Acórdão nº 01296/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução03 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo RELATÓRIO A………… e mulher, B…………, inconformados com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) que negou provimento ao recurso que tinham interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra que julgara totalmente improcedente a acção administrativa comum que haviam intentado contra o Município de Montemor-o-Velho e contra o Presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, …………, dele recorreram para este Supremo Tribunal, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões: “1.

- Por Acórdão do TCAN, notificado em 03/03/2014, foi o recurso de apelação apresentado pelos ora AA. julgado improcedente, por não provado, razão pela qual e por se considerar que tal decisão padece de evidente falta de fundamentação, se apresenta o presente recurso excepcional de revista.

  1. - Segundo o disposto nos artºs. 150.° n.°s 1 e 2 do CPTA e 672.°, n.° 1 do CPC, cabe recurso excepcional de revista quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, estejam em causa interesses de particular relevância social, bem como a violação de lei substantiva ou processual.

  2. - Ora, salvo melhor opinião, crê-se que, in casu, se reúnem estas três circunstâncias que admitem o presente recurso, vejamos: 4.

    - Nos presentes autos, para além do bem jurídico vida, postergado por uma gestão da res publica ilegal/omissiva, questiona-se a legitimidade para a construção de obstáculos na via rodoviária (lombas artificiais no asfalto para redução de velocidade - LRV), pois a mesma não resulta de nenhum normativo legal; 5.

    - Questionam-se os valores sócio-culturais e as implicações políticas que a decisão do aresto determina e que podem minar a tranquilidade e paz social, o sentimento de segurança e garantia da prossecução de interesses não conflituantes, colocando em causa a eficácia do direito e pondo em dúvida a sua credibilidade, quer na formulação legal, quer na aplicação casuística; 6.

    - Trata-se de questão nova e original, ou seja, aferir da legalidade da construção de lombas redutoras de velocidade (LRV) em vias afectas ao trânsito rodoviário, que briga com a liberdade de trânsito prevista no artigo 30 do Código da Estrada, pois, tanto quanto foi possível apurar, inexiste legislação e/ou regulamentação, bem como jurisprudência e doutrina sobre o assunto (com excepção do Parecer do Procurador-Adjunto Dr. João Alves “Código da Estrada - Lombas Artificiais no Asfalto - Questões”, Verbo Jurídico, Abril de 2003, disponível em www.verbo.net ); 7.

    - Podendo abrir a porta a uma discricionariedade e arbitrariedade injustificáveis e, eventualmente, potenciadoras de um sentimento de impunidade que, social e juridicamente, não se podem aceitar; 8.

    - A novidade e originalidade da questão dos autos é de tal ordem e a complexidade que pode assumir é de tal monta, que obrigará a uma apurada operação de raciocínio, conjugando os diversos interesses conflituantes em causa, as razões de segurança (rodoviária, jurídica e social) e as necessidades de prevenção, sem descurar a necessidade de protecção jurídica das pessoas e dos seus bens, bem como os limites da intervenção municipal na gestão da res publica, tudo com vista a uma melhor aplicação do Direito e que impõe a intervenção deste STA através da admissão do presente recurso excepcional de revista.

  3. - Considera-se, ainda, que o Acórdão de que ora se recorre viola a lei substantiva, o que, aliás, já se verificava na primitiva sentença, atendendo à expressa violação do princípio da liberdade de trânsito consagrada no art. 3.º do Código da Estrada, pois a construção de LRV em vias afectas ao trânsito rodoviário constitui um perigo acrescido à já de si perigosa actividade de condução.

  4. - A liberdade de trânsito implica a proibição de tudo o que possa impedir ou embaraçar o trânsito e comprometer a segurança e comodidade dos utentes das vias e a necessidade de autorização para actos que possam afectar o trânsito normal.

  5. - Consagrando-se no n.º 2 do mesmo dispositivo legal uma obrigação de non facere que incide sobre as pessoas em geral, singulares ou colectivas, sejam ou não utentes da via, que de qualquer modo prejudiquem o trânsito ou a segurança ou comodidade dos utentes das vias.

  6. - Face a estas disposições legais e à não regulamentação em termos de homologação dos componentes e casos concretos em que as lombas podem ser usadas, dúvidas não restam em se afirmar que é ilegal o seu uso em Portugal, sendo as entidades que as colocam na via pública (Autarquias e IEP) e nas vias do domínio privado abertas ao público, passíveis de responsabilidade civil e eventualmente criminal.

  7. - Pelo que, verificam-se os elementos da responsabilidade civil da entidade que instala uma lomba pelo simples facto de a lomba ser colocada na faixa de rodagem (ilicitude), porquanto face ao conteúdo do art.° 3º, n.º 2 do C.E. e à inexistência de qualquer norma que excepcione o princípio da livre circulação, conclui-se que a implantação da lomba violou o C.E, sendo que tal instalação viola, ainda, as regras da prudência comum, 14.

    - Deparando-nos, ainda, com um conflito entre direitos de personalidade e um outro direito (o de regulação da velocidade dos automóveis), o qual é dirimível pelo facto do direito de personalidade prevalecer sobre o da regulação da velocidade, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 33º do C. Civil.

  8. - No caso em apreço, verifica-se que o TCAN, a propósito da ilicitude, refere que não resulta por qualquer forma evidente a ilegalidade da actuação da R. Município na construção da LRV, por se tratar de uma estrada municipal, sob gestão e fiscalização do R., nem resulta que a construção da referida lomba tenha violado as regras da prudência comum e que, por isso, seja ilícita por não ter sido precedida de qualquer estudo prévio e não ter sido consultada a entidade responsável pela fiscalização do CE.

  9. - Ora, não obstante tal via rodoviária se encontrar sob gestão municipal, a verdade é que esta não pode, por forma alguma, violar a lei que regulamenta a circulação nas estradas, e, consequentemente, o art. 3º do CE., pelo que a actuação do Município violou as regras da prudência comum, pois a construção de um obstáculo numa via rodoviária, impõe, por sua própria natureza, especiais cautelas na sua colocação e, logo, a realização dos estudos prévios pela entidade responsável pela fiscalização do C.E., no caso G.N.R., como, aliás, a isso estava obrigado, segundo os critérios definidos pela Nota Técnica da D.G.V. (cfr. ponto 4.1.4, al. c) 17.

    - Por outro lado e ao contrário do afirmado pelo Ac. proferido, não é admissível a instalação de LRV, nos termos do disposto no ponto 4.1.4, al. g) da já mencionada Nota Técnica, em vias sem passeio, ao contrário do que aconteceu no caso concreto, o que, aliás, a sentença e Ac. confirmam ao afirmar que a LRV desemboca numa valeta.

  10. - Assim sendo, é patente a contradição da alegação vertida no Acórdão de que “a ausência de passeios, não é condição de exclusão para a instalação de uma passadeira elevada”, o que desde logo fundamenta e justifica a ora invocada nulidade.

  11. - Na mesma senda da nulidade do aresto em análise, há que considerar, ainda, que não corresponde à verdade que inexista face vertical na LRV e ressalto na mesma, ao contrário do alegado no Ac., pois se a referida lomba tem formato trapezoidal e as pendentes de acesso à mesma partem da cota zero, natural e obviamente, que terá de se verificar um ressalto vertical, aliás, diga-se, para se determinar se existia ou não ressalto sempre teria de se ter apurado, ao tempo do acidente, qual o grau de inclinação das mesmas, o que não foi verificado e inclusivamente colocado em causa pela conduta posterior do Município, que por mais do que uma vez procedeu à alteração da configuração e altura desta LRV, pelo que, ninguém poderia dar como assente qual o grau de inclinação das pendentes e se existia ou não ressalto.

  12. - Face ao supra exposto e atento o artigo 615.º, nº 1, al. b) do NCPC, aplicável por remissão do disposto no art.º 674º, n.º 1, al. c) do mesmo corpo legislativo e este por remissão do art.º 140.º do CPTA, é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

  13. - Refere o Ac. proferido que não obstante “não existem quaisquer registos dos testes efectuados às lombas onde se especifique os veículos utilizados, as velocidades imprimidas e as conclusões alcançadas”, a única coisa que estava em causa pelo quesito formulado era se os serviços camarários haviam, ou não, testado a passadeira, dividindo a situação numa questão de facto e numa questão de direito, sendo certo que o aresto apenas se pronuncia sobre a questão de facto e a questão de direito não foi escalpelizada.

  14. - Com efeito, e tal como quesitado, não só estava em causa se tais testes haviam sido efectuados, como também a velocidade e veículos utilizados nos mesmos, tendo-se provado, em sede de audiência de discussão e julgamento, que inexistia registo da realização dos mesmos, ignorando-se, igualmente, na hipótese de terem sido realizados, quais as conclusões que se haviam alcançado.

  15. - Ora, resulta desde logo evidente que não só a velocidade e veículos utilizados na hipotética realização dos testes interessava, como, também, o Acórdão proferido padece de um erro (fatídico) ao confundir uma scooter (ciclomotor) com uma Honda 600 (motociclo) que a vítima conduzia, cujas definições se encontram vertidas no art. 107°, nºs 1 e 2 do C.E., pois toda a ciclística dos veículos é distinta o que influi, necessariamente, sob a forma da sua condução e sob a forma como os veículos se relacionam com o piso em que circulam.

  16. - A aceitar-se que os testes alegados pelos RR. haviam, efectivamente, sido realizados, o que não...

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