Acórdão nº 0535/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelARAG
Data da Resolução14 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) ex vi do art. 25.º n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal da decisão arbitral proferida em 29 de Março de 2016 no processo n.º 566/2015-T CAAD, por alegada contradição com o decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19 de Março de 2015, proferido no recurso n.º 08300/14, transitado em julgado.

A recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões: A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

  1. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

  2. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a seguinte factualidade: i. O objecto social da Requerente consiste no financiamento de aquisições a crédito de bens de consumo e equipamentos (locação financeira e crédito), bem como na actividade de Aluguer de Longa Duração (ALD) de veículos automóveis sem condutor, de motociclos e de barcos.

    ii. No âmbito da actividade que desenvolve, a Requerente celebra com os seus clientes contratos de aluguer de longa duração e contratos de locação financeira, em cujo termo o veículo é transmitido ao locatário, cujo objecto são viaturas automóveis e, bem assim, contratos de mútuo para aquisição de viaturas automóveis nos quais é estabelecida a seu favor uma cláusula de reserva de propriedade.

    iii. (...) As liquidações ora em causa respeitam a imposto cujo facto tributário se verificou, em momento em que a Requerente já havia procedido à venda do veículo (vd. Quadro n.º 3 e Docs. n.º 71 a 288); (...) Como se verá melhor à frente, foi aí decidido: - Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, dos actos de liquidação de IUC supra identificados - com excepção dos actos de liquidação relativos ao veículo de matrícula ……….. - e, correspondentemente, o reembolso das importâncias indevidamente pagas.

  3. Por seu turno, subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se a seguinte factualidade: «-A firma impugnante é uma sociedade que tem por objecto o aluguer de veículos automóveis, no âmbito da qual celebrou vários contratos de aluguer com os respectivos locatários, tendo estes últimos adquirido as viaturas ao abrigo do direito de opção de compra, no termo final dos respectivos contratos; -As viaturas em causa encontravam-se registadas no registo automóvel, à data do respectivo aniversário da data de matrícula relativo ao ano de 2008, em nome da impugnante; - Foi efectuada a liquidação oficiosa do imposto pelos serviços competentes da DGI por falta de liquidação do mesmo por parte do s.p., da qual foi deduzida reclamação graciosa que mereceu decisão de indeferimento de 28/02/2013, com fundamento na informação dimanada dos serviços, tudo conforme consta de fls.20 e 21 do processo de reclamação graciosa apenso (cfr. relação dos actos tributários relativos ao ano de 2008 constante de fls.14 e 15 do processo de reclamação graciosa apenso); - Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: " ... A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório ... ", -A impugnante, “…., L.da. ", é uma sociedade que tem por objecto o aluguer de veículos automóveis e a prestação de serviços conexos; -A impugnante emitiu facturas relativas à venda dos veículos a que dizem respeito as liquidações de I.U.C. impugnadas; - Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos identificados na factualidade aditada e na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte da impugnante/recorrida, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr.artº. 361, do CCivil).» - Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a impugnação no que diz respeito às liquidações de I.U.C, com excepção das relativas a viaturas sinistradas e furtadas.

  4. Como mais à frente veremos, dessa decisão recorreu a Fazenda Pública para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCA), que decidiu conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar totalmente improcedente a impugnação deduzida; F. Demonstra-se, assim, que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

  5. Além daquela identidade, para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.

  6. Ora, estava em causa aferir se a documentação apresentada pela Requerente, ora Recorrida, se mostrava apta a ilidir a presunção decorrente da norma do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, i.e., se as facturas apresentadas pela Recorrida eram suficientes para ilidir a presunção estabelecida no citado preceito legal.

    I. No caso aqui em análise, julgou aquele Tribunal arbitral que a ilisão da presunção foi realizada quanto aos veículos constantes do Quadro n.º 3 da p.i. (vd. Docs. 71 a 288 apensos aos autos), visto que, ao contrário do que alega a AT, as facturas apresentadas pela Requerente são suficientes para ilidir a presunção estabelecida no artigo 3.º do CIUC.

  7. É contra este segmento decisório (força probatório das facturas apresentadas) que apresentamos o presente recurso, pois o entendimento perfilhado é oposto ao arrogado no TCA SUL, no âmbito do processo n. º 08300/14.

  8. Tendo, a decisão ora recorrida incorrido em erro de julgamento de direito incidente sobre a norma constante do art. 3º, do C.I.U.C.

    L. Como se verá a seguir, tanto no acórdão recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respetivas decisões situa-se em igual plano.

  9. Isso, pois que estava aí em causa saber se o tribunal a quo havia decidido bem ao considerar que as facturas, por si só, são aptas a comprovar a transmissão da propriedade dos veículos, e consequentemente a celebração do contrato de compra e venda dos mesmos, e assim eximir o sujeito passivo, da responsabilidade de pagamento do imposto (IUC), face ao art. 3.º do CIUC.

  10. Em ambos os casos, os ora recorrentes, colocam em causa os documentos de facturação aos clientes.

  11. Sendo que, quanto à presunção legal que consagra o art. 3.º n.º 1 do CIUC, considerou o TCA: «( ... ) O examinado artº.3, nº 1, do C.I.U.C., consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artº.73, da L.G. T., tudo conforme já mencionado supra.

  12. Nesta situação, a ilisão da presunção obedece à regra constante do artº. 347, do C.Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. O que significa que não basta à parte contrária opor a mera contraprova - a qual se destina a lançar dúvida sobre os factos (cfr. artº. 346, do C.Civil) que torne os factos presumidos duvidosos. Pelo contrário, ela tem de mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais. Recorde-se que as presunções legais são provas legais ou vinculadas, que não dependem da livre apreciação do Tribunal. Pelo contrário, a sua força probatória, legalmente tabelada, proporciona ao juiz uma verdade formal (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.215 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 500 e seg.).

  13. Assim, no caso dos autos, o que a sociedade recorrida tinha de provar, a fim de ilidir a presunção que decorre do art. 3º, nº 1, do C.I.U.C., é que ela não era proprietária dos veículos em causa no período a que dizem respeito as liquidações impugnadas. Para provar que ocorreram tais transmissões de propriedade através de contratos de compra e venda, a impugnante e ora recorrida apresenta (cfr. nºs.6 e 7 do probatório) facturas relativas à venda dos veículos em causa.» R. Aqui chegados, é então de salientar que, enquanto no Acórdão Fundamento se entendeu que «Tanto a factura como a nota de débito constituem documentos contabilísticos elaborados no seio da empresa e que se destinam ao exterior. A factura deve visualizar-se como o documento contabilístico através do qual o vendedor envia ao comprador as condições gerais da transacção realizada. Por sua vez, a nota de débito consiste no documento em que o emitente comunica ao destinatário que este lhe deve determinado montante pecuniário. Ambos os documentos surgem na fase de liquidação da importância a pagar pelo comprador, assim não...

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