Acórdão nº 0914/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução17 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.

A……..

, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco [doravante «TAF/CB»] a presente ação administrativa especial contra o “IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DE AGRICULTURA E PESCA, IP”, formulando, pelos fundamentos e motivação aduzida no articulado inicial, os seguintes pedidos: i) «[s]er declarado e considerado extinto o direito ao reembolso da quantia paga ao A. em 2001 e respetivos juros, relativo ao Contrato AGRO - Medida 1, encontrando-se esse mesmo direito prescrito nos termos do Regulamento CE/EURATOM n.º 2988/95, do Conselho, de 18 de dezembro, e do artigo 40.º do DL n.º 155/1992 de 28 de julho»; «Subsidiariamente e por mera cautela de patrocínio», ii) «[r]econhecer-se nos termos legais, designadamente por aplicação do artigo 141.º do CPA, a definitividade do ato de pagamento, que por inércia da administração na recuperação da verba, não o tendo revogado da nossa ordem jurídica no prazo de 1 ano, fez com que o mesmo se convertesse em definitivo»; ou, «caso assim não se entenda», iii) «[d]eclarar-se a anulabilidade, por ilegalidade, do ato de rescisão unilateral do contrato de atribuição de ajudas, com a consequente exigência de devolução de verbas acrescidas de juros, pelo facto de, nos termos atrás expostos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, terem sido legitimamente auferidas e investidas pelo A. em virtude do integral cumprimento contratual»; iv) «[s]er o IFAP condenado à prática do ato devido, designadamente, mediante a anulação do ato ora impugnado e produção de um novo ato de onde conste o reconhecimento de que o A. cumpriu todas as obrigações contratuais e que estava obrigado».

  1. O «TAF/CB», por sentença de 10.03.2016 [cfr. fls. 356 e segs.

    - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], julgando procedente a ação procedente, declarou «prescrito e extinto o direito ao reembolso do Réu quanto à quantia paga ao Autor, no ano de 2001, e respetivos juros, respeitante ao Contrato AGRO - Medida 1».

  2. O R., inconformado recorreu para o TCA Sul [doravante «TCA/S»], o qual por acórdão de 20.04.2017 [cfr. fls. 418/433] veio, ainda que com fundamentação diversa, confirmar a sentença proferida pelo «TAF/CB».

  3. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o R., de novo inconformado agora com o acórdão proferido pelo «TCA/S», interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 455 e segs.

    ], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz: «...

  4. A ajuda em causa nos presentes autos foi concedida no âmbito do Decisão da Comissão Europeia C (2000) 2878, de 30 de outubro, posteriormente alterado pela Decisão C (2008) 4602, de 20 de agosto, a Comissão aprovou o “Programa Operacional II Agricultura e Desenvolvimento Rural" que se integra no III Quadro Comunitário de Apoio é um “programa plurianual”, pelo que o prazo de prescrição do procedimento por irregularidade, tem como termo extintivo o encerramento definitivo do programa, nos termos do art. 3.º, n.º 1, do 2.º parágrafo Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95, que dispõe "O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa”.

  5. O douto Acórdão proferido pelo TCA/SUL incorre em erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação das normas comunitárias aplicáveis.

  6. Desaplica o direito, pois, não obstante referir que "o prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre (negrito nosso) em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa", no entanto, procede à contagem do tempo decorrido para a prescrição considerando o prazo de 8 anos, ignorando desta forma o segmento da norma do art. 3.º que refere que a contagem do prazo se faz “até ao encerramento definitivo do programa".

  7. Enferma, assim, o douto acórdão em erro grosseiro de interpretação da norma e de não adequação dos factos ao plano abstrato da norma porque não aplica o 3.º parágrafo do artigo que cita, ignorando-o.

  8. Com efeito, o Tribunal ao concluir pela prescrição do procedimento nos termos do disposto no art. 3.º, n.º 1, 1.º parágrafo do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95, não ponderou e não valorou o respetivo regime jurídico aplicável, pelo que o acórdão do tribunal a quo no que a esta questão se refere não pode ser mantido, justificando-se o presente recurso.

  9. Por outro lado, a admissão do presente recurso assume a maior relevância jurídica, pois, a controvérsia e a decisão a tomar, é suscetível de extravasar os limites da situação singular em apreço, como aliás já sucede, pois, tem-se assistido a uma aplicação indiscriminada pelos Tribunais, da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre a regra da prescrição sem atender à natureza específica das ajudas bem como à circunstância de as mesmas não se pronunciarem quanto ao regime a aplicar … às irregularidades praticadas no âmbito de ajudas enquadradas em PROGRAMAS PLURIANUAIS (como a dos presentes autos).

  10. Com efeito, o Tribunal ao concluir pela prescrição do procedimento nos termos do disposto no art. 3.º, n.º 1, 1.º parágrafo do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95, não ponderou e não valorou o respetivo regime jurídico aplicável, tendo o Tribunal a quo feito uma interpretação errada e contra legem da legislação comunitária aplicável, verificando-se ter existido uma violação clara tanto de lei substantiva, como processual, nomeadamente, violação do disposto no referido art. 3.º do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95 e dos arts. 8.º e 9.º, n.º 2, do Código Civil, cumprindo-se a necessidade, salvo o devido respeito, de ancorar a admissão da revista na necessidade de melhor aplicação do direito comunitário.

  11. Nestes termos o acórdão ora recorrido é suscetível de recurso, com vista a uma melhor aplicação de direito, com fundamento no facto de nos presentes autos estarmos perante uma irregularidade praticada no âmbito de um programa plurianual e de que nesses casos o prazo de prescrição corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.

  12. Assim, o presente recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça preenche os seus requisitos de admissibilidade previstos e instituídos no n.º 1 do art. 150.º do CPTA.

  13. Por outro lado, entende o ora Recorrente que a questão trazida a juízo se apresenta de fundamental relevância jurídica e social já que esta abrange questões que têm impacto no ordenamento jurídico nacional, tendo uma incontroversa aplicabilidade a um universo alargado de outros casos, sendo consabido, que são na ordem dos milhares os subsídios pagos a beneficiários que aderiram a este Programa Comunitário, sendo que muitos deles são ou foram objeto de procedimentos semelhantes àquele que está em causa nos presentes autos.

  14. Ignorar, como o Tribunal a quo fez, o disposto no 2.º parágrafo do art. 3.º do Regulamento 2988/95, viola expressamente as regras de interpretação previstas no disposto nos arts. 8.º e 9.º do Código Civil.

  15. Têm-se assistido a uma aplicação indiscriminada pelos Tribunais, da mais recente jurisprudência sobre a regra da prescrição. Todavia essas decisões não têm tido em consideração a natureza específica das ajudas ao investimento, como no caso dos presentes autos, pagas no âmbito de programas plurianuais.

  16. A revista revela-se, por isso, de maior utilidade jurídica, na medida em que, a posição a adotar por este Venerando Tribunal irá assumir um ponto obrigatório de referência, pois irá esclarecer os exatos termos em que será aplicável o disposto no art. 3.º do Regulamento 2988/95, no âmbito das ajudas ao investimento, pagas no âmbito de programas plurianuais.

  17. O presente recurso patenteia ainda uma valorizada relevância social, dado que, a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, expandirá a sua linha orientadora para os demais vindouros casos análogos ou apenas do mesmo tipo.

  18. No Tribunal de Justiça Europeu está em curso o processo (Processo C-436/15), intentado pela Lituânia cuja questão prejudicial tem por objeto a seguinte matéria “O que se deve entender por ‘programa plurianual’ na aceção do artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias?" 16. Assim sendo, considera o IFAP, I.P. o organismo pagador em Portugal das despesas financiadas pelo FEOGA - Secção Orientação, que os contornos do presente processo extrapolam a aplicação do caso concreto, indo muito além da esfera jurídica da recorrida, podendo mesmo pôr em causa a segurança jurídica do nosso sistema judicial e a observância das normas comunitárias aplicáveis.

  19. Considerando que, nos termos do art. 8.º do Regulamento (CEE) n.º 729/70 do Conselho, de 21 de abril de 1970, relativo ao financiamento da política agrícola comum, os Estados-membros devem adotar as medidas necessárias para garantir a realidade e a regularidade das operações financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), evitar e combater as irregularidades e recuperar as verbas perdidas na sequência de irregularidades ou negligência, nomeadamente através de controlos, a orientação que será disponibilizada por este Venerando Tribunal para além de fixar um sentido decisório na presente lide, constituirá uma linha orientadora para futuros casos análogos ou do mesmo tipo.

  20. Ora, em face do que resulta dos autos, é de concluir que a questão que o Recorrente pretende ver tratada tem em vista, basicamente, questionar a posição assumida no Acórdão recorrido quanto à aplicação aos presentes autos do disposto no art. 3.º do Regulamento 2988/95, no que se refere ao 2.º parágrafo da disposição aplicável no caso dos programas plurianuais.

  21. Deve o presente recurso...

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