Acórdão nº 0118/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 31 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GON
Data da Resolução31 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1.

A Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que, julgando parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A………., com os demais sinais dos autos, anulou a liquidação de IRS nº 20085003890458, relativa ao ano de 2004, na parte em que aquela engloba um valor de rendimento de categoria B superior a 588.659,00 Euros.

1.2.

Termina as alegações formulando as Conclusões seguintes:

  1. A douta sentença, ora recorrida, incorreu em vício de erro de julgamento, por violação de lei, designadamente, por violação dos arts. 3º, nº 6 e 22º do CIRS e por desrespeito do princípio constitucional da não retroactividade da lei fiscal, previsto no art. 103º, nº 3 da CRP e art. 12º da LGT. Acresce ainda que a douta decisão faz uma incorrecta interpretação da lei fiscal e da matéria que considera como provada.

  2. Dispõe o nº 6 do art. do CIRS que os rendimentos referidos neste artigo ficam sujeitos a tributação desde o momento em que para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão da factura ou documento equivalente ou, não sendo obrigatória a sua emissão, desde o momento do pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 18º do Código do IRC, sempre que o rendimento seja determinado com base na contabilidade.

  3. A decisão, ora recorrida, confunde o facto tributário (facto gerador do rendimento) com o momento a partir do qual o rendimento é colocado à disposição do contribuinte. Ora, uma coisa é o facto tributário, que, no caso, é a contraprestação da transmissão onerosa do estabelecimento comercial, designado Farmácia ……….; outra coisa, totalmente distinta, é o princípio da disponibilidade do rendimento, previsto no citado nº 6 do art. 3º do CIRS, nos termos do qual só haverá tributação desde o momento do pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares.

  4. O pagamento não constitui um facto tributário, é apenas uma condicionante para a exigibilidade do imposto. Para efeitos de qualificação do rendimento e subsunção do mesmo às normas aplicáveis, é o momento de verificação do facto tributário que deve relevar para a fixação da lei fiscal material aplicável, o que leva a que, no caso vertente, tenha de ser aplicado o regime legal constante do art. 3º, n.ºs 1 e 6 do CIRS na redacção em vigor para o exercício de 2004.

  5. A aplicação da lei inclui não só o facto tributário, como também todos os efeitos dela decorrentes, ou seja, a mesma lei fiscal deverá fixar o tratamento fiscal de todos os rendimentos que tenham fonte no contrato de trespasse, celebrado em 10/11/2004 e referido na alínea a) do probatório, independentemente do momento em que são recebidos.

  6. A entender-se de outro modo, como parece fazer a douta sentença ora recorrida, i.e., a considerar-se que os montantes recebidos em data posterior, em prestações mensais e sucessivas de 5.000 euros cada [( ) Pagas alternadamente à ora impugnante e ex-marido B……….

    ] pagamento esse que se prolongaria por 86 meses (cerca de 7 anos), teríamos que atender à lei em vigor nesses mesmos exercícios posteriores, interpretação que não é consentânea com o princípio da não retroactividade da lei fiscal.

  7. O facto tributário, entendido como uma situação concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto, ocorreu em 2004, com a transmissão do estabelecimento comercial de farmácia (trespasse) e a assunção das respectivas quer por parte dos trespassantes (entrega do estabelecimento, o que comummente se reconduz à entrega da chave) e outros activos que se estipularam transmitir, quer por parte dos trespassários ou adquirentes (pagamento do preço).

  8. O facto tributário, sub judice, é de formação automática e não de formação sucessiva, como sucede numa relação jurídica laboral, com o pagamento de salários ou como, porventura, sucederá, com o arrendamento, com o recebimento das rendas.

  9. Pelo que tributar rendimentos, ainda que recebidos posteriormente, pelo seu titular, segundo regras de tributação eventualmente diferentes das que estavam em vigor aquando da formação do facto tributário, salvo melhor opinião, é estar a permitir-se a aplicação de uma lei fiscal material nova a um facto tributário totalmente verificado no âmbito da lei fiscal material anterior, o que constitui uma situação de retroactividade frontal, patente e inequívoca de uma norma de direito fiscal material, violadora do princípio da segurança e do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal (cfr. art. 103º, nº 3 da CRP e 12º da LGT).

  10. A sentença recorrida incorre num erro de julgamento no que concerne ao conceito de disponibilidade dos rendimentos. Contende, de forma flagrante, com a matéria dada como provada. No probatório [alínea b)], consta que foi emitida uma declaração que instituía os mandatários da aqui impugnante e do ex-marido como fiéis depositários dos cheques correspondentes às prestações, supra referidas.

  11. Portanto, parece incontornável que os meios de pagamento foram, de imediato - em 11.11.2004, dia posterior à celebração do contrato de trespasse - colocados à disposição dos titulares dos rendimentos.

  12. É entendimento da Fazenda Pública que a colocação à disposição corresponde ao poder de facto do titular de receber a quantia em causa, dentro das cláusulas acordadas no contrato de trespasse. O facto de os cheques serem entregues aos mandatários dos trespassantes (representantes dos mesmos) integra o conceito relativamente indeterminado de “colocação à disposição”, a que se reportam diversas disposições do código do IRS, designadamente o já mencionado art. 3º, nº 6.

  13. Conforme se pode alcançar da leitura do contrato de trespasse e reproduzido no probatório [Alínea a)], as condições da transmissão e do pagamento estão perfeitamente definidas, não se encontra prevista qualquer condição resolutiva ou de outra natureza, pelo que, nos termos do contrato, não existia qualquer possibilidade de as partes se eximirem ao cumprimento dos deveres e obrigações a que estavam vinculados, maxime, a obrigação de pagamento do preço, conforme estipulado.

  14. A douta sentença confunde o critério económico, princípio da tributação, com o critério financeiro ou de efectivo recebimento o que está em flagrante contradição com os princípios em que assenta o sistema fiscal e toda a arquitectura dos impostos do ordenamento jurídico português.

    Termina pedindo a revogação da decisão recorrida.

    1.3.

    Contra-alegou a recorrida A……….. tendo, a final, formulado as Conclusões seguintes: 19 - Devem os autos baixar ao tribunal a quo, para se efectuar a devida prova testemunhal, cf. Art. 115º e 118º, ambos do CPPT e Art. 392º do C. Civil.

    20 - Caso assim não se decida, devem os autos manter a decisão, na parte recorrida pela Fazenda Nacional; 21 - Por o tribunal a quo ter feita a interpretação devida sobre o valor a tributar, em 2004, com base no Art. 3º, nº 6 do CIRS.

    Termina pedindo que a decisão recorrida seja mantida, com efeitos na anulação da liquidação recorrida.

    1.4.

    Tendo o recurso sido interposto para o TCA Sul, ali veio a ser proferida em 29/11/2016 a decisão de fls. 332/353, declarando a incompetência desse tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso e atribuindo tal competência ao STA, por o recurso versar exclusivamente matéria de direito.

    1.5.

    Remetidos os autos a este STA, foram com vista ao MP, que emite Parecer nos termos seguintes: «1. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 294 e seguintes do TAF de Castelo Branco, que julgou parcialmente procedente a ação de impugnação judicial intentada contra a liquidação de IRS relativa ao ano de 2004, no valor de € 230.662,45 euros.

    Considera a Recorrente que a sentença padece do vício de erro de julgamento, por ter feito uma errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 3º, nº 6 e 22º do CIRS, e por violação do princípio constitucional da não retroatividade consagrado no art. 103º, nº 3, da Constituição, e art. 12º da LGT.

    Entende a Recorrente que «para efeitos e qualificação do rendimento e subsunção do mesmo às normas aplicáveis é o momento de verificação do facto tributário que deve relevar para a fixação da lei fiscal material aplicável o que leva a que, no caso vertente, tenha de ser aplicado o regime legal constante do art. 3º, n.ºs 1 e 6 do CIRS, na redação em vigor para o exercício de 2004».

    Acrescenta ainda a Recorrente que «... tributar rendimentos, ainda que recebidos posteriormente, segundo regras de tributação eventualmente diferentes das que estavam em vigor, aquando da formação do facto tributário, salvo melhor opinião, é estar a permitir-se a aplicação de uma lei fiscal material nova a um facto tributário totalmente verificado no âmbito da lei fiscal material anterior, o que constitui uma situação de retroatividade frontal, patente e inequívoca de uma norma de direito fiscal...

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