Acórdão nº 0385/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução09 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – A…………, LDA, com os sinais dos autos, vem interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19 de Novembro de 2015, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgara totalmente improcedente a oposição à execução fiscal n.º 1481-2009/102315.2 instaurada no Serviço de Finanças da Azambuja para cobrança coerciva de dívida de Contribuição Autárquica relativa ao ano de 2002 no montante total de €125.729,01, concluindo a sua alegação de recurso pela formulação das seguintes conclusões: 1. O presente Recurso de Revista vem interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que, confirmando a Decisão de primeira instância, considerou ser devido pela Recorrente o montante de €125.729,01, respeitante a CA de 2002, por não se ter verificado a caducidade do direito à respectiva liquidação alegada em Oposição Judicial contra os autos de execução fiscal n.º 1481200901023152.

  1. Considera o Recorrente resultar a necessidade de admissão da presente Revista como “válvula de escape do sistema”, por estarem verificados in casu os requisitos previstos no artigo 150.º n.º 1 do CPTA (os quais são aliás alternativos e por natureza indeterminados e qualitativos, sendo judicialmente delimitados pelo Supremo Tribunal Administrativo – vide por todos o Acórdão deste Tribunal de 25.11.2015, processo nº 01116/15).

  2. Com efeito, está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental, por um lado e, por outro, a admissão do Recurso é necessária para uma melhor aplicação do direito, atenta a subversão e contradição cometida pelo aresto do Tribunal Central Administrativo Sul ao qualificar o benefício usufruído pela Recorrente como contratual, mas não retirando daí das correctas consequências jurídicas, sendo esse erro susceptível de ser generalizado, cuja reapreciação se pretende por este Tribunal, por ser plenamente justificável e imprescindível.

  3. Efectivamente, entendeu o Acórdão a quo que foi concedida à recorrente a isenção de CA por força do Contrato de Investimento que havia celebrado com o Estado Português (cfr. ponto 1 da fundamentação de facto do Acórdão Recorrido), sendo irrelevante a prova/não prova da deliberação da Assembleia Municipal da Câmara da Azambuja reconhecendo o interesse municipal do Projecto, contrariamente ao alegado pela Recorrente nos pontos 7 a 16 das suas conclusões de Recurso (cfr. pág. 14/19 do Acórdão).

  4. Desconsiderou assim o Acórdão a quo as consequências que a Recorrente imputou àquele erro de julgamento, ergo, a revogação ilegal da isenção de CA, porque não efectuada no prazo de 1 ano (cfr. pontos 17 a 22 das conclusões de Recurso) e caducidade do direito à liquidação por não ter ocorrido suspenso do respectivo prazo durante a vigência desse Contrato (cfr. pontos 23 a 27 das conclusões de Recurso).

  5. Ora, é a partir deste facto dado como provado pelo Tribunal recorrido, i.e., celebração do Contrato de Investimento entre o Estado Português e a Recorrente (não sendo o mesmo passível de ser contrariado pela Recorrente nesta sede, que com ele terá de conformar-se, face à restrição imposta pelo n.º 3 do artigo 150.º do CPTA) que são visíveis os erros jurídicos incorridos pelo Acórdão em crise.

  6. Desde logo, a Decisão sindicada revela-se desconforme com a lei e os princípios elementares do ordenamento jus tributário, sendo inconsequente quanto ao probatório por si assente, porquanto a partir do momento em que o aresto a quo elenca a priori como estando provada a celebração do Contrato de Investimento entre o Estado Português e a Recorrente, tinha de extrair daí todas as legais consequências, entre as quais concluir pela incompetência dos tribunais administrativos e fiscais para decidir se os benefícios fiscais deviam ou não ser devolvidos em caso de incumprimento e qual o seu quantum, cabendo outrossim tal competência ao Tribunal Arbitral (cfr. cláusula 16.2, alínea a) do Contrato a fls. 160 dos autos) ou, in limine, concluir ser devido reembolso meramente parcial dos benefícios usufruídos e nunca o reembolso total (cfr. cláusulas 1.13 e 11.1 do Contrato a fls 147 e 157 dos autos, respectivamente).

  7. Trata-se pois de uma questão de extrema relevância jurídica e social: celebrando os contribuintes com o Estado Português contratos que exigem que os primeiros (em contrapartida de benefícios fiscais) realizem avultados investimentos em determinadas zonas eleitas pelo segundo, poderão os mesmos ver-se sujeitos às regras gerais previstas para a liquidação e cobrança de impostos, quando tais contratos definem regras especiais para o seu reembolso em caso de incumprimento? 9. Acordando as partes submeter-se a deveres lacrados por um Contrato de Investimento, nos termos dos artigos 36.º, n.º 5 e 37.º, n.º 2 da LGT – ergo, modernização da unidade industrial da Azambuja pela Recorrente e renegação da CA de 2002 pelo Estado Português – e cumprindo a promotora pelo menos 75% das condições definidas nesse Contrato, como pode depois exigir-se unilateralmente a reposição “in totum” desses benefícios, sem atender ao grau de incumprimento, como definido contratualmente? 10. Ou seja, vinculando-se a cláusulas especiais, que estipulam as consequências do incumprimento do Contrato (de entre as quais se destacam a eventual redução proporcional do montante a pagar, a fixas aliás por Tribunal Arbitral), pode tal contrato ser completamente ignorado, exigindo-se a totalidade do montante isento? 11. É quanto a esta questão, intrinsecamente relacionada com o princípio pacta sunt servanda, decidida de forma totalmente desconforme com o regime jurídico que a delimita e susceptível de ser colocada em inúmeros casos, que se mostra necessária a intervenção deste douto Tribunal Superior, também para uma melhor aplicação do direito.

  8. Com efeito, será de recordar que, apesar de o Acórdão em crise enunciar como facto provado a celebração do Contrato de Investimento (cfr. ponto 1 da fundamentação de facto do Acórdão), desconsidera os argumentos invocados pela Recorrente quanto às consequências do incumprimento contratual previstas nesses Contrato, mormente que, a ser devido qualquer montante à Autoridade Tributária, o mesmo nunca corresponderá à totalidade exigida nos autos de execução fiscal (cfr. cláusula 16.2, alínea a) do Contrato).

  9. Acresce que, perante um contrato que prevê que a competência para fixar o montante a reembolsar em caso de incumprimento contratual cabe ao Tribunal Arbitral, não se vislumbra como podem os tribunais fiscais entender terem competência para proceder a tal ato, ao arrepio das cláusulas contratuais especialmente aplicáveis à relação jurídica estabelecida entre a Autoridade Tributária e a Recorrente, assim se verificando um erro grosseiro, em violação do princípio pacta sunt servanda e princípio da separação e interdependência de poderes (artigos 2.º e 111.º, n.º 1 da CRP), para cuja correcção, imperiosamente necessária, se invoca a intervenção deste Supremo Tribunal, razão por que deve ser admitido o presente Recurso de Revista Excepcional.

  10. Reforce-se pois que a premissa fáctica de que foi celebrado o Contrato de Investimento entre a Recorrente e o Estado Português acarretou a Decisão final, a qual não cuidou porém de extrair as devidas implicações jurídicas: através desse facto provado concluiu o Acórdão recorrido pela suspensão do prazo de caducidade desde a celebração do Contrato até ao seu alegado incumprimento por parte da Recorrente, considerando ser devido todo o montante de imposto que a Recorrente beneficiou e não apenas parte desse imposto, que seria aliás a sanção máxima prevista para tal incumprimento.

  11. Há portanto uma manifesta contradição entre a Decisão recorrida e o pressuposto em que a mesma assenta pois que, aplicando o Contrato de Investimento que o Acórdão pretende fazer valer, nunca a conclusão poderia ser, como foi, no sentido de permitir à autoridade Tributária cobrar a totalidade da CA de 2002 de que a Recorrente estava isenta, pelo que, atento o erro manifesto que foi cometido pelo Acórdão recorrido (o qual é aliás susceptível de extravasar o caso concreto), é essencial a intervenção deste Tribunal.

  12. Na verdade, considerando vingar o Contrato de Investimento, não se antolha que fundamento poderá existir, juridicamente aceitável, que justifique a aplicação do quadro jurídico regra de reposição integral dos benefícios usufruídos a um tipo de procedimento e de relação jurídica expressamente regulados por diploma distinto e com carácter especial face àquele, que foi afastado expressamente pelas partes, sobretudo quando as soluções adoptadas em ambos são absolutamente inversas.

  13. Com efeito, segundo o regime geral, a extinção do direito aos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra (cfr. artigo 14.º n.º 1 do EBF), ao passo que, de acordo com o regime contratualizado pelas partes, caberá ao Tribunal Arbitral definir se há direito ao reembolso e, em caso afirmativo, qual o seu valor (cfr. cláusulas 1.13, 11.1 e 16.2 do Contrato de Investimento).

  14. Deste modo, ao desconsiderar a disciplina especialmente consagrada no Contrato de Investimento que o próprio Tribunal a quo chama à colação, este profere Decisão contrária às normas expressamente aplicáveis, sendo por isso errado e juridicamente insustentável, desrespeitando o princípio basilar de que os acordos devem ser cumpridos, para cuja correcção, evidentemente necessária, se invoca a intervenção deste douto Tribunal.

  15. De facto, os contratos celebrados são para respeitar em toda a sua extensão, aplicando-se, como consequência do seu eventual incumprimento, as sanções nele delimitadas, e não as previstas para a generalidade das relações...

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