Acórdão nº 0595/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução12 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1.

    ÁGUAS DE LISBOA E VALE DO TEJO S.A. interpõe recurso de revista do acórdão de 15/12/016 proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que anulou o processado verificado na 1ª instância desde a sentença (sentença que condenou o Réu Município no pagamento dos serviços de água e de saneamento, recolha e tratamento de efluentes prestados pela Autora no valor de 535 491,28 €, acrescida da quantia de 248 895,87 €, a título de juros moratórios vencidos, e ainda no pagamento de juros moratórios vincendos) e suspendeu a instância até decisão final proferida no processo nº 450/11.7BECT.

    Para tanto conclui as alegações da seguinte forma: "I. No caso concreto, a Autora não se conforma com a decisão do TCA Sul que decidiu suspender a instância e anular o processado verificado na 1ª instância desde a sentença, que condenou o Réu Município no pagamento dos serviços de água e de saneamento, recolha e tratamento de efluentes prestados pela Autora no valor de 535 491,28 €, acrescida da quantia de 248 895,87 €, a título de juros moratórios vencidos, e ainda no pagamento de juros moratórios vincendos.

  2. Diz o acórdão recorrido que a pretensão da Autora assenta num edifício jurídico uno complexo, onde pontifica, por esta ordem, o seguinte: (i) DL 379/93, (ii) DL 319/94, (iii) DL 162/96, (iv) DL 121/2000, (v) contrato de concessão e (vi) contrato entre as partes deste processo.

  3. O Decreto-Lei n.º 121/2000, de 4 de Julho, criou o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Alto Zêzere e Côa para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes dos municípios nele mencionados (Cfr. art.º 1.º), constituiu a sociedade Águas do Zêzere e Côa, S.A., da qual era accionista o aqui Réu (cfr. arts. 3.º e 5.º, n.º 1), aprovou os respectivos estatutos (cfr. art.º 4.º, n.º 1) que publicou em anexo e adjudicou-lhe o exclusivo da exploração e gestão do sistema, em regime de concessão, pelo período de trinta anos (cfr. art. 6.º, n.º 1).

  4. A gestão de tais sistemas ficou subordinada aos princípios da prossecução do interesse público, do carácter integrado dos sistemas, da eficiência e da prevalência da gestão empresarial – artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 379/93; V. A criação dos sistemas multimunicipais teve por objectivo garantir a qualidade e continuidade dos serviços públicos de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos – artigo 4.º-A. n.º 1, do Decreto-Lei n.º 379/93; VI. As entidades gestoras de sistemas multimunicipais estão incumbidas, essencialmente, da realização das missões de interesse público de: assegurar, de forma regular, contínua e eficiente, o abastecimento de água e a recolha, tratamento e rejeição de efluentes; controlar, sob a fiscalização das entidades competentes, os parâmetros sanitários da água distribuída e dos efluentes tratados, assim como dos meios receptores em que estes são rejeitados.

  5. As actividades de abastecimento público de água às populações e de saneamento de águas residuais urbanas constituem serviços públicos de carácter estrutural, essenciais ao bem-estar geral, à saúde pública e à segurança colectiva das populações, às actividades económicas e à protecção do ambiente.

  6. Na medida em que a Autora é uma entidade encarregada da gestão de serviços públicos, uma vez que desempenha actividades que têm por fim a satisfação de necessidades colectivas, os interesses em presença são públicos.

  7. E as questões em discussão não consistem em saber apenas qual a relevância que deve ser conferida, para efeitos do disposto no art. 279º do CPC/272º, nº 1, do NCPC, à propositura de uma acção administrativa comum de nulidade do contrato de concessão pelo Réu e outros municípios contra a Águas do Zêzere e Côa, cujo contrato de concessão, que é objecto da acção nº 450/11.7 BECTB, foi extinto pelo novo quadro legal instituído pelo D.L. nº 94/2015, de 29 de Maio, que não foi tido em consideração pelo acórdão recorrido.

  8. Consistem, ainda, na análise do edifício jurídico complexo do quadro legal das concessões para a exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes, bem como os projectados efeitos de nulidade e do regime especial de restituição de tudo o que tiver sido prestado – art. 289º, nº 1 do C. Civil -, em contratos de execução continuada, que pode colocar-se em termos problemáticos semelhantes noutros casos, o que justifica que se considere questão de importância fundamental pela sua relevância jurídica.

  9. Na realidade, o Venerando STA decidiu, no processo nº 0483/16, que “É de admitir revista se está em discussão o regime jurídico aplicável o contrato de concessão celebrado entre Estado Português e A……….. SA respeitante a exploração e gestão do sistema de abastecimento de água e saneamento” XII. O presente insere-se numa situação em que o legislador decidiu regular o regime de exploração e gestão do sistema multimunicipal de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes, tendo, para o efeito, instituído um sistema multimunicipal para o mesmo, decidiu que o Réu passaria a integrar esse sistema, conferiu exclusividade à Autora e fixou as cláusulas contratuais se encontram nos respectivos diplomas legais, sendo o tarifário administrativamente fixado, pelo que, no caso concreto está em discussão o referido regime jurídico que a eventual procedência da acção 450/11.7 BECTB não faz ruir.

  10. Por outro lado, o Tribunal Recorrido atira a Autora para um longo processo de espera, que, repare-se, a presente acção iniciou-se em 2010 e a pretensa causa prejudicial, em 2011, cujo recurso pendente nessa lide versa sobre a bondade do despacho que julgou o TAF de Castelo Branco incompetente em razão da jurisdição para conhecer desses autos, ou seja, ainda não existe uma decisão de mérito, o que não deixa de constituir um entrave à concretização do direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 20º da CRP e, concretizado, no contencioso administrativo, no art. 268º, nº 4 da Constituição, pelo que as questões em apreço assumem uma elevada importância jurídica e social.

  11. Para além de juridicamente complexas, as questões sub judice são, como decorre da sua mera indicação, de importância fundamental pela sua relevância social pelo elevado valor dos fornecimentos efectuados, cujo valor da acção corresponde a 557 650,62 €, e por estar em causa a prestação do serviço público de abastecimento de água às populações e a recolha de águas residuais, inserindo-se o presente recurso numa situação litigiosa que se desenrola em várias acções interpostas pela ora Autora contra os Municípios que integram o Sistema multimunicipal, com vista a cobrar os serviços de abastecimento de água e de saneamento que lhes presta, cujo montante global ascendia, em final de 2016, a cerca de 86 milhões de euros, questão que continuará, face à decisão do acórdão recorrido, a ser invocada pelos Municípios, pelo que existe a possibilidade de expansão da controvérsia atenta a litigiosidade existente entre a Autora e tais Municípios, daí que seja necessária a intervenção do órgão de cúpula para que a decisão seja susceptível de servir de paradigma de solução de casos futuros.

  12. Além de que está em causa a prestação do serviço público de abastecimento de água às populações e a recolha de águas residuais, que a suspensão das acções de pagamento de tais serviços interpostas pela Autora pode colocar em crise, com o bloqueio da actividade da empresa concessionária, vertente olvidada pelo acórdão recorrido.

  13. Aliás, no processo nº 0295/15, em que são partes a Autora e um Município que integra o referido Sistema o STA decidiu admitir a revista por se estar “(...) perante uma questão decidida em sentidos opostos pelas instâncias [o que sucede igualmente no presente caso]. Questão esta que é juridicamente relevante, considerando a complexidade do bloco normativo aplicável à contratação pública no âmbito dos serviços de abastecimento público de água e de saneamento de águas residuais, que tem vindo a ser objecto de sucessivas alterações legislativas [o que, do mesmo, sucede no presente caso]. – o sublinhado é nosso-.

  14. Face ao teor do douto Acórdão do TCA Norte, de 17.04.2015, tirado no Proc. nº 01770/13.1 BEPRT, a propósito da suspensão da instância por causa prejudicial, o presente recurso reveste igualmente clara necessidade de admissão para uma melhor aplicação do direito.

  15. Por isso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT