Acórdão nº 0801/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução23 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

I. Relatório 1. O MUNICÍPIO DE CAMINHA [MC] intenta esta acção administrativa especial [AAE] contra a PRESIDÊNCIA do CONSELHO DE MINISTROS [PCM], e contra o MINISTÉRIO DO AMBIENTE, ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E ENERGIA [MAOTE], indicando como «contra-interessados» a A……………, S.A.

[A…………], o MUNICÍPIO DE MELGAÇO, MUNICÍPIO DE MONÇÃO, MUNICÍPIO DE PAREDES DE COURA, MUNICÍPIO DE VALENÇA DO MINHO, MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE CERVEIRA, e a B…………………., S.A.

[B…………..], pedindo a este Supremo Tribunal a declaração de nulidade ou a anulação, dos seguintes actos: a) «Acto administrativo» do Conselho de Ministros de 08.04.2014 [DL nº45/2014, de 20.03, e RCM 30/2014, de 08.04], que determina a alienação de 100% das acções da A……….., e decide que o concurso público previsto no nº2, do artigo 2º, do DL nº45/2014, de 20.03, tenha por objecto acções representativas de 95% do capital social da A…………..; b) «Acto administrativo» do Conselho de Ministros de 08.04.2014 [DL nº45/2014, de 20.03, e RCM 30/2014, de 08.04], que determina a abertura do concurso público e que originou a publicação do respectivo anúncio de procedimento nº1988/2014; c) «Acto administrativo» do Conselho de Ministros de 08.04.2014 [DL nº45/2014, de 20.03, e RCM 30/2014, de 08.04], que determina a oferta pública de alienação de 5% das acções da A……… aos trabalhadores desta.

Formula, ainda, pedidos de condenação dos demandados à prática destes actos considerados devidos: a) Revogar a decisão de abertura do concurso público ínsita no nº4 da RCM 30/2014, de 08.04; b) Suspender imediatamente o procedimento de alteração e concretização da alteração dos Estatutos da B……………..; c) Absterem-se da prática de qualquer acto ou comportamento de preparação, concretização, implementação execução ou desenvolvimento do processo de reprivatização da A…………. nos moldes que resultam da RCM de 08.04.2014 [DL nº45/2014, de 20.03, e RCM 30/2014, de 08.04].

2. Alega que os actos administrativos impugnados sofrem dos vícios seguintes: a) Inconstitucionalidade orgânica, por extinção de uma empresa pública e alteração unilateral dos seus Estatutos, numa matéria que é da exclusiva competência da Assembleia da República; b) Inconstitucionalidade material, por tais alterações unilaterais ocorreram ao arrepio do que estabelecem imperativamente as bases gerais das empresas públicas, definidas no DL nº133/2013, de 03.10, e por vedarem aos Municípios a possibilidade de, nos órgãos próprios [assembleias gerais das sociedades concessionárias], defenderem os seus próprios interesses e das respectivas populações; c) Violação de lei de valor reforçado, pois um processo material ou substancialmente extintivo de empresas públicas, como o que sucede no caso, não encontra habilitação no decreto-lei autorizado que estabelece as bases gerais das empresas públicas, nem sequer, antes disso, na respectiva lei de autorização [Lei nº18/2013, de 18.02]; d) Ilegalidade da transmissão da representação pública [estatal] no capital social das empresas concessionárias, in casu, a B……….., por violação da regra obrigatória de 51% de capital público, imposta no DL nº114/96 e nos Estatutos da empresa; e) Ilegalidade por violação das regras que regulamentam a alteração dos Estatutos da B…………., expressamente previstas no artigo 5º, nº3, do DL nº114/96, de 05.08, e na medida em que o Estado não goza, na relação intra-societária, de jus imperii, do poder de impor aos seus accionistas - também eles públicos - decisões ou alterações aos estatutos fora do procedimento próprio de decisões societárias e alterações estatutárias; f) Ilegalidade dos actos em preparação, nomeadamente a alteração dos Estatutos da B……… [documento 3] e das bases da concessão [documento 4], sem que os seus accionistas «votem» e «deliberem» as alterações, nos termos da lei comercial! [ver artigo 85º do CSC, ex vi artigo 5º, nº3 do DL nº114/96, de 05.08].

g) Ilegalidades várias, por violação de princípios jurídicos fundamentais, com assento constitucional, e da natureza de serviço público essencial e estratégico; h) Ilegalidades por violação de regras imperativas relativas às acções que a A……….. detém no capital social das entidades concessionárias, estabelecidas pelo legislador constituinte, designadamente nos artigos 6º do DL nº114/96, e 6º a 10º dos Estatutos da B……………; i) Ilegalidade por violação do direito de preferência dos Municípios accionistas da B……….., atribuído pelo nº3 do artigo 9º dos seus Estatutos; j) Ilegalidade por alteração unilateral dos pressupostos que estiveram na base do processo, e foram determinantes da vontade dos Municípios, de criação do sistema multimunicipal de constituição da B…………., de celebração do contracto de concessão ainda em vigor e cujo prazo apenas termina a 26.10.2012, da contratação de alguns acordos [parassocial, contractos de entrega, recepção e recolha selectiva, etc.].

3. Na sua contestação, o réu PCM impugnou os vícios apontados pelo autor aos actos impugnados, e excepcionou a incompetência absoluta da jurisdição administrativa.

4. Na sua contestação, o MAOTE impugnou os vícios apontados pelo autor aos actos impugnados, e excepcionou a sua ilegitimidade passiva.

5. Na sua contestação conjunta, a A………..

e a B………..

impugnam os vícios imputados aos actos impugnados pelo autor.

6. O autor respondeu às excepções deduzidas pelos CM e MAOTE, no sentido da sua improcedência.

7. Foi proferido «saneador» onde se deixou claro que a pretensão impugnatória deduzida pelo MC se reconduzia, somente, à anulação dos «actos» contidos na RCM nº30/2014, de 08.04, não envolvendo eventuais actos contidos no referido DL nº45/2014, de 20.03, e face a esta delimitação do objecto da acção decidiu julgar improcedente a excepção de incompetência absoluta deduzida pela PCM.

Nele foi julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade do MAOTE que, em conformidade, foi absolvido da instância.

8. O autor, MC, não apresentou alegações escritas. E, perante esta ausência de alegações do autor, a PCM limitou-se a reafirmar as razões apresentadas na sua contestação em abono da total improcedência da AAE.

Contra-alegaram em conjunto os contra-interessados A……….

e B…………., cujas conclusões são as seguintes: 1- Os supostos vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade respeitantes à alteração estatutária da B………… não podem ser assacados aos actos impugnados, mas apenas ao DL nº103/2014, de 02.07, ou ao DL nº45/2014, de 20.03; 2- A operação de reprivatização da A………. tem a sua base normativa habilitadora na Constituição e Lei-Quadro das Reprivatizações, sendo que a sugestão de que uma reprivatização aprovada por decreto-lei seria organicamente inconstitucional, por alegadamente violar uma lei de autorização emitida ao abrigo da alínea u) do nº1 do artigo 165º, mostra-se incapaz de explicar por que motivo considera que o decreto-lei «reprivatizador» não visará, antes, obedecer aos termos previstos na lei-quadro emitida ao abrigo do nº1 do artigo 293º, a qual, disciplinando especificamente a matéria das reprivatizações, determina o uso da forma de decreto-lei para concretizar cada reprivatização [artigos 4º, 7º e 13º da Lei nº11/90, de 05.04]; 3- À luz do disposto no nº1 do artigo 293º da Constituição, conjugado com o disposto no nº3 do seu artigo 112º, não apenas a utilização da forma de decreto-lei para a privatização da A………. não colide com qualquer exigência que decorra de legislação emitida ao abrigo de uma reserva de competência legislativa parlamentar - especificamente de legislação autorizada ao abrigo da cláusula prevista na alínea u) do nº1 do artigo 165º - como, verdadeiramente, tal forma de decreto-lei mostra ser a única que não implica uma ilegalidade por violação da exigência fixada pela lei-quadro [de valor reforçado] emitida ao abrigo do nº1 do artigo 293º da Constituição; 4- Se apenas em assembleia geral de accionistas se pudesse proceder a uma alteração dos estatutos de uma empresa pública sob forma societária que foi criada por diploma legal, isso implicaria atribuir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, modificar os preceitos do próprio diploma legal, em clara violação do disposto no artigo 112º, nº5, da Constituição; 5- Tendo a B…………. sido criada por DL poderá ser extinta, enquanto empresa pública, através da mesma forma legislativa adoptada para a sua criação ao abrigo do disposto no artigo 35º, nº1, do DL nº133/2013, de 03.10; 6- A futura gestão de um serviço público por uma entidade privada [ou maioritariamente privada] não consubstancia qualquer violação do princípio da prossecução do interesse público ou do princípio da autonomia local, antes corresponde a uma opção política legitimada na lei [especificamente, no artigo 1º nº5, b), da Lei nº88-A/97, de 25.07, alterada pela Lei nº35/2013, de 11.06]; 7- Os actos impugnados não põem em causa os princípios da autonomia local e da protecção da confiança, sendo certo que a coberto da invocação de tais princípios o demandado pretende, na realidade, fazer depender da autorização dos municípios a decisão da reprivatização, assim colocando em perigo a manutenção de um Estado unitário cujos interesses nacionais não são susceptíveis de fragmentação pela competência decisória de órgãos locais [nº1 do artigo 6º da Constituição].

Termina pedindo que a acção seja julgada improcedente.

9. Colhidos que foram os «vistos» legais, cumpre apreciar e decidir o objecto da acção.

II. De Facto Por articulados, pertinentes, e provados, consignamos os seguintes factos: 1. O DL nº113/96, de 05.08, criou o «sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos do Vale do Minho», integrando, como seus utilizadores originários, os municípios de CAMINHA, MELGAÇO, MONÇÃO, PAREDES DE COURA, VALENÇA e VILA NOVA DE CERVEIRA - artigo 1º - bem como aprovou os Estatutos da respectiva concessionária; 2. Os 6 municípios referidos emitiram parecer favorável à criação desse sistema multimunicipal - ver preâmbulo do DL nº113/96...

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