Acórdão nº 01037/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução22 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: 1. A………………. e B………………….., Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, intentaram acção administrativa especial, para impugnação do despacho, de 4/5/2015, do Presidente do Tribunal Constitucional, que determinou que deixasse de ser processado o pagamento de subsídio de refeição nos dias em que eram abonadas ajudas de custo aos juízes desse tribunal, pedindo a anulação do despacho impugnado e, subsidiariamente, a declaração de ilegalidade da interpretação perfilhada quando considera aplicáveis as normas dos artºs. 8.º e 37.º, do DL n.º 106/98, de 24/4, por violação da norma do art.º 32.º, da LOFPTC (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15/11), que é uma lei de valor reforçado.

Por acórdão da Secção, de 1/6/2016, foi essa acção julgada improcedente.

Deste acórdão, os AA. interpuseram recurso, para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: “

  1. Os ora recorrentes impugnaram contenciosamente o despacho do Presidente do Tribunal Constitucional de 4 de maio de 2015, que determinou que se deixasse de processar o pagamento do subsídio de refeição aos juízes do Tribunal Constitucional nos dias em que sejam abonadas as ajudas de custo a que se refere o art.º 32.º da Lei do Tribunal Constitucional.

    B) Esse despacho assenta no pressuposto de que as ajudas de custo que devam ser abonadas aos juízes do Tribunal Constitucional por cada dia de sessão nos termos daquele dispositivo incluem a compensação do custo da refeição, por aplicação subsidiária do regime jurídico do abono de ajudas de custo ao pessoal da Administração Pública.

    C) De facto, o regime geral de abono de ajudas de custo, que consta do DL n.º 106/98, de 24/4, estabelece as regras de cálculo da ajuda de custo em determinadas percentagens (25%, 50% e 100%), consoante as variáveis horárias da deslocação sejam ou não determinantes de despesas de refeição e ou de alojamento (art.º 8.º), e, consequentemente, o quantitativo correspondente ao abono diário do subsídio de refeição é deduzido nas ajudas de custo quando as despesas sujeitas a compensação incluírem o custo do almoço (art.º 37.º).

    D) No entanto esse art.º 32.º da LTC institui um regime especial em matéria de ajudas de custo pelo qual aos juízes residentes fora de Lisboa e dos municípios confinantes é atribuído o «o direito à ajuda de custo fixada para os membros do Governo, abonada por cada dia de sessão do tribunal em que participem e mais dois dias por semana» (n.º 1), e aos juízes residentes em Lisboa e nos municípios confinantes o direito a um terço dessa ajuda de custo (n.º 2).

    E) Sendo que o direito à ajuda de custo atribuído nesses termos não é compatível com as condições e as regras de cálculo definidas no DL n.º 106/98, de 24/4, nem é possível estabelecer uma qualquer correspondência entre o abono da ajuda de custo e o pagamento de despesas relativas ao almoço, jantar e alojamento a que se refere esse outro diploma legal.

    F) Nesse sentido aponta o elemento histórico de interpretação, que permite concluir que o legislador pretendeu instituir uma equiparação entre o regime de ajudas de custo dos juízes do Tribunal Constitucional e dos deputados à Assembleia da República e que é evidenciada pela evolução legislativa da LTC e do Estatuto dos Deputados e ressalta dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 85/89, de 7/9, que fixou a redação atualmente vigente do referido art.º 32.º.

    G) O que é reforçado por um argumento teleológico, que se prende com a natureza e finalidade próprias das ajudas de custo contempladas no DL n.º 106/98.

    H) Com efeito, nos termos do art.º 32.º da LTC é abonada uma ajuda de custo diária nos dias de sessão, independentemente do período de tempo que é abrangido pela deslocação, e ainda mais dois dias por semana, abrangendo, por isso, dias em que não há despesas necessárias por força da presença nas sessões, além de que a ajuda de custo dos juízes residentes em Lisboa e nos municípios vizinhos é fixada na proporção de um terço do montante global a que têm direito os restantes juízes, independentemente da efetiva realização de despesas com refeições e alojamento.

    I) O que revela que as ajudas de custo previstas nesse preceito não têm um propósito meramente compensatório de encargos resultantes da circunstância de se prestar serviço fora do local normal de trabalho nem se relaciona com as variáveis horárias de deslocação que são determinantes para definir o cálculo da ajuda de custo a atribuir nos termos da lei geral.

    J) No sentido de que estamos perante um regime especial, não subordinado às regras de cálculo do DL n.º 106/98, concorre ainda um argumento fundado na letra da lei.

    K) De facto, enquanto que os nºs. 1 e 2 do art.º 32.º atribuem ajudas de custo sem qualquer referência a custos específicos determinados, nem efetuam qualquer remissão para a lei geral, os nºs. 3 e 4 desse artigo, que se referem a despesas com transporte em automóvel próprio entre Lisboa e a residência, determinam que o direito ao reembolso se processe “segundo regime análogo ao dos funcionários públicos, mas tendo em conta os quilómetros efetivamente percorridos”.

    L) O que permite concluir que o legislador apenas pretendeu remeter para o regime aplicável aos funcionários públicos o reembolso de despesas de transporte, e não já o regime de abono de ajudas de custo, sendo de admitir – dado que se trata de dispositivos insertos na mesma norma legal – que teria sido efetuada idêntica remissão para a lei geral caso se tivesse pretendido aplicar às ajudas de custo previstas nos nºs. 1 e 2 as condições de atribuição e regras de cálculo do regime jurídico referente ao pessoal da Administração Pública.

    M) O acórdão recorrido não atendeu a qualquer destes critérios de interpretação da lei e não efetuou qualquer análise crítica que pudesse pôr em causa o resultado interpretativo a que poderia chegar-se de acordo com esses fatores hermenêuticos.

    N) E limitou-se a fundamentar a decisão de improcedência da acção com base na existência de uma lacuna de regulação em virtude de o art.º 32.º da LTC, dispondo sobre ajudas de custo a abonar aos juízes do Tribunal Constitucional, ser «totalmente omisso no tocante à indicação das despesas que as mesmas visam compensar e a forma como se procede ao seu cálculo».

    O) E ainda com base na ideia de que o abono de ajudas de custo por cada dia de sessão sem qualquer condicionamento ao período horário abrangido apenas significa que os juízes têm direito à totalidade da ajuda de custo diária, isto é, têm direito a uma ajuda de custo calculada com base numa percentagem de 100% correspondente o montante que seria devido se se destinasse a compensar as despesas com refeições e alojamento.

    P) A constatação da lacuna jurídica tem como necessária consequência – na própria lógica do acórdão recorrido – a aplicação do regime subsidiário que resulta do DL n.º 106/98 e como a lacuna é relativa à indicação das despesas que as ajudas de custo visam compensar e a forma como se procede ao seu cálculo, a norma subsidiariamente aplicável é a do art.º 8.º do dito DL n.º 106/98, que define as percentagens da ajuda diária a atribuir ao funcionário deslocado em função do período de tempo abrangido pela deslocação.

    Q) Tal significa que os juízes do Tribunal Constitucional, por efeito da aplicação subsidiária dessa disposição do regime geral – a única que regula a matéria que se entende ser omissa na LTC – deveriam auferir 25% da ajuda diária quando, nos dias de sessão, a deslocação abrangesse o período de almoço, 50% da ajuda diária quando abrangesse o período do almoço e do jantar, e 100% da ajuda diária quando abrangesse o período das refeições e o alojamento.

    R) E dentro do mesmo critério de integração da lei, as ajudas de custo acrescidas não teriam sequer de ser abonadas, uma vez que o regime subsidiário aplicável (o art.º 8.º do DL n.º 106/98) apenas contempla o abono de ajudas de custo por deslocações diárias e numa percentagem correspondente ao período abrangido pela deslocação.

    S) Sucede que uma tal interpretação viola frontalmente o disposto do art.º 32.º da LTC, que prevê o abono de ajudas de custo por cada dia de sessão do Tribunal e mais dois dias por semana.

    T) E é, por isso, uma interpretação incongruente e contrária ao sistema jurídico na medida em que não é possível aplicar subsidiariamente um regime legal, a pretexto da existência de um caso omisso, quando essa aplicação subsidiária contraria diretamente a lei que se julga ser incompleta por ausência de regulação.

    U) Num segundo momento, o acórdão recorrido resolve a contradição insanável que naturalmente existe entre a disposição do art.º 32.º da LTC e o art.º 8.º do DL n.º 106/98, dizendo que o abono de ajudas de custo, nos termos daquela disposição, sem necessidade de «prévia entrega dos boletins de itinerário ou da indicação dos períodos de tempo de deslocação» apenas pode querer significar que os juízes do Tribunal Constitucional «têm direito à ajuda diária integral independentemente do tempo de duração da sessão de julgamento e das despesas que tiveram de suportar para o efeito».

    V) Ou seja, primeiramente, o acórdão recorrido declara que existe uma lacuna na LTC quanto à «indicação das despesas que as[ajudas de custo] visam compensar e a forma como se procede ao seu cálculo», e, por isso mesmo, entende ser de aplicar subsidiariamente o regime da lei geral, e, depois, o mesmo acórdão, reconhece que o art.º 32.º da LTC contém um regime especial que permite o pagamento de ajudas de custo independentemente do período de tempo que se encontra abrangido pela...

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