIO DE V. FRANCA DE XIRA e A... interpõem recurso de revista, ao abrigo do art. 150º do CPTA, do acórdão do TCA Sul, de 04.03.2010 (fls. 355 e segs.), que, em sede de recurso jurisdicional, revogou o acórdão do TAF de Lisboa, de 20.04.2006 (fls. 146 e segs.), pelo qual fora julgada totalmente improcedente a acção administrativa especial para a prática de acto devido, intentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra o ora recorrente Município, e sendo contra-interessada a recorrente particular, e na qual o A. pede a condenação do Município a “no prazo de cinco dias, a contar do trânsito em julgado da sentença, elaborar o projecto de decisão de tomada de posse administrativa e notificá-la imediatamente ao contra-interessado; ser ordenada pela Presidente da Câmara a demolição da obra e a reposição do terreno no estado em que se encontrava, a efectuar num prazo de 20 dias, findos os quais sem que a A… tenha procedido ao ordenado deverá a Câmara Municipal de V. F. Xira proceder às referidas operações materiais às expensas do infractor, cobradas se necessário coercivamente; ser ordenada a retirada de todo o equipamento no prazo de cinco dias, quer do material da obra quer do material respeitante ao funcionamento da empresa e ordenar que seja cessada a utilização das referidas instalações para actividade profissional da A…, que ali vem sendo desenvolvida; e, finalmente, deverá ser selada a obra e apenas autorizada a entrada do infractor para efeito de proceder à demolição da obra e de repor o estado do terreno no estado em que se encontrava, sob a fiscalização municipal, que deverá levantar os respectivos autos caso verifique que o infractor aproveitou para fazer uso diverso daquele que lhe permitiu a entrada no estaleiro”, e condenou o Presidente da CMVFX na prática de acto devido, a demolição no prazo de 60 dias da obra ilegalmente construída, antecedida da respectiva audição prévia, se necessário através de execução coerciva e a expensas da contra-interessada.

O recorrente MUNICÍPIO DE V. FRANCA DE XIRA formula, na sua alegação, as seguintes conclusões: a) O douto acórdão recorrido não teve em conta que à data em que foi proferido o quadro legal se alterara com a publicação da revisão do PDM do Município recorrente.

b) Ora, também em sede judicial se aplica o princípio subjacente ao tempus regit actum da actividade administrativa, que deve ser entendido como um princípio geral.

c) Acresce que não se verificava nenhuma circunstância que impedisse a aplicação do ius superveniens; d) Designadamente, a não demolição em causa não afecta (ao invés, aliás) situações jurídicas constituídas.

e) O que acaba de dizer-se não é invalidado, pensa-se, pelo facto do ius superveniens também dever ser considerado em fase de execução do acórdão recorrido.

f) Tendo adoptado entendimento diferente, o douto acórdão recorrido violou, além do mais, o referido princípio.

A recorrente A… apresentou a alegação de fls. 393 e segs., na qual refere, em suma, que: · A questão fundamental aqui em causa “centra-se na análise de o poder discricionário de decisão da Presidente da Câmara de V.F.Xira estar ou não reduzido a zero, no que se refere à ordem de demolição da construção do armazém edificado pela A… em solo RAN; · De toda a matéria dada como assente, ressalta que o solo onde a construção da A… está edificado pertence à RAN; · Que esta é uma classificação de direito e não de facto; · Que o terreno em que edificou o seu armazém, bem como toda a zona circundante está indevidamente integrada na RAN, por ter perdido há muitos anos as suas potencialidades agrícolas e de silvo-pastorícia, estando agora inseridos no perímetro urbano da Granja; · Nos terrenos confinantes com o da sua construção, igualmente inseridos na RAN, foram recentemente construídos, sem qualquer impedimento, vários armazéns, vivendas e instalações empresariais, bem como, já na pendência deste processo, um posto de abastecimento de combustíveis.

· O PDM de V.F.Xira foi revisto e já publicado na 2ª Série do DR nº 224, de 18.11.2009, Aviso nº 20905/2009, tendo consagrado no seu art. 105º um regime de manutenção temporária de todos os edifícios existentes à data do início do período de discussão pública da primeira revisão do PDM de V.F.Xira e situados na EN 115-..., junto ao aglomerado da ..., no espaço situado entre o Entroncamento com o ER... e o CM...; · A recorrente foi já notificada pelo Município de que tal regime temporário se lhe aplica, podendo assim reorganizar-se com vista à sua futura relocalização, evitando-se o fim da actividade e o fecho da empresa, com o consequente despedimento de todos os seus funcionários.

O presente recurso de revista excepcional foi admitido pela formação prevista no nº 5 do art. 150º do CPTA, com o fundamento de que a questão colocada pelos recorrentes – saber se no caso em apreço a demolição se apresentava como imperativa, atendendo em especial à invocada revisão do PDM (hipotética aplicação do “ius superveniens”), bem como às eventuais consequências irreversíveis e gravosas da demolição –, evidencia assinalável relevância jurídica e social.

Os Juízes Adjuntos tiveram vista dos autos.

(Fundamentação) OS FACTOS O acórdão recorrido considerou assente, com interesse para a decisão, a seguinte factualidade: 1. A empresa A… dedica-se à actividade de transporte ocasional e logística de mercadorias, tendo iniciado a sua actividade em 1996 - por acordo.

  1. A referida empresa inicialmente tinha sede e instalações próprias num prédio sito na …, em Alverca - por acordo.

  2. No ano de 2000 a CMVFX deliberou construir a variante à … - por acordo.

  3. O traçado da referida variante atravessava as instalações da A…, referidas em 2. - por acordo.

  4. A A… cedeu gratuitamente à CMVFX o terreno onde se encontravam implementadas as suas instalações, referido em 2. - por acordo.

  5. Em 31-10-2001 a A… adquiriu o prédio sito na …, EN 115 - ..., freguesia de Vialonga, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 02164, com uma área total de 43.786 m2 - cfr. certidão da conservatória do registo predial junta ao PA como docs. 1/3 anexo ao requerimento de licenciamento apresentado na CMVFX pela A… em 27-2-2002, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

  6. O prédio acima referido é rústico e encontra-se inserido na RAN - por acordo; cfr. docs. de fls. 59 a 61 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

  7. Em 21-3-2000 a A… subarrendou instalações provisórias para se instalar - por acordo; cfr. doc. de fls. 86 a 88 dos autos.

  8. No ano de 2001 o arrendatário das instalações referidas em 8. interpôs uma acção de despejo contra a A…, que correu termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Franca de Xira, sob o nº 317/01, no qual foi proferida sentença que considerou que o contrato de arrendamento era válido até Março de 2005 - por acordo; cfr. doc. de fls. 90 a 95.

  9. Em 27-2-2002 a A… apresentou na CMVFX um pedido de licenciamento de obras de construção no prédio sito na …, EN 115-..., freguesia de Vialonga, que deu origem ao processo nº 79/02 ONEREDPDM - por acordo; cfr. doc. de fls. 58 dos autos e o respectivo pedido e correspondentes documentos instrutórios no PA, documentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

  10. Em 1-4-2002 a Comissão Regional de Reserva Agrícola do Ribatejo e Oeste [de ora em diante abreviadamente designada de CRRARO] emitiu parecer desfavorável à possibilidade de utilização não exclusivamente agrícola do terreno referido em 6., "em virtude de não estar previsto este tipo de construções em solos de Reserva Agrícola Nacional, artigo 9º do DL nº 196/89" - cfr. ofício com a refª 204/734/000, datado de 30-4-2002, da CRRARO, dirigido à A…, no PA, documento que aqui se dá por integralmente reproduzido.

  11. Através do ofício com a refª 79/02, ONEREDPDM, datado de 4-9-2002, a CMVFX informou a A… da intenção desta Câmara em indeferir o pedido de licenciamento formulado pela A…, referido em 10., e para se pronunciar, no prazo de 20 dias, em sede de audiência prévia - cfr. doc. de fls. 57 dos autos e o correspondente ofício no PA, documentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

  12. Após deliberação da CMVFX, datada de 23-7-2003, em 3-6-2003, foi passada por aquela Câmara uma declaração que visava instruir um pedido da A… à DRARO para desafectação do prédio referido em 6., na qual se declara designadamente que se "justifica a excepção requerida de desafectação da RAN, o que, no caso em apreço, poderá ser concedida, nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 196/89, de 4 de Junho, entendendo-se que a permissão de instalação desta Empresa em terrenos afectos à RAN, decorre da necessidade da sua relocalização, para permitir a construção de vias de comunicação [Estrada de Brejo e Rotunda da Silveira], para os quais não havia alternativa técnica e economicamente viável para o seu traçado ou localização" - cfr. docs. de fls. 46 a 50 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

  13. Através dos oficios da CMTV nº 70/02 ONEREDPDM, de 29-7-2002, e nº...

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