Acórdão nº 0780/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | ANA PAULA PORTELA |
Data da Resolução | 23 de Novembro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
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RELATÓRIO Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. O MUNICÍPIO DE MELGAÇO vem interpor neste STA ação administrativa especial contra o Conselho de Ministros, pedindo a anulação dos atos administrativos constantes do D.L. nº 45/2014, de 20 de Março, que aprovou o processo de reprivatização da A………., assim como os constantes da Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de Abril que procedeu à alteração dos estatutos das empresas gestoras de sistemas multimunicipais de resíduos.
1.2. Citado o Conselho de Ministros veio o mesmo apresentar contestação nas quais se defende por exceção [incompetência do tribunal e falta de identificação dos contra-interessados] e por impugnação, pugnando pela procedência da exceção e improcedência do pedido, com consequente absolvição.
1.3. Notificado para os efeitos do art.87º do CPTA veio o Município de Melgaço defender a improcedência da exceção de incompetência do tribunal e identificar como contra-interessados a A……….. e Municípios de Caminha, Monção, Paredes de Coura, Valença do Minho, Vila Nova de Cerveira e B……….
1.4. Em 28.05.2015 foi proferido despacho saneador que julgou a jurisdição administrativa incompetente, em razão da matéria, para conhecer dos atos contidos no D.L. n.º 45/2014 absolvendo-se, nesse âmbito, os RR da instância tendo no mesmo despacho sido declarado o Tribunal competente para a apreciação e julgamento da presente ação quanto à anulação dos atos contidos na Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014.
1.5. Convidadas as partes a produzir as suas alegações, o Conselho de Ministros alega da seguinte forma: “1. A Entidade Demandada mantém tudo quanto referiu na sua contestação, quer no tocante à matéria de facto, quer ao direito.
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Aliás, a esse respeito, não deixa de ser significativa a circunstância de o Autor, na sua resposta às exceções, não ter logrado minimamente refutar as razões invocadas pela Entidade Demandada na referida contestação (sendo que, ademais, se absteve de produzir alegações), limitando-se a referir: “Relativamente ao alegado nos artigos 38.º a 106.º da contestação do Réu, o A. vem, por economia processual e para evitar repetições desnecessárias, reiterar tudo quanto alegou na petição inicial quando defende que estamos perante verdadeiros atos administrativos cuja legalidade deverá ser sindicada pelos Tribunais Administrativos, tal como, aliás, é devidamente sustentado no parecer jurídico junto com a petição inicial.” 3. Isto muito embora o Senhor Procurador-Geral Adjunto ter, aliás, emitido um longo e douto parecer, constante dos autos, em que conclui que «a jurisdição administrativa não é materialmente competente para conhecer da presente ação administrativa especial» e, de resto, essencialmente concordando com as razões invocadas pela entidade demandada em sede de defesa por impugnação.
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A posição do Autor implica uma inaceitável e, salvo o devido respeito, absurda inversão das regras de aplicação e hierarquia dos atos normativos no nosso ordenamento constitucional. Assim, para o Autor, aparentemente Lex priori derogat posterior e mais: lex generalis derogat legi speciali! 5. A reprivatização não é matéria subsumível às bases gerais do estatuto das empresas públicas (conforme indicia o próprio legislador constituinte, ao abordá-la separadamente, no artigo 293.º da CRP). Logo, não é, nem logicamente poderia ser, objeto de qualquer norma constante do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro.
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A operação de reprivatização em questão encontra, naturalmente, a sua habilitação legal na Lei-Quadro das Privatizações, aprovada pela Lei n.º 11/90, de 5 de abril, na versão resultante da Lei n.º 50/2011, de 13 de setembro (ao abrigo do disposto no artigo 293.º da CRP), a qual constitui uma lei de valor reforçado.
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O artigo 4.º da Lei-Quadro das Privatizações atribui expressamente ao Governo a competência para operar, por decreto-lei, a transformação em sociedade anónima das empresas públicas a reprivatizar, bem como para aprovar os respetivos estatutos; o artigo 14.º incumbe o Governo de aprovar, por resolução do Conselho de Ministros, as condições concretas de cada operação de reprivatização.
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A tese do Autor põe diretamente em causa o disposto no artigo 112.º, n.º 5, da Constituição, pois se apenas em assembleia geral de acionistas se pudesse proceder a uma alteração dos estatutos de uma empresa pública sob forma societária que foi criada por diploma legal, isso implicaria atribuir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, modificar os preceitos do próprio diploma legal.
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A tese de que, uma vez criada uma sociedade e aprovados os respetivos estatutos por decreto-lei, o poder jurisgénico se esgota, não tem o mínimo fundamento jurídico, desde logo por contrariar a regra lex posterior derogat legi priori – mesmo que o legislador, por absurdo, proibisse expressamente a alteração futura dos estatutos então aprovados por ato legislativo, uma tal norma seria impotente perante nova valoração político-legislativa da matéria, consubstanciada em norma que, apresentando nível hierárquico igual ou superior, a viesse derrogar ou revogar. Nem mesmo ao legislador constituinte originário se reconhece o poder de blindar absolutamente o Texto Fundamental contra incursões em sede de revisão constitucional (recorde-se que é pacificamente aceite que os limites materiais à revisão constitucional, estabelecidos no artigo 288.º, são superáveis mediante a chamada dupla revisão)! 10. Acresce que a suposta intenção de “blindagem” dos estatutos das entidades gestoras de sistemas multimunicipais contra alterações futuras não se acha minimamente expressa, ou sequer implícita, em qualquer dos respetivos atos legislativos, nem o Autor tenta sequer prová-lo.
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A distinção entre classes de ações, a que se agarra o Autor, pertence ao passado – trata-se de direito pretérito, pois foi revogada por leis posteriores. A interpretação contrária, propugnada pelo Autor, levaria a concluir que inexiste unidade ou coerência no ordenamento jurídico e que o legislador pretendeu criar uma paradoxal situação de coexistência de algo e do seu contrário. Para o Autor, o legislador ─ mediante atos jurídicos de igual valor normativo -, ao mesmo tempo que permite o acesso por privados à totalidade do capital social da Concessionária e que estabelece regras destinadas a alienar a privados esse mesmo capital, considera essa mesma alienação como ferida de nulidade! Tal interpretação não faz qualquer sentido.
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Do processo de reprivatização da A………. não resulta qualquer redução do papel dos municípios: estes, se assim o tiverem entendido, mantêm a sua participação social na concessionária, enquanto acionistas minoritários, com os mesmos direitos e deveres que tinham antes da reprivatização.
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Não há qualquer violação do princípio da autonomia local, pois a Constituição não só é totalmente omissa quanto à definição concreta das matérias de competência autárquica, excluída a indicação do artigo 65.º, n.º 4 (habitação e urbanismo), como rejeita a «ideia de responsabilidade autónoma na gestão de um universo de interesses próprios» na definição da autonomia local, segundo a fórmula do Acórdão n.º 107/2003 do Tribunal Constitucional. Ademais, no que respeita ao domínio dos resíduos (e da gestão de sistemas multimunicipais, cuja titularidade – recorde-se – é do Estado e apenas deste, independentemente das entidades concessionárias), o interesse local deve necessariamente ser articulado com o interesse público a nível nacional.
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Não se verifica, também, qualquer violação do princípio da confiança legítima e do dever de lealdade entre acionistas, pois desde há muito tempo que existem indícios consistentes da vontade do Governo implementar as medidas necessárias à abertura do sector dos resíduos ao sector privado, a saber: conjunto de diplomas legislativos a que o Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, vem dar seguimento, numa evolução legislativa que aturadamente descrevemos na contestação, que denota uma forte intencionalidade liberalizante, que se foi, aliás, acentuando progressivamente; a evolução geral no sentido de uma progressiva diminuição do peso do Estado na economia e da associação de entidades privadas à prossecução de fins que diretamente correspondem à satisfação de interesses públicos – objetivo aliás já enunciado explicitamente na Lei n.º 11/90, de 5 de abril (Lei-Quadro das Privatizações), há 25 anos atrás.
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O Autor, de resto, nem sequer prova ou mesmo invoca a verificação de qualquer comportamento do Estado apto a formar tal confiança, sendo que as meras crenças ou convicções psicológicas, não assentes em quaisquer factos concretos, não são aptas a dar origem a uma situação de confiança juridicamente protegida, como tem entendido pacificamente o STA.
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Aliás, dificilmente a reprivatização da A………. e da Concessionária afetaria qualquer posição de confiança do Autor, dado que estas em nada afetam a continuação da existência e da utilidade de quaisquer alegados investimentos passados, pelo que o Autor continuará a beneficiar deles nos mesmos termos em que o fez até aqui. Recorde-se que, após a reprivatização, o Autor continuará a ser acionista minoritário da Concessionária, com os mesmos direitos e deveres que tinha anteriormente.
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Acresce ainda que foi oferecida ao Autor e a todos os demais municípios acionistas a oportunidade, como acionistas, de exercer um direito de opção de venda das suas participações sociais em condições extremamente vantajosas, nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março – direito esse que o Autor entendeu por bem não utilizar. A violentação da confiança legítima só poderia ser ponderada se os sócios fossem obrigados a manter a sua posição jurídica na sociedade agora transferida para o setor privado, não podendo desvincular-se de um compromisso que teriam assumido em circunstâncias distintas. No presente caso, nenhum município...
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