Acórdão nº 0739/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução20 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

A………., S.A., (A…………), identificada nos autos, recorreu para este Supremo Tribunal do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 07.04.16 (fls. 1260 a 1303), que negou provimento ao recurso interposto da sentença do TAF de Sintra, de 30.10.14, confirmando-a (fls. 1010 a 1024).

A presente acção foi interposta inicialmente no TAF de Sintra, tendo este proferido decisão pela qual julgou totalmente improcedente a acção de contencioso pré-contratual intentada pela Autora, ora recorrente A…….., contra a Ré, ora recorrida, ENTIDADE DE SERVIÇOS PARTILHADOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA I.P (ESPAP), e a contra-interessada B………, S.A. (B………) e outras, acção relativa ao “concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo-quadro para a prestação de serviços de vigilância e de segurança”, e, em consequência, deliberaram: “1) Não anular o Concurso em questão, mantendo o mesmo na Ordem Jurídica; 2) Não anular a deliberação em questão, mantendo-a na Ordem Jurídica; 3) Não condenar a Ré a eliminar o requisito técnico em questão; 4) Absolver a Ré e as Contra-interessadas de todos os pedidos formulados pela Autora”.

1.1.

A recorrente apresentou alegações, concluindo, no essencial, do seguinte modo (fls. 1390 a 1399): “I - Na presente revista, suscitam-se as seguintes questões:

  1. Num concurso limitado dividido em lotes, uma entidade que tenha impugnado a decisão de qualificação quanto a vários lotes, incluindo aqueles a que não apresentou candidatura, carece de legitimidade para o fazer quanto a estes últimos quando a impossibilidade de apresentação de candidatura decorreu precisamente da falta de preenchimento de um requisito cuja ilegalidade vem invocar? B) É legal e legítimo exigir como requisito de capacidade técnica a prática pelo candidato de determinado preço mínimo? É legítimo considerar que tal exigência se mostra justificada por, como entendeu o tribunal a quo, corresponder ao preço constante da recomendação da ACT de 2012? C) É legal uma aferição meramente formal do cumprimento pelo candidato dos requisitos de qualificação mediante a análise da letra dos documentos da candidatura? É legal a exclusão imediata de um candidato exclusivamente com base na forma como os documentos foram redigidos, sem um prévio pedido de esclarecimentos, ainda por cima quando os documentos em causa são da autoria de terceiros? II - As três questões suscitadas são susceptíveis de se repetir num número elevado de casos futuros, sendo a enunciada na alínea B) ainda relevante para o mercado público da segurança privada, sendo os nossos tribunais superiores, inclusive, o Supremo Tribunal Administrativo decidido já pela ilegalidade da imposição de um preço mínimo para os serviços de segurança privada, concretamente, o preço constante da Recomendação da ACT.

    III - Estão, por conseguinte, preenchidos os pressupostos da admissibilidade da revista, pelo que deverá a mesma ser admitida (cf. artigo 150° n.° 1 do CPT

  2. IV - O bem jurídico que a recorrente defende na presente acção é o seu interesse em participar plenamente, em todos os lotes, em procedimento tendente à celebração de acordo quadro para a prestação de serviços de vigilância e segurança, V - Interesse que foi lesado por um requisito de qualificação ilegal que a impossibilitou de apresentar candidatura em certos lotes e que determinou a sua exclusão de outros.

    VI - A eliminação do requisito ilegal traz à recorrente um benefício concreto traduzido na sua possibilidade real de participar plenamente no procedimento para a celebração do acordo quadro acedendo, pois, ao mercado público da segurança em toda a sua dimensão.

    VII - E é, precisamente, aqui que reside a legitimidade da recorrente no que respeita a todos as lotes do concurso, mesmo aqueles a que, por força do requisito ilegal, não se candidatou.

    VIII - O artigo 55º n.º 1 al. a) do CPTA permite que se possa recorrer a juízo sem ser titular da relação jurídica administrativa donde emerge a lesão, bastando que o interessado tenha interesse directo e pessoal; IX - O que está em consonância com o artigo 268º n.º 4 da Constituição que garante a todos os interessados a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos; X - Para além de que, no que respeita aos pressupostos processuais e como o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido em diversos arestos, a lei deve ser interpretada de modo a privilegiar o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, por força dos princípios antiformalista e pro actione; XI - Estando, por esse motivo, vedado ao intérprete uma interpretação restritiva do que se deve entender por interesse directo e pessoal, sob pena de se restringir o acesso à tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente consagrada.

    XII - O direito comunitário impõe uma interpretação ampla e generosa, já que o artigo 10 n.º 3 das directivas «meios contenciosos» reconhece legitimidade pelo menos a qualquer pessoa que esteja ou tenha estado interessada em obter um determinado contrato de fornecimento público ou de obras públicas e que tenha sido ou possa ser lesada por uma violação».

    XIII - Assim, o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao decidir pela ilegitimidade activa da recorrente no que respeita aos lotes relativamente aos quais não apresentou candidatura, e assim violou o disposto no 55º n.º 1 al. a) do CPTA, no artigo 1º n.º 3 das Directivas «meios contenciosos» e os princípios da tutela jurisdicional efectiva, antiformalista e pro actione.

    XIV - A capacidade técnica afere-se através das características dos candidatos, nomeadamente, experiência curricular (cf. artigo 165º n.º 1 do CCP), experiência essa que nada tem com o preço cobrado pela prestação de serviços XV - Uma empresa pode prestar exactamente os mesmas serviços que outra e cobrar pelas mesmas um preço inferior, não se podendo obviamente concluir que possui menos experiência do que aquela outra.

    XVI - O requisito «experiência» tal como foi definido no artigo 8º do programa é ilegal porquanto não respeita à capacidade técnica dos candidatos, violando, por isso, o artigo 165º n.º 1 do CCP XVII - E violando também os princípios da concorrência, da igualdade e da proporcionalidade, na medida em que determinou uma redução drástica do universo dos co-contratantes do acordo quadro sem razão que a justifique e, consequentemente, a legalize.

    XVIII - A Autoridade da Concorrência teve já ocasião de se pronunciar sobre a Recomendação da ACT tendo, em 7 de Janeiro de 2016, recomendado a esta entidade a sua revogação pelo impacto restritivo que tem na concorrência a publicitação de um preço mínimo a praticar no sector da prestação de serviços de segurança (cf. documento n.º 1 junto) XIX - A imposição de um preço mínimo induz o alinhamento de preços ‘por cima”, com claro prejuízo para a entidade adjudicante (cf. parecer de Nuno Ruiz junto como documento n.º 2) XX - O preço mínimo fixado pela ACT tem como base estruturas e componentes de custos acordados entre associações representativas dos trabalhadores e de empresas concorrentes pelo que estamos perante comportamentos que podem ser qualificados como acordos entre empresas ou como decisões de associações de empresas, que têm por objecto a fixação, de forma directa ou indirecta, dos preços mínimos da prestação dos serviços por parte dos associados o que constitui uma violação grave dos artigos 101º do TFUE (cf. parecer de Nuno Ruiz junto como documento n.º 2) XXI - O resultado prático da Recomendação da ACT é a criação de um ambiente em que as empresas mais competitivas não podem aproveitar essa vantagem (cf. parecer de Nuno Ruiz junto como documento n.º 2) XXII - O preço mínimo determinado pela ACT não decorre da lei porque a Recomendação contempla custos que não estão fixados por lei nem por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e, porque, mesmo no que respeita aos custos fixados por lei, os operadores económicos podem reduzi-los através de diversas formas de alocação e diluição mas também por poderem beneficiar de medidas de apoio à contratação que reduzem os custos com o pessoal (v.g. salários e segurança social) (cf., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Janeiro de 2016, proferido no processo 01021/15, disponível em www.dgsi.pt.

    1. A liberdade de gestão empresarial consagrada no artigo 61º n.º 1 da Constituição determina a liberdade de definição pelos operadores económicos dos preços propostos em procedimentos de contratação pública, liberdade que não pode ser restringida pelas entidades adjudicantes mediante a imposição da prática de preços mínimos (cf., neste sentido, Acórdãos do STA de 3 de Dezembro de 2015, proferido no processo 0657/15. de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo 01047/15 e de 28 de Janeiro de 2016, proferido no processo 01255/15, disponíveis em www.dgsi.pt XXIV - O artigo 61º n.º 1 da Constituição só habilita a própria Constituição e a lei como instrumentos legítimos de modelação e de restrição do direito fundamental de iniciativa económica privada e das suas três manifestações nucleares (o direito de criar uma empresa, de a gerir e de exercer a respectiva actividade).

    XXV - Não há no Código dos Contratos Públicos disposição que imponha que o preço duma prestação de serviços deva corresponder a um determinado valor mínimo ou ser igual ou superior aos custos inerentes à prestação do serviço em causa.

    XXVI - Pelo que as entidades adjudicantes, nas peças procedimentais, não podem incluir regras que restrinjam a liberdade de gestão empresarial que assiste aos operadores económicos e/ou a concorrência como sejam as que imponham a obrigação de praticar preços mínimos (cf. artigo 132º n.º 2 do CCP).

    XXVII - Impor como requisito de acesso ao procedimento que o candidato tenha praticado um preço mínimo (ainda para mais num concurso para a celebração...

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