Acórdão nº 01368/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução14 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

A…………, LDA.”, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé [«TAF/L»] a presente execução da sentença proferida no processo n.º 535/09.0BELLE contra “MUNICÍPIO DE SILVES”, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial, a emissão de “sentença que produza os efeitos do ato ilegalmente omitido pela entidade executada, ao abrigo do artigo 167.º, n.º 6 do CPTA, declarando a manutenção em vigor da autorização de exploração de um circuito turístico em minicomboio em Armação de Pera, concedido à … Exequente em 21 de janeiro 2004”, bem como a declaração de “nulidade do ato administrativo consubstanciado na deliberação da Câmara Municipal de Silves, de 04 de janeiro de 2012, por desconformidade com a sentença, ao abrigo do artigo 158.º, n.º 2 do CPTA”.

1.2.

O «TAF/L» veio a prolatar decisão, datada de 15.10.2012, julgando a ação improcedente e, em consequência, indeferiu o pedido [cfr. fls. 62/90].

1.3.

A Exequente, inconformada, recorreu para o TCA Sul o qual, por acórdão de 10.07.2014, concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e, em consequência, condenou o executado i) “à prática de ato que produza os efeitos do ato ilegalmente omitido, ao abrigo do artigo 167.º, n.º 6 do CPTA, declarando a manutenção em vigor da autorização de exploração de um circuito turístico em minicomboio em Armação de Pêra, concedida à recorrente em 21 de janeiro de 2004”, e ii) “a declarar a nulidade do ato administrativo consubstanciado na deliberação da Câmara Municipal de Silves de 4 de janeiro de 2012, por desconformidade com a sentença proferida em 25 de outubro de 2011, ao abrigo do artigo 158.º, n.º 2 do CPTA” [cfr. fls. 139/150].

1.4.

Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o Executado, ora inconformado com o acórdão proferido pelo TCA Sul, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 162 e segs.

], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz: “...

  1. A Recorrida intentou no TAF de Loulé ação administrativa especial tendo em vista a anulação da deliberação da Câmara Municipal de Silves, de 25/02/2009, que cancelou a autorização que lhe tinha sido concedida em 21/01/2004 para explorar um comboio turístico em Armação de Pêra.

  2. A referida ação foi julgada procedente, por sentença de 25/10/2011, e o Município de Silves condenado à prática do ato legalmente devido, «que consiste na reposição da situação jurídica anterior que a Autora detinha à data da prolação do ato impugnado».

  3. Em 04/01/2012, a Câmara Municipal de Silves, em cumprimento da referida sentença, emitiu ao abrigo de poderes discricionários uma deliberação camarária, desta vez devidamente fundamentada de facto e de direito, a cancelar a referida autorização.

  4. Em 13/04/2012, a Recorrida instaurou no TAF de Loulé ação para execução da referida sentença judicial, tendo o TAF de Loulé negado provimento à referida ação judicial, por sentença de 15/10/2012.

  5. Inconformada com a referida sentença judicial, a Recorrida interpôs recurso para o TCA Sul.

  6. O presente recurso vem interposto do acórdão do TCA Sul, o qual revogou a sentença do TAF de Loulé de 15/10/2012 e condenou o Recorrente a manter em vigor a autorização de exploração de um circuito turístico em minicomboio em Armação de Pêra, concedido em 21/01/2004, e a declarar a nulidade da deliberação da Câmara Municipal de Silves, de 04/01/2012, a qual, devidamente fundamentada de facto e de direito, cancelou a referida autorização.

  7. Sobre esta matéria, quer o TCA Sul, em acórdão lavrado em 20/09/2012, no processo n.º 09091/12, quer o TAF de Loulé, em acórdão lavrado em 26/06/2013, no processo n.º 256/12.6BELLE, tiveram entendimentos contrários ao acórdão ora sob recurso, o primeiro ao confirmar a decisão do TAF de Loulé de não decretar a suspensão da eficácia da referida deliberação de 04/01/2012; o segundo, ao negar provimento ao pedido de declaração de nulidade da mesma deliberação camarária de 04/01/2012.

  8. A admissão do presente recurso de revista é, pois, indispensável para que as instâncias façam uma melhor e mais pacífica aplicação do direito constituído.

  9. Importa, também, esclarecer se os Tribunais têm, no domínio da discricionariedade da Administração Pública, poderes para se substituírem a ela, vinculando-a a manter por tempo indeterminado a circulação de comboios turísticos, independentemente das circunstâncias e vicissitudes supervenientes e não obstante a lei impor que as referidas licenças e autorizações sejam temporárias, nos termos do Decreto-Lei n.º 259/2000, de 13/10.

  10. Esta é uma questão relevante em termos jurídicos.

  11. Importa igualmente esclarecer se, através de uma decisão judicial, uma autorização camarária, precária por força da lei, pode transformar-se numa autorização permanente e ad aeternum.

  12. Esta é uma questão de notória e elevada relevância social.

  13. A efetiva garantia do regular funcionamento do Estado de Direito Democrático, traduzida no respeito integral do princípio constitucional da separação e interdependência de poderes, revela que as questões jurídicas e sociais destes autos são de importância fundamental.

  14. Estão, pois, reunidos os pressupostos legais para que este recurso de revista seja admitido.

  15. A anulação da deliberação camarária de 25/02/2009 não impede o Recorrente de praticar um novo ato administrativo, fundamentado de facto e de direito, o qual, embora mantenha o sentido da decisão do primitivo ato, representa a execução da sentença judicial do TAF de Loulé, de 25/10/2011.

  16. O mesmo TAF de Loulé, por acórdão de 26/06/2013, é do entendimento que o ora Recorrente, ao praticar um novo ato em 04/01/2012, não violou o caso julgado que emerge da sentença de 25/10/2011.

  17. Trata-se, neste caso, de uma interpretação autêntica de todo o teor da sentença de 25/10/2011, do mesmo TAF de Loulé.

  18. A condenação do ora Recorrente na referida sentença judicial de 25/10/2011 à prática do ato legalmente devido mais não é do que a consequência do efeito repristinatório decorrente da anulação do referido ato administrativo de 25/02/2009.

  19. O limite objetivo do caso julgado das decisões anulatórias de atos administrativos, seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, determina-se pelo vício que fundamenta a decisão (acórdão do STA de 23/10/2012, processo n.º 0262/12).

  20. Porque se trata, neste caso, de um vício de legalidade externa (falta de fundamentação), ao contrário do que é entendido no acórdão sob recurso, o princípio do respeito pelo caso julgado não impede a substituição do ato anulado por outro idêntico, devidamente fundamentado de facto e de direito (ibidem).

  21. Por outras palavras, o respeito pelo caso julgado não obsta a que o Recorrente retome a decisão anterior, expurgando-a do vício de falta de fundamentação que a inquinava e que determinou a sua anulação.

  22. Neste caso, o vício determinante da anulação judicial do ato de 25/02/2009 foi um vício de forma (falta de fundamentação).

  23. Podia, pois, o ora Recorrente renovar o ato, observando o formalismo em falta, assim cumprindo a sentença judicial do TAF de Loulé de 25/10/2011.

  24. O acórdão recorrido, ao condenar o Recorrente a manter em vigor a autorização de exploração de um circuito turístico em minicomboio em Armação Pêra e ao condenar o Recorrente a declarar a nulidade do ato administrativo de 04/01/2012, está a fazer uma errada interpretação e aplicação das normas dos artigos 167.º, n.º 6, e 158.º, n.º 2, ambos do CPTA.

  25. Acresce tratar-se, neste caso, de matéria do domínio da discricionariedade, facto este, aliás, referido quer na sentença exequenda, quer no acórdão do TAF de Loulé, de 26/06/2013, proferido no processo n.º 256/12.6BELLE.

  26. O acórdão sob recurso, ao condenar o ora Recorrente a manter em vigor a autorização de exploração do circuito turístico em comboio destes autos e a condenar o ora Recorrente a declarar a nulidade da deliberação de 04/01/2012, viola o princípio da separação e interdependência de poderes, consagrado no artigo 2.º da CRP e no artigo 3.º, n.º 1, do CPTA …”.

    Termina pugnando pelo provimento do recurso com revogação do acórdão recorrido e substituição por outro que julgue “válido e eficaz o ato administrativo consubstanciado na deliberação da Câmara Municipal de Silves, de 4 de janeiro de 2012, por conformidade com a sentença judicial proferida no dia 25 de outubro de 2011, no processo n.º 535/09.0BELLE, com as legais consequências”.

    1.5.

    A Exequente, aqui ora recorrida, notificada veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 264 e segs.

    ] formulando o seguinte quadro conclusivo que, igualmente, se reproduz: “… “1.ª As questões que o Recorrente pretende submeter a revista são inidóneas a preencher o conceito de importância fundamental, pela sua relevância jurídica, necessário à admissibilidade do presente recurso, desde logo porquanto as mesmas nunca foram submetidas à apreciação do douto Tribunal a quo.

  27. De facto, nunca o Tribunal a quo se pronunciou contra a possibilidade de renovação de um ato declarado nulo com base num vício formal, expurgado do vício anteriormente identificado, tendo apenas constatado que essa possibilidade nunca ocorreria no caso concreto, porquanto o vício determinante da nulidade de tal ato não foi um vício de legalidade externa, mas sim um vício de violação de lei.

  28. Por outro lado, independentemente da eventual relevância jurídica da questão de saber se o Tribunal teria o poder de se substituir à discricionariedade administrativa, vinculando a Administração a adotar uma determinada decisão, a verdade é que também esta questão não foi, em momento algum, objeto de julgamento no âmbito do aresto recorrido, afigurando-se, nessa medida, totalmente inoportuna a sua chamada à colação nos presentes autos.

  29. Razão pela qual se assume como forçoso concluir...

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