Acórdão nº 0775/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DO C
Data da Resolução15 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1.RELATÓRIO Águas do Zêzere e Côa, SA, actualmente, Águas de Lisboa e Vale do Tejo, SA, com os sinais dos autos, intentou no TAF de Castelo Branco a presente Acção Administrativa Comum, sob a forma de processo ordinário, contra o MUNICÍPIO DO FUNDÃO, pedindo a condenação deste, a pagar-lhe: a) - 103.690,67€, devidos pelos serviços prestados, acrescidos da quantia de 98 328,03€ a título de juros moratórios vencidos até 17.11.2008, num total de 1.202.018,70€; b) - juros de mora vincendos sobre a importância do capital, referida na alínea anterior e até efectivo e integral pagamento.

Através de requerimento que deu entrada no TAF de Castelo Branco em 29.11.2011, o Município do Fundão solicitou a suspensão da instância até ao trânsito da decisão que viesse a ser proferida no proc. nº 450/11.7 BECTB, a correr termos no TAF de Castelo Branco.

Em 2.4.2013, foi proferido despacho saneador que indeferiu o pedido de suspensão da instância face à pendência do proc. nº 450/11.7 BECTB e seleccionou a matéria de facto.

Por sentença de 30 de Maio de 2015, do referido tribunal, foi julgada procedente a acção e, em consequência, condenado o réu a pagar à autora da quantia de 1.202 018,70€ acrescida dos respectivos juros de mora vincendos, desde a citação do réu e até efectivo e integral pagamento, a título de ressarcimento pelos serviços a este prestados respeitantes ao fornecimento de água e ao saneamento, à recolha e ao tratamento de efluentes.

Inconformado, o réu interpôs recurso jurisdicional para o TCA Sul.

Por acórdão datado de 16.02.2017, o TCA Sul decidiu: Conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando o despacho saneador proferido em 2.4.2013, no segmento em que indeferiu a suspensão da instância face à pendência da acção nº 450/11.7 BECTB, e, em consequência: - ordenar a suspensão da instância até que seja definitivamente decidida essa acção nº 450/11.7 BECTB; - anular a sentença proferida em 30.5.2015, excepto na parte relativa ao julgamento da matéria de facto.

* E é desta decisão que vem interposto o presente recurso de revista, por parte da autora, ora recorrente, Águas de Lisboa e Vale do Tejo, SA, que concluiu apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: «I. No caso concreto, a Autora não se conforma com a decisão do TCA Sul que decidiu suspender a instância e anular o processado verificado na 1ª instância desde a sentença, que condenou o Réu Município no pagamento dos serviços de água e de saneamento, recolha e tratamento de efluentes prestados pela Autora no valor de 1.103.690,67€, acrescida da quantia de 98 328,03€, a título de juros moratórios vencidos, e ainda no pagamento de juros moratórios vincendos.

  1. Diz o acórdão recorrido que a pretensão da Autora assenta num edifício jurídico uno, complexo, onde pontifica, por esta ordem, o seguinte: (i) DL 379/93, (ii) DL 319/94, (iii) DL 162/96, (iv) DL 121/2000, (v) contrato de concessão e (vi) contrato entre as partes deste processo.

  2. O Decreto-Lei nº 121/2000, de 4 de Julho, criou o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Alto Zêzere e Côa para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes dos municípios nele mencionados (cfr. artº 1º), constituiu a sociedade Águas do Zêzere e Côa, S.A., da qual era accionista o aqui Réu (cfr. arts. 3º e 5º, nº 1), aprovou os respectivos estatutos (cfr. art.º 4º, nº 1) que publicou em anexo e adjudicou-lhe o exclusivo da exploração e gestão do sistema, em regime de concessão, pelo período de trinta anos (cfr. art. 6º, nº 1).

  3. A gestão de tais sistemas ficou subordinada aos princípios da prossecução do interesse público, do carácter integrado dos sistemas, da eficiência e da prevalência da gestão empresarial – artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 379/93; V. A criação dos sistemas multimunicipais teve por objectivo garantir a qualidade e continuidade dos serviços públicos de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos – artigo 4º-A, nº 1, do Decreto-Lei nº 379/93; VI. As entidades gestoras de sistemas multimunicipais estão incumbidas, essencialmente, da realização das missões de interesse público de: assegurar, de forma regular, contínua e eficiente, o abastecimento de água e a recolha, tratamento e rejeição de efluentes; controlar, sob a fiscalização das entidades competentes, os parâmetros sanitários da água distribuída e dos efluentes tratados, assim como dos meios receptores em que estes são rejeitados.

  4. As actividades de abastecimento público de água às populações e de saneamento de águas residuais urbanas constituem serviços públicos de carácter estrutural, essenciais ao bem-estar geral, à saúde pública e à segurança colectiva das populações, às actividades económicas e à protecção do ambiente.

  5. Na medida em que a Autora é uma entidade encarregada da gestão de serviços públicos, uma vez que desempenha actividades que têm por fim a satisfação de necessidades colectivas, os interesses em presença são públicos.

  6. E as questões em discussão não consistem em saber apenas qual a relevância que deve ser conferida, para efeitos do disposto no art. 279º do CPC/272º, nº 1 do NCPC, à propositura de uma acção administrativa comum de nulidade do contrato de concessão pelo Réu e outros municípios contra a Águas do Zêzere e Côa, cujo contrato de concessão, que é objecto da acção nº 450/11.7 BECTB, foi extinto pelo novo quadro legal instituído pelo DL nº 94/2015, de 29 de Maio, que não foi tido em consideração pelo acórdão recorrido.

  7. Consistem, ainda, na análise do edifício jurídico complexo do quadro legal das concessões para a exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes, bem como os projectados efeitos de nulidade e do regime especial de restituição de tudo o que tiver sido prestado - art. 289º, nº 1 do C. Civil -, em contratos de execução continuada, que pode colocar-se em termos problemáticos semelhantes noutros casos, o que justifica que se considere questão de importância fundamental pela sua relevância jurídica.

  8. Na realidade, o Venerando STA decidiu, no processo nº 0483/16, que “É de admitir revista se está em discussão o regime jurídico aplicável o contrato de concessão celebrado entre Estado Português e A…………. SA respeitante a exploração e gestão do sistema de abastecimento de água e saneamento”.

  9. O presente insere-se numa situação em que o legislador decidiu regular o regime de exploração e gestão do sistema multimunicipal de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes, tendo, para o efeito, instituído um sistema multimunicipal para o mesmo, decidiu que o Réu passaria a integrar esse sistema, conferiu exclusividade à Autora e fixou as cláusulas contratuais que se encontram nos respectivos diplomas legais, sendo o tarifário administrativamente fixado, pelo que, no caso concreto, está em discussão o referido regime jurídico que a eventual procedência da acção 450/11.7 BECTB não faz ruir.

  10. Por outro lado, o Tribunal Recorrido atira a Autora para um longo processo de espera, que, repare-se, a presente acção iniciou-se em 2010 e a pretensa causa prejudicial em 2011, cujo recurso pendente nessa lide versa sobre a bondade do despacho que julgou o TAF de Castelo Branco incompetente em razão da jurisdição para conhecer desses autos, ou seja, ainda não existe uma decisão de mérito, o que não deixa de constituir um entrave à concretização do direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 20º da CRP e, concretizado, no contencioso administrativo, no art. 268º, nº 4 da Constituição, pelo que as questões em apreço assumem uma elevada importância jurídica e social.

  11. Para além de juridicamente complexas, as questões sub judice são, como decorre da sua mera indicação, de importância fundamental pela sua relevância social pelo elevado valor dos fornecimentos efectuados, cujo valor da acção corresponde a 1.202.018,70€, e por estar em causa a prestação do serviço público de abastecimento de água às populações e a recolha de águas residuais, inserindo-se o presente recurso numa situação litigiosa que se desenrola em várias acções interpostas pela ora Autora contra os Municípios que integram o Sistema multimunicipal, com vista a cobrar os serviços de abastecimento de água e de saneamento que lhes presta, cujo montante global ascendia, em final de 2016, a cerca de 86 milhões de euros, questão que continuará, face à decisão do acórdão recorrido, a ser invocada pelos Municípios, pelo que existe a possibilidade de expansão da controvérsia atenta a litigiosidade existente entre a Autora e tais Municípios, daí que seja necessária a intervenção do órgão de cúpula para que a decisão seja susceptível de servir de paradigma de solução de casos futuros.

  12. Além de que está em causa a prestação do serviço público de abastecimento de água às populações e a recolha de águas residuais, que a suspensão das acções de pagamento de tais serviços interpostas pela Autora pode colocar em crise, com o bloqueio da actividade da empresa concessionária, vertente olvidada pelo acórdão recorrido.

  13. Aliás, no processo nº 0295/15, em que são partes a Autora e um Município que integra o referido Sistema, o STA decidiu admitir a revista por se estar “(…) perante uma questão decidida em sentidos opostos pelas instâncias [o que sucede igualmente no presente caso]. Questão esta que é juridicamente relevante, considerando a complexidade do bloco normativo aplicável à contratação pública no âmbito dos serviços de abastecimento público de água e de saneamento de águas residuais, que tem vindo...

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