Acórdão nº 0815/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução16 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 21/2016-T 1. RELATÓRIO 1.1 A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), tendo apresentado alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Aqui como adiante, porque usaremos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão em tipo normal.

): «A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

  1. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

  2. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido a seguinte factualidade: i. O objecto social da Requerente consiste na concessão de empréstimos para a aquisição de veículos ou de celebração de contratos de locação financeira.

    ii. A Requerente apresentou elementos probatórios dos veículos automóveis, em questão, correspondente ao momento anterior ao período de tributação – cfr. cópias de facturas de venda dos veículos aos locatários, cópias dos contratos de locação financeira e cópias dos extractos contabilísticos, juntas nas reclamações graciosas (constantes no PA, docs. n.º 461 a 693) que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

    iii. Os factos considerados provados fundamentam-se nas facturas, emitidas à data e venda de veículos a terceiros; extractos contabilísticos da Requerente aos Clientes, em questão; lançamentos contabilísticos da Requerente, na conta SNC “Bancos”, referentes aos valores recebidos pela venda dos veículos automóveis, anexos aos autos e, contratos, extractos, contratos em dívida e autos de apreensão e sentenças Como se verá melhor à frente, foi aí decidido: - Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação do IUC, respeitante ao ano de 2015, relativamente aos veículos automóveis identificados no presente processo, anulando-se, consequentemente, os correspondentes actos tributários.

  3. Por seu turno, subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se a seguinte factualidade: «- A firma impugnante é uma sociedade que tem por objecto o aluguer de veículos automóveis, no âmbito da qual celebrou vários contratos de aluguer com os respectivos locatários, tendo estes últimos adquiridos as viaturas ao abrigo do direito de opção de compra, no termo final dos respectivos contratos; - As viaturas em causa encontravam-se registadas no registo automóvel, à data do respectivo aniversário da data de matrícula relativo ao ano de 2008, em nome da impugnante; - Foi efectuada a liquidação oficiosa do imposto pelos serviços competentes da DGI por falta de liquidação do mesmo por parte do s.p., da qual foi deduzida reclamação graciosa que mereceu decisão de indeferimento de 28/02/2013, com fundamento na informação dimanada dos serviços, tudo conforme consta de fls. 20 e 21 do processo de reclamação graciosa apenso (cfr. relação dos actos tributários relativos ao ano de 2008 constante de fls. 14 e 15 do processo de reclamação graciosa apenso); - Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “...A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório...”.

    - A impugnante, “…, Lda.” é uma sociedade que tem por objecto o aluguer de veículos automóveis e a prestação de serviços conexos; - A impugnante emitiu facturas relativas à venda dos veículos a que dizem respeito as liquidações de I.U.C. impugnadas; - Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos identificados na factualidade aditada e na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte da impugnante/recorrida, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr. art. 361.º, do C.Civil)».

    - Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a impugnação no que diz respeito às liquidações de I.U.C., com excepção das relativas a viaturas sinistradas e furtadas.

  4. Como mais à frente veremos, dessa decisão recorreu a Fazenda Pública para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCA), que decidiu conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar totalmente improcedente a impugnação deduzida; F. Demonstra-se, assim, que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

  5. Além daquela identidade, para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.

  6. Ora, estava em causa aferir se a documentação apresentada pela Requerente, ora Recorrida, se mostrava apta a ilidir a presunção decorrente da norma do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, i.e., se as facturas e os extractos contabilísticos apresentados pela Recorrida eram suficientes para ilidir a presunção estabelecida no citado preceito legal.

    68) [(Apesar desta conclusão se encontrar identificada por um número e não por uma letra, como as demais conclusões, optamos por não corrigir o lapso, de modo a não interferir na identificação das conclusões subsequentes.

    )] No caso aqui em análise, julgou aquele Tribunal arbitral que a Requerente, como se refere em 3.1., relativamente aos factos provados, alegou, com o propósito de afastar a presunção, não ser proprietário dos veículos, aquando da ocorrência dos factos tributários, oferecendo para o efeito os seguintes documentos: - Cópias de facturas emitidas à data da venda dos veículos; - Extractos contabilísticos relativamente aos clientes, em questão; - Lançamentos contabilísticos da Requerente, na conta SNC (Bancos) referente aos valores recebidos pela venda dos veículos automóveis; - Desta forma, a propriedade dos referidos veículos, já não lhe pertencia, não podendo, por isso, usufruir da sua utilização, desde data anterior àquela em que o IUC era exigível, corporizando, assim, meios de prova com força bastante e adequada para ilidir a presunção fundada no registo, conforme o preceituado no n.º 1 do art. 3.º do CIUC, documentos esses que gozam da veracidade no n.º 1 do artigo 75.º da LGT - Decorre daqui, que à data em que o IUC era exigível quem detinha a propriedade dos veículos automóveis não era a Requerente.

    I. É contra este segmento decisório (força probatória das facturas, extractos contabilísticos e lançamentos contabilísticos apresentados) que apresentamos o presente recurso, pois o entendimento perfilhado é oposto ao arrogado no TCA SUL no âmbito do processo n.º 08300/14.

  7. Tendo a decisão ora recorrida incorrido em erro de julgamento de direito incidente sobre a norma constante do art. 3.º do C.I.U.C.

  8. Como se verá a seguir, tanto no acórdão recorrido como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respectivas decisões situa-se em igual plano.

    L. Isso, pois que estava aí em causa saber se o tribunal a quo havia decidido bem ao considerar que as facturas e os documentos contabilísticos internos da empresa, por si só, são aptos a comprovar a transmissão da propriedade dos veículos, e consequentemente a celebração do contrato de compra e venda dos mesmos, e assim eximir o sujeito passivo, da responsabilidade de pagamento do imposto (IUC), face ao art. 3.º do CIUC.

  9. Em ambos os casos os ora recorrentes colocam em causa os documentos de facturação aos clientes.

  10. Sendo que, quanto à presunção legal que consagra o art. 3.º n.º 1 do CIUC, considerou o TCA: «(...) O examinado art. 3.º n.º 1 do C.I.U.C., consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do art. 73.º da L. G. T., tudo conforme já mencionado supra.

    O.

    Nesta situação, a ilisão da presunção obedece à regra constante do art. 347.º do C.Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. O que significa que não basta à parte contrária opor a mera contraprova – a qual se destina a lançar dúvida sobre os factos (cfr. art. 346.º do C. Civil) que torne os factos presumidos duvidosos. Pelo contrário, ela tem de mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais. Recorde-se que as presunções legais são provas legais ou vinculadas, que não dependem da livre apreciação do Tribunal. Pelo contrário, a sua força probatória, legalmente tabelada, proporciona ao juiz uma verdade formal (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de...

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