Acórdão nº 090/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução14 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 85/15.5BELLE 1. RELATÓRIO 1.1 A…………….. (adiante Recorrente ou Impugnante) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou improcedente a impugnação judicial por ele apresentada, após indeferimento da reclamação graciosa, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) que lhe foram efectuadas com referência aos períodos compreendidos entre 201003T e 201406T por a Administração tributária (AT) ter considerado que a actividade exercida pelo ora recorrente não é susceptível de beneficiar da isenção prevista no art. 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA).

1.2 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «1.ª A recorrente é, conforme resultou provado, um prestador de serviços cuja actividade foi inicialmente enquadrada no âmbito do artigo 9.º do Código do IVA, com efeitos a partir de 15 de Setembro de 2010.

  1. A Autoridade Tributária, na sequência de uma acção de fiscalização, manifestou a sua discordância em relação ao enquadramento da recorrente, por entender que a actividade por si exercida não é susceptível de beneficiar da isenção prevista no artigo 9.º do Código do IVA.

  2. A Autoridade Tributária pode legitimamente proceder a correcções no enquadramento da actividade dos sujeitos passivos, desde que tais alterações apenas produzam efeitos para o futuro.

  3. A análise do conteúdo das declarações de início de actividade permite concluir inequivocamente que o enquadramento para efeitos de IVA, no regime normal ou nos regimes de isenção, é da responsabilidade da Autoridade Tributária.

  4. Ainda que incumba ao sujeito passivo o preenchimento e a entrega da declaração de início de actividade, a verdade é que os elementos dela constantes apenas são vinculativos após a validação que, obrigatoriamente, tem que ser efectuada pela Autoridade Tributária.

  5. Na verdade, no campo 9, o sujeito passivo declara os dados que espera vir a ter da sua actividade, cabendo à Autoridade Tributária, mediante o preenchimento do campo 10, que é de uso exclusivo dos Serviços de Finanças, validar os dados que foram indicados e proceder ao enquadramento no regime normal ou nos regimes de isenção.

  6. A Autoridade Tributária tinha conhecimento, desde o início, da actividade que a recorrente pretendia exercer, já que, no campo 8 da supra mencionada declaração de início de actividade, teve que proceder à respectiva indicação expressa e colocar o código da actividade económica (CAE) que lhe corresponde.

  7. Não pode a Autoridade Tributária ter conhecimento da actividade que o sujeito passivo vai exercer, validar todos os dados a ela inerentes e o respectivo enquadramento em sede de IVA e proceder, passados alguns anos, à alteração com efeitos retroactivos, sem colocar em causa, na relação jurídico-tributária, os princípios da irretroactividade e da segurança jurídica.

  8. Este entendimento tem expresso acolhimento na lei vigente, já que é o próprio n.º 3 do artigo 35.º do Código do IVA que dispõe de forma clara e inequívoca que “As declarações são informadas no prazo de 30 dias pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que se pronuncia sobre os elementos declarados e quaisquer outros com interesse para a apreciação da situação”.

  9. A impossibilidade de aplicação retroactiva encontra-se expressamente prevista na lei a propósito da prestação de informações vinculativas, conforme se pode verificar pelo disposto no n.º 16 do artigo 68.º da Lei Geral Tributária.

  10. O normativo referido dispõe expressamente que as informações vinculativas podem ser revogadas, com efeitos para o futuro, após um ano a contar da sua prestação, precedendo audição do requerente, nos termos da presente lei, com a salvaguarda dos direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos.

  11. O artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária refere expressamente que a Administração Tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, não podendo ser invocáveis retroactivamente perante os contribuintes que tenham agido com base numa interpretação plausível e de boa-fé da lei as orientações genéricas que ainda não estavam em vigor no momento do facto tributário.

  12. Este entendimento tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme se pode verificar através do acórdão de 29 de Fevereiro de 1996, referente ao processo C-110/94, usualmente designado por acórdão Inzo.

  13. No acórdão mencionado refere-se expressamente, no ponto n.º 21, que “...

    como observou a Comissão, o princípio da segurança jurídica opõe-se a que os direitos e obrigações dos sujeitos passivos dependam de factos, de circunstâncias ou de acontecimentos que se produzem depois da sua verificação pela Administração Fiscal.

  14. Daí resulta que, a partir do momento em que a Autoridade Fiscal aceitou, com base nos dados fornecidos por uma empresa, que lhe seja atribuída a qualidade de sujeito passivo, este estatuto já não pode, em princípio ser-lhe depois retirado com efeitos retroactivos devido à ocorrência ou não ocorrência de determinados acontecimentos”.

  15. Neste contexto, conclui o acórdão em causa no ponto n.º 25, “...

    que excepto no caso de situações fraudulentas ou abusivas, a qualidade de sujeito passivo do IVA não pode ser retirada a essa sociedade com efeitos retroactivos, quando, perante os resultados desse estudo, foi decidido não passar à fase operacional e colocá-la em liquidação, de modo que a actividade económica projectada não deu origem a operações tributáveis”.

  16. Tudo visto, são ilegais as liquidações adicionais do IVA, tendo em conta que o enquadramento no regime de isenção foi efectuado pela Autoridade Tributária e que a respectiva alteração, a ser possível, apenas pode ter efeitos para o futuro, sob pena de violação do princípio da irretroactividade e da segurança na aplicação das normas.

  17. A actividade da recorrente sempre foi dirigida no sentido de angariar clientes e promover os serviços, garantindo, em termos finais, a concretização da respectiva venda por parte da empresa que os comercializa.

  18. Na douta sentença não resulta provado, nem sequer por indícios, que a actividade diária do Recorrente não consistia na realização de sucessivas reuniões com clientes novos ou com clientes que já eram detentores de alguns dos serviços que a empresa comercializa, aos quais apresentava os produtos, com a indicação das respectivas características e preço, fechando o contrato, no caso de haver acordo.

  19. Também não ficou demonstrado, já que o Tribunal a quo dispensou a inquirição das testemunhas arroladas, por entender que a matéria controvertida é exclusivamente de direito, que a recorrente, no exercício da actividade, apresentava os produtos, evidenciava as respectivas características e procedia à respectiva negociação.

  20. Segundo o entendimento da Prof. Dra. Clotilde Celorico Palma, na matéria relacionada com a venda de direitos de habitação turística, “…foi acolhido pela Administração Fiscal o entendimento sufragado num parecer elaborado por J.G. Xavier de Basto e António Lobo Xavier”.

  21. A elaboração do parecer, “…foi solicitada pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tendo em vista clarificar o tratamento em IVA das situações qualificadas como transmissões de direitos reais de habitação periódica e como direitos de utilização turística, tendo o entendimento acolhido sido expressamente consagrado no Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA)”.

  22. Em conformidade com a orientação veiculada no parecer, “...

    quando o direito de habitação periódica se apresenta como um direito real a transmissão de tais direitos é sujeita a IMT, pelo que a respectiva transmissão está isenta de IVA, por aplicação directa do n.º 31 do artigo 9.º do Código do IVA.

  23. A isenção do n.º 31 do artigo 9.º do Código do IVA não abrange a transmissão de direitos obrigacionais de habitação turística (DOHT), isto é, dos direitos de habitação turística”.

  24. A situação dos direitos obrigacionais de habitação turística, “…ao tempo não regulamentados, não foi prevista no Código do IVA, existindo, assim, uma lacuna de previsão e regulamentação na disciplina das...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT