Acórdão nº 057/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Maio de 2018
Magistrado Responsável | CASIMIRO GON |
Data da Resolução | 23 de Maio de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1.
A………….. e B………….., ambos com os demais sinais dos autos, recorrem, por oposição de acórdãos, nos termos do disposto no art. 27º, nº 1, al. b) do ETAF e do art. 284° do CPPT, do aresto proferido na Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul, em 18/02/2016, no recurso que ali correu termos sob o nº 06796/13 e no qual, revogando-se a decisão que havia sido proferida no TAF de Leiria, se julgaram agora improcedentes os embargos de terceiro por aqueles deduzidos contra a penhora do prédio urbano sito no …………. e inscrito sob o artigo 2113 da freguesia e concelho de Alcanena, efectuada na execução fiscal nº 1937-90/70046.4 e instaurada pela C…………., S.A., no SF de Alcanena, contra D…………. e E…………… para cobrança de dívida a essa exequente.
Os recorrentes invocam oposição com o acórdão do TCA Sul (secção de contencioso tributário) proferido em 22/10/2015, no proc. nº 08884/15.
1.2.
Para sustentar a alegação de oposição entre o acórdão recorrido e o referido acórdão fundamento, os recorrentes dizem, em síntese, o seguinte: I - DO ACÓRDÃO RECORRIDO 1º. No recorrido decidiu o TCAS pela procedência do recurso interposto pela C………., SA e pela consequente revogação da decisão proferida em 1ª instância, que havia julgado, além do mais, procedentes os embargos de terceiro com o consequente levantamento da penhora sobre o prédio identificado os autos.
2º. Não obstante as alterações quanto à matéria de facto fixada na sentença da primeira instância, resultam provados no Acórdão recorrido os seguintes factos não alterados: C) Foi estipulado no acordo, referido em A) que o preço da compra dos dois prédios urbanos era de 5.250.000$00, nos termos constantes de fls. 24 dos autos (...) D) Em 15/4/1994, o embargante marido depositou a favor do embargado D………… a quantia de 1.750.000$00, nos termos constantes de fls. 24 e 25 dos autos (...) F) Em 20/7/1994, o embargante marido passou um cheque ao embargado D…………., no valor de 500.000$00, como reforço de sinal, referente ao acordo referido em A) nos termos constantes de fls. 26 e 201 dos autos (...).
3º. Face ao referido no artigo anterior e não tendo sido alterada a resposta dada às alíneas D) e F) da matéria provada resulta evidenciado o seguinte: • A entrega das quantias de 1.750.000$00 e de 500.000$00 pelos Recorrentes aos embargados D……………… e mulher; • Resulta do Acórdão recorrido que, aquando da celebração da escritura de compra e venda do prédio inscrito sob o artigo 1760 foi pago o preço; • O facto comprovado pela escritura de compra e venda de onde consta a declaração (confissão) dos vendedores, aqui embargados, (...) que pelo preço de 3.500.000$00, que já receberam vendem o prédio (...); O que tudo conduz necessariamente à conclusão de que o preço foi totalmente pago, apesar do Tribunal recorrido não ter entendido desta forma.
4º. Também resultou provada a factualidade que permite concluir pela tradição da coisa prometida - o prédio penhorado foi colocado na disposição dos Embargantes no mês do ano de Outubro de 1994: matéria que consta da alínea L) a saber: “Pelo menos desde Outubro de 1994, os embargantes utilizam o prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 2113” e alínea R) “Desde Outubro de 1994, que os embargantes ocupam ambas as casas sem objeção e com conhecimento dos vizinhos”.
5º. Da matéria de facto dada como provada resulta que os embargantes, ora Recorrentes, passaram a utilizar o prédio, praticando actos materiais de posse, inerentes à sua utilização, real e em nome próprio, como se fossem seus verdadeiros proprietários conforme resulta da matéria de facto dada como provada e transcrita nas alíneas G, M, N, O, P, Q e R, a saber: G) Em 02/08/1994, o embargante marido celebrou, em seu nome, o contrato de fornecimento de electricidade, referente à morada ……, n° ………., nos termos constantes de fls. 186 dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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Os embargantes no nº ………. de polícia receberam a correspondência, familiares e amigos que os visitam [cfr. Documentos de fls. 35, 36, 186, 187, 190, 191, 193, dos autos (...), e cfr. depoimentos de todas as testemunhas].
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Em 1994, o embargante marido requereu o fornecimento de água para o rés-do-chão do prédio situado no …………, na qualidade de proprietário, nos termos constantes de fls. 187 dos autos (...).
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Os embargantes passaram a efectuar os pagamentos de água e electricidade, referente à morada ………., n° ………., Alcanena, nos termos constantes de fls. 35 e 36 dos autos (...).
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Os embargantes pagam a prestação mensal referente a um empréstimo contraído para aquisição de habitação permanente, nos termos constantes de fls. 37 dos autos (...).
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Desde que tiveram as chaves das casas, referidas em A), os embargantes fizeram obras na casa, sob o artigo 1760, demoliram paredes, fizeram uma casa de banho nova, colocaram portas e janelas novas e um telhado novo, e na casa, sob o artigo 2113, demoliram paredes e fizeram uma casa de banho nova, nos termos constantes de fls. 38 a 40, 189, 190, 192, 193, 197 dos autos (...) e cfr. os depoimentos de todas as testemunhas.
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Desde Outubro de 1994, que os embargantes ocupam ambas as casas sem objecção e com conhecimento dos vizinhos, cfr. os depoimentos de todas as testemunhas.
6º. Atenta a matéria de facto dada como provada, no Acórdão recorrido entendeu-se que os Embargantes, ora Recorrentes, não lograram “provar a posse do bem anterior à penhora quando não há pagamento de qualquer preço relativamente a esse bem no âmbito do contrato-promessa e não existe explicação convincente das razões pelas quais não se celebrou o contrato definitivo, estando o bem ocupado e habitado por terceiro que depositou rendas em nome do promitente-vendedor (senhorio)”.
II - DO ACÓRDÃO FUNDAMENTO 7º. A matéria de relevante no Acórdão fundamento apresenta indubitáveis traços de identidade com matéria relevante no Acórdão recorrido, sendo questão decidenda em ambos os acórdãos precisamente a mesma embora cheguem a divergentes conclusões (o que, por si só, determina a pertinência do recurso apresentado), 8º. Com efeito, no Acórdão fundamento expressa-se que existem situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche em circunstâncias excepcionais, os requisitos que fundamentam a verdadeira posse.
9º. No Acórdão fundamento entende-se de forma absolutamente clara que, “são concebíveis situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse; nestas situações excepcionais, em que o promitente-comprador tem uma posse em nome próprio relativamente ao bem que lhe foi prometido vender e que, entretanto, foi penhorado, tal posse fundamentará a procedência dos embargos de terceiros que com base nela, sejam deduzidos”, Ainda no acórdão fundamento se expende que: 10°. “Porém não cremos que a circunstância de não resultar dos factos provados (nem dos não provados) a entrega do referido monte, para daí concluir que não houve pagamento integral do preço, não cremos, repete-se, que, por si só, essa circunstância obste a que possa considerar, ponderado o restante circunstancialismo fáctico, que no caso a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse”.
E continuando: “Contudo, repete-se o facto de o preço não ter sido integralmente pago não é, por si só, um facto que sirva para afastar uma situação de verdadeira posse; tudo dependerá da análise do circunstancialismo do caso concreto (...).
Temos, pois, que, perante a tradição do bem, o pagamento efectuado e a actuação que se seguiu (concretamente, a construção de uma casa no terreno, a qual passou a constituir a casa de morada de família do Embargante) se pode concluir que as partes anteciparam os efeitos do contrato definitivo - a transferência da propriedade para o comprador - podendo dizer-se que o promitente-comprador passou a actuar como se fosse proprietário da coisa.
Com efeito, construir uma casa no terreno e aí passar a habitar, encerra. Inelutavelmente,a prática de actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade. Mais, tal actuação, por parte do promitente-comprador, é levada a cabo em nome próprio, com intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real (como se a coisa fosse sua, julgando-se proprietário da coisa, apesar de a não ter comprado), ou seja, tais actos não são realizados em nome do promitente-vendedor. A prática de actos desta natureza, possessórios, revela o animus de exercício em seu nome do direito de propriedade.
Por conseguinte, perante a realidade concreta dos autos, podemos concluir que corpus e animus estão presentes na posse do promitente-comprador, ora Recorrido, o que nos permite falar em posse em nome próprio. E assim sendo, afigura-se-nos correta a conclusão a que a sentença chegou no sentido de procedência dos embargos deduzidos.” 11°. Citando o Acórdão da Relação de Coimbra de 24/11/09, transcreveu-se no Acórdão fundamento que “São concebíveis, todavia, situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse.
(...) III - DA OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS 12°. Em face da análise dos Acórdãos fundamento e recorrido não restam dúvidas de que a questão decidenda em ambos os acórdãos é precisamente a mesma que é a de saber se a posse tal como é configurada, com pagamento do preço ou de parte do preço e a prática de actos correspondentes ao exercício do direito propriedade, praticados em nome próprio, confere acesso aos meios de tutela da posse in casu: os embargos de terceiro.
13°. Contudo, nas duas decisões perfilham-se entendimentos antagónicos quanto à concreta questão, uma vez que no acórdão fundamento considera-se que o facto de o preço não estar integralmente pago não é fundamento para a improcedência dos embargos de terceiro, sendo sim...
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