Acórdão nº 0350/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. A………….. - identificada nos autos - interpôs este recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], em 04.11.2016, que negou provimento ao recurso de apelação que ela interpôs da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF], em 26.12.2013, que julgou improcedente a acção administrativa comum em que ela demandou o ESTADO PORTUGUÊS [EP] responsabilizando-o por atraso na justiça.

Conclui as alegações da seguinte forma: “1- Nestes autos está em causa matéria relativa a violação de direitos fundamentais, e mais concretamente, direito à integridade pessoal [física e moral], liberdade pessoal, direito à tutela jurisdicional efectiva com repercussões num universo muito amplo de destinatários: vítimas de crimes contra a integridade física e moral, crimes contra a liberdade pessoal e crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual que terão necessidade de recorrer aos meios judiciais para apresentar denúncia de tais crimes e pedir a condenação dos seus agressores em termos penais e ainda em temos cíveis, em indemnização pelos danos morais e patrimoniais sofridos em consequência de tais crimes. Essas mesmas vítimas, como cidadãos/cidadãs têm o direito, constitucionalmente garantido, de verem as suas causas julgadas em prazo razoável, com decisão final e definitiva em tempo útil; 2- Relativamente à questão essencial apreciada nos presentes autos, de saber se à autora é devida alguma indemnização em virtude do alegado atraso na prolação de decisões judiciais no processo principal, concluiu, mal, o tribunal «a quo» pela não violação do direito da autora a uma decisão em prazo razoável e consequentemente improcedência do pedido indemnizatório; 3- Questiona-se esse juízo de valor que o acórdão recorrido emitiu. Esse juízo de valor constitui matéria de Direito, sindicável pelo Supremo Tribunal Administrativo, já que estão em causa a interpretação e aplicação das normas dos artigos 20º, nºs 4 e 5 da CRP; 6º, nº1 da CEDH e do Protocolo nº1 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no seu segmento «direito a uma decisão em prazo razoável, ofendidas frontalmente»; 4- O Tribunal Central Administrativo Norte compreendeu erradamente o presente caso, não tendo considerado que se referia a um só processo, Processo nº1760/92 da 2ª Secção do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos contra B………….. e seus apensos, nomeadamente pedido de indemnização cível subsequente à condenação do arguido, execução sumária de sentença, embargos de terceiro, execução por multa, reclamação de créditos, iniciado com a queixa criminal apresentada pela autora a 30 de Março de 1992, onde a queixosa, aqui recorrente, imputou a B………….. dois crime de sequestro e um crime de violação, mas antes considerou, erradamente, estar perante sete processos autónomos, aos quais entendeu aferir individualmente a violação do «direito a uma decisão em prazo razoável»; 5- Não se poderá entender tratarem-se de sete processos autónomos porque a causa de pedir é a mesma, possuem uma relação material de conexão entre si [do qual emergem], uns são consequência dos outros, e só por isso foi admitida a sua apensação nos mesmos autos, num único processo. Encontravam-se verificados todos os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, de acordo com o preceituado no artigo 267º do CPC; 6- Apesar de reconhecer que a aferição do prazo razoável deve ser feita na globalidade do processo, o tribunal recorrido, assim como o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, aferiram tal violação em cada apenso e incidente processual isoladamente; 7- O tribunal recorrido e o tribunal de 1ª instância aceitaram por referência a tese que «um processo que demore mais de três anos numa instância excede o prazo razoável de acordo com o entendimento do próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem» mas aplicaram essa tese a cada apenso, incidente do processo principal, esquecendo-se completamente de analisar o processo no seu todo e na sua globalidade. O prazo-padrão dos 3 anos de duração de um processo judicial considerado pelo TEDH engloba o processo no seu todo, na sua globalidade, e não se refere a cada apenso ou incidente individualmente; 8- Foi assim violada jurisprudência do TEDH que há muito estabeleceu que o prazo razoável para a administração da justiça num caso concreto cobre todo o processo, incluindo as instâncias de recurso; 9- Forçoso será entender que no processo principal em análise, entendido na sua globalidade, houve uma violação do direito da autora a obter decisão e justiça em prazo razoável e que tal violação não pode deixar de considerar-se ilícita: o processo teve início a 30.03.1992 e termo em Abril de 2013. Estamos a tratar de uma pendência de 21 anos, comprovada nos presentes autos, dada a sequência de acontecimentos e actos processuais dados como provados pelo TAF do Porto; 10- Por outro lado e sem prescindir, ainda que fosse analisada a duração de cada apenso, hipótese que não se aceita e que contraria o espírito legislativo e toda a jurisprudência assinalada, mas que se equaciona por mero exercício de patrocínio, teriam sido ultrapassados os três anos tomados por referência, como tese geral, pelo tribunal «a quo» e também pelo TEDH; 11- Deste modo, forçoso será concluir que desde a apresentação da queixa-crime, a 30.03.1992 até à extinção da parte executiva [apenso] em Abril de 2013 decorreram mais de 21 anos, no processo globalmente e comummente designado por «Processo de Matosinhos»; 12- E ainda que considerássemos apenas a parte do pedido de indemnização cível, instaurada a 01.02.1996, e respectiva execução, declarada extinta em Abril de 2013, teríamos de concluir pelo decurso de 17 anos e pela excessiva pendência processual, violadora do direito da autora, aqui recorrente, de acesso à justiça em prazo razoável, consagrado nos artigos 20º, nºs 4 e 5, da CRP, e 6º, nº1, da CEDH; 13- Portanto, também a duração de qualquer dos apensos ou incidentes da acção principal, em análise, excedeu a referência padrão de duração média dos processos [de três anos] adoptada pelo TEDH; 14- Jamais se viu qualquer jurisprudência no sentido de considerar como critérios de aferição da violação do prazo razoável: as férias judiciais, ou o padrão de funcionamento expectável e exigível do serviço em causa ou o volume de trabalho dos juízes; 15- O TEDH, contrariamente, utiliza apenas como critérios para determinar se há ou não violação do direito à justiça em prazo razoável: a duração do processo, a sua complexidade, o comportamento das partes, a actuação das autoridades e a importância do litígio para o interessado; 16- O ilícito do Estado é manifesto no aspecto global de duração do processo em análise e ainda na omissão genérica e grave de organizar o sistema judicial português, de forma a poder garantir a justiça efectiva em tempo razoável. O Estado é o único responsável pela organização do sistema judiciário, de modo a assegurar o seu funcionamento com celeridade; 17- Dessa forma existe ilicitude e culpa na actuação do Estado Português e estão verificados todos os pressupostos para a constituição da obrigação de indemnizar; 18- A ilicitude do Estado Português residiu precisamente na violação dos artigos 20º, nºs 4 e 5, da CRP, e 6º, nº1, da CEDH, por não ter assegurado o direito da autora, aqui recorrente, de acesso à justiça em prazo razoável; 19- O acórdão recorrido contrariou a orientação uniforme de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente a resultante de acórdãos proferidos em apreciação de recursos de revista excepcional enumerados e exemplificados nas alegações; 20- O tribunal recorrido deveria ter concluído que vinte e um anos para definir uma situação da vida de uma pessoa é realmente tempo demais e que tem razão a autora em demandar o Estado pelo atraso no mencionado processo, porquanto parece não haver dúvidas de que o processo se atrasou para além de um prazo razoável, conforme já é jurisprudência pacífica dos tribunais portugueses. Deveria ter concluído ter havido atraso na justiça, porquanto compete ao Estado tomar medidas organizativas do sistema judicial no sentido de o mesmo poder responder atempadamente aos anseios dos cidadãos; 21- A nível da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo 6º garante o direito à justiça num prazo razoável. E, em virtude do princípio da subsidiariedade, os tribunais nacionais devem [na medida do possível] interpretar e aplicar o direito interno de acordo com a Convenção e conformar-se com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem [TEDH], apesar de ainda deterem uma margem de apreciação, em cada caso concreto; 22- «O artigo 13º da CEDH consagra o princípio da subsidiariedade segundo o qual compete às autoridades nacionais, em primeiro lugar, reparar as violações da mesma Convenção»; 23- No seguimento do supra exposto «O prazo razoável apresenta-se como uma questão de facto; por isso, o ónus da prova recai sobre o Estado requerido, incumbindo-lhe, quando o prazo parecer exorbitante, fornecer as explicações sobre os motivos dos atrasos verificados»; 24- Ora, nos presentes autos o Estado apenas apresentou como explicação ou desculpa, da sua parte, para o prazo excessivo na prolação da decisão final e definitiva e na execução de tal decisão, a complexidade do sistema português, demasiado garantístico, e, consequentemente perfeccionista; 25- No acórdão recorrido nem sequer é imputado o atraso à conduta da autora, aqui recorrente, nem o poderia ser uma vez que a autora não realizou quaisquer atitudes dilatórias no processo principal, tendo exercido razoável e diligentemente os seus direitos processuais; 26- Em momento algum do processo principal, seus apensos, incidentes e parte executiva poderá ser imputada à autora inércia processual, conforme se poderá comprovar pela consulta desses autos; 27- «II- O facto de as partes utilizarem os vários meios...

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