Acórdão nº 0692/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução23 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A…….., S.A., vem interpor recurso de revista da decisão do TCAS que negou provimento ao recurso por si interposto da decisão do TAF de Lisboa que julgou procedente a exceção dilatória inominada invocada pela Ré APL – Administração do Porto de Lisboa S.A., de falta de um pressuposto processual objectivo (a não realização da tentativa de conciliação prevista no artigo 260º nº 1 do Decreto – Lei nº 59/99, de 2 de Março) e absolveu a Ré da instância.

Para tanto alega, em conclusão: “1. As Instâncias precipitam-se na consideração da aplicabilidade ao caso das disposições do Título IX do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, sem curar analisar adequadamente em que medida a natureza do contrato celebrado entre a A. e a R. (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial) influi na sujeição do mesmo a essas normas legais; 2. A. e R. quiseram celebrar um Contrato de Empreitada sujeito ao direito privado, e não um contrato de direito administrativo: a) Desde logo, legalmente, não é a presença da Ré na relação contratual em apreço que determina a qualificação do contrato como administrativo; b) Por outro lado, a vontade manifestada pelas partes aquando da respectiva celebração remete o Contrato para uma ambiência de direito privado, pois não é outro o sentido a retirar da Cláusula 8.ª do Contrato, que determina como competente para dirimir eventuais litígios dele emergentes o Tribunal da Comarca de Lisboa.

  1. Assim, no caso concreto, o regime constante do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro, RJEOP (93), é recebido no Contrato por mera vontade das partes, assumindo a natureza de cláusula contratual, e a aplicação meramente subsidiária desse RJEOP (93) determina que o Contrato não se encontre sujeito às particulares regras de contencioso consagradas, quer nesse Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro, quer no Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, RJEOP (99), que o revogou, o que tem como consequência o não decurso, no caso concreto, dos prazos de caducidade aí consagrados e a não sujeição à obrigatoriedade da prévia tentativa de conciliação.

  2. Como a doutrina vem sustentando, há que distinguir, quer no RJEOP 93 quer no seu sucessor, RJEOP 99, entre as normas que apenas se referem ao procedimento de escolha do co-contratante, e aqueloutras dirigidas aos contratos administrativos de empreitadas de obras publicas, e cuja aplicação não se justifica nos casos, como é o vertente, em que o contrato assumiu a natureza de contrato de direito privado.

  3. Por outro lado, entender o caso sub judice de forma distinta daquela que aqui se expõe corresponde a uma violação do Direito Comunitário e da Constituição da República Portuguesa, o que fez o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, ao proferir a decisão que ora se impugna.

  4. Não se justifica, pois, a aplicação aos contratos celebrados entre entidades privadas da norma do artigo 226.º do RJEOP (93) (norma idêntica à constante do artigo 255.º do RJEOP (99), que revogou aquele diploma), tal como não se justifica, pelas mesmas razões, a aplicação da norma do artigo 260.º do Decreto-Lei n.º RJEOP (99), ex vi respectivo artigo 278.º, que impõe a tentativa de conciliação extrajudicial prévia ao exercício do direito de ação.

  5. A interpretação das normas do artigo 255.º e 260.º do RJEOP (99), de 2 de Março no sentido de que o prazo de caducidade e a imposição da tentativa de conciliação extrajudicial aí previstos devem aplicar-se a todos os contratos de empreitada que, por força da lei, devam estar sujeitos a um procedimento de direito público, independentemente da natureza privada ou administrativa desse contrato, deve ter-se por inconstitucional por limitar, em termos constitucionalmente inadmissíveis à luz dos artigos 17.º e 18.º da Lei Fundamental, entre outros: a) o direito fundamental à livre iniciativa privada (previsto no artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa – CRP), impõe aos particulares, contra a sua vontade e sem interesse digno de proteção (e, portanto, sem que isso se mostre adequado, necessário e proporcional no plano constitucional) um prazo de caducidade dos direitos contratuais assaz mais gravoso comparativamente ao que resulta das normas do direito privado dos contratos; b) o direito à tutela jurisdicional efetiva (previsto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP) pois alarga as restrições ao direito de recurso à via jurisdicional a relações contratuais privadas que não são merecedoras de tal tratamento.

  6. Mesmo para os contratos de direito administrativo, o prazo de caducidade do direito de ação de 132 dias previsto no artigo 255.º do RJEOP (99) não pode valer para certos aspectos do regime do contrato, tais como algumas dimensões da responsabilidade contratual de cariz estritamente patrimonial (como por ex., o pagamento do preço acordado ou a efetivação do direito à indemnização de danos resultantes de comportamentos contratuais anómalos).

  7. Seria, pois, também INCONSTITUCIONAL por violação do princípio da igualdade, do direito à livre iniciativa privada e à tutela jurisdicional efetiva, a aplicação aos contratos de empreitadas de obras públicas (de direito administrativo) da norma do artigo 255.º do RJEOP (99) (ou a sua antecessora, constante do artigo 226.º do RJEOP (93)) nos casos em que o litígio emergente do contrato celebrado diz respeito à reclamação de prestações contratuais de natureza estritamente pecuniária, como sejam o pagamento do preço acordado, ou indemnizações no âmbito da efectivação de responsabilidade contratual.

  8. O próprio ordenamento jurídico português oferece soluções que corroboram a tese aqui expendida. Por exemplo: a) O Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, determina que as entidades da natureza da Ré (os nele designados organismos de direito público – cfr. art. 2.º, n.º 2) sendo entidades adjudicantes (para efeitos de sujeição às regras procedimentais pré-contratuais), não são necessariamente contraentes públicos, e da leitura conjugada das normas dos artigos 1.º, n.º 6, 3.º e 343.º, do Código dos Contratos Públicos, resulta que um contrato de empreitada celebrado por uma entidade adjudicante com a natureza da Ré (organismo de direito público, reafirma-se), só será qualificado como contrato administrativo (contrato de empreitada de obra pública) se ela tiver assumido (contratualmente) a posição de contraente público; b) Com a publicação do Código dos Contratos Públicos foi revogado todo o regime legal constante do Título IX do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de...

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