Acórdão nº 062/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução26 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I - RELATÓRIO 1. A……………., S.A. e o MUNICÍPIO DE LISBOA vêm interpor cada um recurso jurisdicional para o STA, ao abrigo do art. 150° do CPTA, do acórdão proferido no TCAS, em 4 de Outubro de 2017, que, confirmou a decisão do TAC de Lisboa, proferida em 20 de Abril de 2017, no âmbito da acção de contencioso pré-contratual – que havia indeferido os pedidos de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no art. 103°-A CPTA, formulados pelos ora recorrentes, respectivamente na qualidade de Contra-interessada e de Réu, na acção movida por B………….., S.A. relativa ao concurso público para a “aquisição de Gás Natural Comprimido (GNC) para os veículos da frota municipal”, – negando provimento aos recursos.

  1. O Recorrente MUNICÍPIO DE LISBOA conclui as suas alegações da seguinte forma: “1 - Da admissibilidade do presente Recurso de Revista – Preenchimento dos pressupostos i) Da Arguição de Nulidade - Para uma melhor aplicação do direito 1. O presente recurso de revista, sendo um recurso ordinário nos termos do n.º 1 do artigo 140º do CPTA, é admissível pelo que o ora Reclamante vem pela presente arguir a nulidade, por omissão de ato ou formalidade nos termos do artigo 195º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, do douto Acórdão recorrido (omissão de ponderação da pronúncia do MP) uma vez que este referiu que “Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, nada disse.”, o que, com o devido respeito, é falso, sendo que a referida questão é de importância fundamental para uma melhor aplicação do direito.

  2. O parecer da Digníssima Magistrada do Ministério Público foi apresentado em defesa dos interesses públicos especialmente relevantes, bem como, dos valores e bens constitucionalmente protegidos, como é o caso, nos presentes autos, da saúde pública, do ambiente e da qualidade de vida.

  3. Não apreciando o Parecer do MP, no caso concreto, o douto Acórdão recorrido, quando previsto expressamente numa disposição legal, está claramente o mesmo a violar lei processual, nos termos do artigo 150°, n.º 2 do CPTA, pelo que deve o presente recurso ser admitido.

    ii) Para apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental e para melhor aplicação do direito.

  4. A apreciação das três questões infra reveste-se de relevância jurídica e social inquestionável, não só pela matéria objeto do presente incidente, uma vez que a decisão a tomar pode ter sérias e incontornáveis consequências para o interesse público ao nível da saúde e higiene pública na cidade de Lisboa, como, por outro lado, se tratar de questões relacionadas com o "novo" regime previsto no contencioso pré-contratual urgente, após as importantes alterações decorrentes da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro.

  5. Acresce que, a matéria em questão não foi ainda abordada pelo STA, como referido em douto Acórdão do STA com o n.º de processo 031/17, de 26 de janeiro de 2017, disponível em www.dgsi.pt.

  6. A primeira questão que se coloca é a de saber se o artigo 103º-A do CPTA deve ser interpretado no sentido de que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação cumulativa de todos os requisitos existentes na norma ou se o critério passa pelo juiz levantar o efeito suspensivo quando ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, públicos e privados, os danos/prejuízos que resultariam com a sua manutenção se mostrem superiores para o interesse público do que para os interesses privados.

  7. A segunda questão que se coloca é saber qual o grau de prova que a entidade demandada e/ou o contrainteressado necessitam de realizar, aquando da alegação que o diferimento do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências claramente lesivas desproporcionadas para os interesses envolvidos, para que o juiz decida pelo levantamento do efeito suspensivo automático.

  8. A terceira questão é a de saber se no incidente de levantamento do efeito suspensivo automático o juiz pode, na decisão a proferir nos termos do artigo 103°-A n.º 3 do CPTA, indeferir requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova requeridos pela entidade demandada e/ou contrainteressados quando o considere claramente desnecessário, sem necessidade de fundamentar expressamente a sua dispensa, nos termos do artigo 90°, n.° 3 do CPTA.

    II – Do Mérito do presente Recurso de Revista II.I - Arguição de Nulidade 9. A consulta ao Ministério Público para, querendo, se pronunciar sobre o mérito do recurso interposto decorre das disposições legais supra referidas como de disposições constitucionais, nos termos do artigo 219° da CRP.

  9. Ao contrário do referido no douto Acórdão do TCA Sul, o Ministério Público pronunciou-se após ter sido notificado nos termos do artigo 146° e 147º do CPTA, em Parecer com data de 6 de junho de 2017 (Doc. 1 ora junto).

  10. A digníssima Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de que deveria ter sido dado provimento ao recurso interposto.

  11. Refere o douto Parecer do Ministério Público que o tribunal a quo analisou incorretamente os factos e interpretou incorretamente o direito aplicável.

  12. A não apreciação e análise do douto Parecer junto aos autos pelo Ministério Público viola disposições legais e constitucionais consagradas, tendo como consequência a nulidade, nos termos do artigo 195° do CPC, por ter sido omitido um ato ou uma formalidade que a lei prescreve e que influi no exame e na decisão da causa.

  13. Nestes termos, é o douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul ora em apreço nulo, o que desde já se invoca, com todas as legais consequências.

    II.II- i) Primeira Questão 15. A primeira questão que levantamos é saber como deverá ser interpretado o regime que resulta do artigo 103°-A para efeitos de levantamento do efeito suspensivo automático.

  14. O douto Acórdão recorrido defende que o levantamento do efeito suspensivo automático, nos termos do artigo 103-A do CPTA, depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: a) Grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.

    1. Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade.

  15. Sustenta o Acórdão recorrido a sua tese na seguinte fundamentação: i) Na jurisprudência, apoiando-se em dois Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, um de 14-07-2016 com o n.º de processo 13444/16 e outro de 24-11-2016, com o n.º de processo 13747/16; ii) Na relação existente entre os requisitos constantes no n.º 2 do artigo 103-A do CPTA com o princípio geral do ónus da prova previsto no artigo 342º do Código Civil; iii) Do espirito de "excecionalidade" que refere retirar-se da Diretiva 2007/66/CE, nomeadamente, dos considerandos 24 e 25.

  16. Em primeiro lugar, cumpre referir que a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul não é unânime, bastando para tal citar o Acórdão referido pelo ora Recorrente nas suas alegações de recurso, com data também de 24-11-2016 e com o n.º de processo 919/16.7BELSB, no qual refere que o critério decisório passa pela ponderação num juízo de prognose de todos os interesses e danos em causa.

  17. Relativamente ao segundo ponto, de referir que a entidade demandada e os contrainteressados, nos termos do artigo 103°-A, n.º 2 do CPTA, têm o ónus de alegar e provar os requisitos aí enunciados, no entanto este dever não pode ser interpretado de forma absoluta, sem estar relacionado com a intenção do legislador e com a racio da norma.

  18. Não nos parece crível que a intenção do legislador fosse criar um regime tão severo para a entidade demandada, a aplicar, segundo a tese defendida, independentemente da relevância, consistência e do interesse invocado pelo impugnante.

  19. Não nos podemos esquecer que é sobre a entidade demandada que recai, na sua atividade, o respeito pela prossecução do interesse público, pelo que atender a este tipo de argumentação é proceder a uma alteração total de paradigma, o que não podemos nem acreditar nem aceitar.

  20. Por fim, relativamente ao alegado espirito de "excecionalidade" da Diretiva 2007/66/CE, diga-se que, salvo o devido respeito, não é esse o espirito que se retira dos considerandos 22 e 24, nem a matéria abordada está relacionada com a questão ora em análise no Acórdão recorrido.

  21. Os considerandos 22 e 24 decorrem do fim estabelecido no considerando 18 que tem como objetivo evitar a violação das exigências estabelecidas com a suspensão automática e não com os requisitos necessários para o seu levantamento.

    - Posição defendida: 24. Como referimos o juiz não se decide pelo levantamento do efeito suspensivo automático apenas no caso de verificar preenchidos cumulativamente os requisitos do artigo 103°-A do CPTA.

  22. Uma interpretação nestes moldes é violadora de lei substantiva.

  23. Caso fosse este o critério optado pelo legislador, imagine-se uma situação em que depois de o juiz ter verificado a existência de um grave prejuízo para o interesse público ainda assim este viesse a optar pela decisão de não levantar o efeito suspensivo automático.

  24. Que interesse é que o impugnante poderia invocar que se sobrepusesse aos graves prejuízos para o interesse público.

  25. O critério para a resolução do incidente está fixado na parte final do n.° 2 do artigo 103°-A do CPTA e no n.º 4, passando a resolução do levantamento do efeito suspensivo automático sempre pela ponderação dos interesses envolvidos.

  26. Não sendo unânime, muita jurisprudência e doutrina vai neste sentido, sendo maioritária na doutrina a tese contrária ao critério optado pelo douto Acórdão recorrido.

  27. António Cadilha (in CJA, n.º 119. Set-Out 2016, página 12), diz de forma particularmente feliz, que a norma...

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