Acórdão nº 0859/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I. RELATÓRIO 1.1. O Município de Lisboa vem mover uma acção administrativa especial contra o Conselho de Ministros e contra-interessados (A…………, S.A. (A…………), B…………, S.A., C…………, SGPS,S.A., D…………, S.A.. os Municípios de Loures, Amadora, Odivelas, Vila Franca de Xira, e a Associação de Fins Específicos ……, bem como os concorrentes à privatização da A…………: Agrupamento constituído pelas empresas ……… e ………, Holdings Limited.; ………, S.A., Agrupamento constituído pelas empresas ……… S.A. e ………, ………, S.A., ……… NV, Agrupamento constituído pelas empresas ………, S.A. e ………, S.A. e Agrupamento constituído pelas empresas ………, S.A., ………, SGPS, S.A., e ………, S.A.), pedindo a anulação dos atos administrativos constantes do D.L. nº 45/2014, de 20 de Março, que aprovou o processo de reprivatização da A............, assim como os constantes da Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de Abril que procedeu à alteração dos estatutos das empresas gestoras de sistemas multimunicipais de resíduos.

1.2. O Município de Odivelas, citado na qualidade de contra-interessado, veio requerer a sua intervenção espontânea, invocando o art. 311º e seg.s do CPC, e assim aderindo ao articulado do A., Município de Lisboa (fls. 292).

1.3. O Conselho de Ministros apresentou a sua Contestação, fls. 298/369, considerando que os vícios invocados pelo A. devem ser julgados improcedentes.

1.4. C…………, S.A., B…………, S.A., A…………, S.A. e D…………, S.A., na qualidade de contrainteressadas, apresentaram a sua Contestação a fls 485 e seguintes, pugnando pela improcedência da ação.

1.5. Na sequência do requerimento de fls 523/524 e 529/529V foi deferido o pedido de prosseguimento dos autos contra os demais demandados com exceção dos aí referidos.

1.6. Após notificação para os efeitos do art.87º do CPTA foi proferido despacho saneador que julgou a jurisdição administrativa incompetente, em razão da matéria, para conhecer dos atos contidos no D.L. n.º 45/2014 absolvendo-se, nesse âmbito, os RR da instância tendo no mesmo despacho sido declarado o Tribunal competente para a apreciação e julgamento da presente ação quanto à anulação dos atos contidos na Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014.

1.7. Convidadas as partes a produzir as suas alegações, em conformidade com o art. 91º, nº4, CPTA o Município de Lisboa apresentou alegações, que conclui da seguinte forma: “I - O Governo de Portugal tendo como um dos seus grandes objetivos a reorganização do setor dos resíduos urbanos, veio dar o primeiro passo no sentido da pretendida reorganização do setor através da promoção da alteração da Lei n.º 88-A/97, de 25 de julho, que regula o acesso da iniciativa económica privada a determinadas atividades económicas, pela Lei n.º 35/2013, de 11 de junho, passando a prever-se a possibilidade de a exploração e gestão de sistemas multimunicipais de gestão de resíduos sólidos urbanos, ser atribuída a empresas cujo capital social seja maioritária ou integralmente subscrito por empresas do setor privado.

II - Subsequentemente, o Governo aprovou o processo de reprivatização da A…………, S. A. (A…………), sub-holding do grupo B………… para o setor dos resíduos, através do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, em cujo preâmbulo se pode ler que “O concurso regulado no presente decreto-lei assegura, para além do encaixe financeiro, que a A............ seja adquirida por entidade com a capacidade técnica e de gestão e a dimensão e solidez financeiras indispensáveis à sua gestão. Adicionalmente, o concurso assegura ainda que o adquirente dotará a A............ das melhores práticas no domínio ambiental e de um projeto estratégico adequado aos objetivos de desenvolvimento da economia nacional, assegurando ainda a prestação da atividade atualmente desenvolvida de acordo com elevados padrões de qualidade e a sua acessibilidade a todos os cidadãos.”, dispondo-se no n.º 1 do artigo 14.º deste diploma que “Os demais termos do concurso de alienação das ações da A............, bem como as condições finais e concretas da oferta dirigida a trabalhadores são estabelecidos mediante resolução do Conselho de Ministros.”, em 8 de Abril de 2014 foi então publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014 de 8 de Abril (doravante RCM) que formalizou o ato administrativo impugnado que determinou a abertura do concurso público para alienação das ações da A…………, S.A. e aprovou o respetivo caderno de encargos conforme previsto no Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março.

OS VÍCIOS DO ATO ADMINISTRATIVO DOS PRINCÍPIOS DA CONFIANÇA E DA AUTONOMIA LOCAL (ARTIGOS 2.º, 6.º E 235.º, N.º 2 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; 2.º E 3.º DA CARTA EUROPEIA DE AUTONOMIA LOCAL (CEAL); 23.º, N.º 2, ALÍNEA K) DA LEI N.º75/2013, DE 12 DE SETEMBRO E 5.º N.º 2 DO DECRETO-LEI N.º 178/2006, DE 5 DE SETEMBRO); III - O princípio do estado unitário encontra-se previsto no artigo 6.º da Constituição da República Portuguesa, constituindo a autonomia local expressamente parte integrante do mesmo e um dos pilares fundamentais em que assenta a organização territorial da República Portuguesa.

IV - Este princípio da autonomia local é desenvolvido na Constituição no seu título VIII, relativo ao Poder local, da parte III (Organização do poder político) e encontra igualmente a sua consagração supralegal na Carta Europeia de Autonomia Local (CEAL), assinada por Portugal em 15 de Outubro de 1985, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 28/90, de 23 de Outubro, publicada no Diário da República, I Série, n.º 245/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República, n.º 58/90, de 23 de Outubro, publicado no Diário da República, I Série, n.º 245/90, com entrada em vigor na ordem jurídica portuguesa em 1 de Abril de 1991 (artigo 1.º da CEAL).

V - Nesta conformidade, na CEAL prevê-se que “O princípio da autonomia local deve ser reconhecido pela legislação interna e, tanto quanto possível, pela Constituição.” (artigo 2.º da CEAL), entendendo-se “por autonomia local o direito e a capacidade efetiva de as autarquias locais regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações uma parte importante dos assuntos públicos” (artigo 3.º, n.º1).

VI - “A autonomia das autarquias locais, intrinsecamente relacionada com a gestão democrática da República, tal como constitucionalmente desenhada, pressupõe um conjunto de poderes autárquicos que asseguram uma sua atuação relativamente livre e incondicionada face à administração central no desempenho das suas atribuições, visando a prossecução do interesse da população local. Com o objetivo de assegurar essa liberdade de atuação, a Constituição consagra diversas dimensões ou elementos constitutivos da autonomia local. Aí se inscreve, nomeadamente, a autonomia de organização (artigo 237.º, n.º 1), a autonomia orçamental (artigo 237.º, n.º 2), a autonomia patrimonial e financeira (artigo 238.º, n.º 1 a 3), a autonomia fiscal (artigo 238.º, n.º 4, e artigo 254.º), a autonomia referendária (artigo 240.º, n.º 1), a autonomia regulamentar (artigo 241.º) e a autonomia em matéria de pessoal (artigo 243.º).” VII - “O artigo 235.º da Constituição estabelece que a «organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais», que são «pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas». Esta norma constitucional garante e impõe a existência de autarquias locais em todo o país e «tem um sentido de garantia institucional, assegurando a existência de administração local autárquica autónoma» (Acórdão n.º 296/2013, n.º 12).” VIII - “As autarquias locais são mais que «mera administração autónoma do Estado», uma vez que «concorrem, pela própria existência, para a organização democrática do Estado. Justificadas que são pelos valores da liberdade e da participação, as autarquias conformam um "âmbito de democracia" (Ruiz Miguel), num sistema que conta precisamente com o princípio básico de que toda a pessoa tem direito de participar na adoção das decisões coletivas que a afetam» (cfr. Acórdão n.º 432/93, n.º 1.2., cfr. também Acórdão n.º 296/2013, n.º 13, e o Acórdão n.º 109/2015, n.º 10). Nesse contexto, José de Melo Alexandrino, define autarquia local como «a forma específica de organização territorial, na qual uma comunidade de residentes numa circunscrição territorial juridicamente delimitada dentro do território do Estado prossegue interesses locais, através do exercício de poderes públicos autónomos», acentuando o Autor um conjunto de ideias das quais destacamos «o relevo e a inafastável feição política dos entes locais» e «um certo grau de imediatividade dos poderes públicos (dado pelo autogoverno inerente à legitimidade e representatividade democráticas dos órgãos), mas também a independência relativamente a orientações ou poderes condicionantes externos, nomeadamente estatais» (“Direito das Autarquias Locais”, in Tratado de Direito Administrativo Especial, vol. IV, Almedina, 2010, pp. 111-112).” IX - “Como as autarquias locais integram a administração autónoma, existe entre elas e o Estado uma pura relação de supraordenação-infraordenação, dirigida à coordenação de interesses distintos (os interesses nacionais, por um lado, e os interesses locais, por outro), e não uma relação de supremacia-subordinação que fosse dirigida à realização de um único e mesmo interesse - o interesse nacional, que, assim, se sobrepusesse aos interesses locais” X - Do Regime Jurídico das Autarquias Locais resulta pacífico que a gestão e recolha de resíduos sólidos urbanos das populações respectivas, cabe em exclusivo a estas pessoas colectivas de direito público a quem desde sempre estiveram confiadas as atribuições e competências no âmbito do ambiente e saneamento básico (actualmente previsto na alínea k) do n.º 2 do artigo 23.º da Lei n.º...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT