Acórdão nº 0479/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução27 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: * 1.1.

A…………, Lda., impugnou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a deliberação de 03/12/2007 da Câmara Municipal de Ponte de Lima que indeferiu a reclamação graciosa, apresentada pela impugnante, contra os atos de liquidação da Taxa Municipal de Urbanização, no valor de € 26.163,74, e da Taxa ou “Compensação”, prevista no artigo 26.º, n.º 1, do Regulamento Municipal de Edificações do Concelho de Ponte de Lima, no valor de € 93.752,05, cobrados no processo de licenciamento de obras n.º 482/06.

* 1.2.

Aquele Tribunal, por sentença de 07/01/2016 (fls.365/399) julgou «procedente a presente impugnação, anulando a liquidação da Taxa Municipal de Urbanização e da Taxa de Compensação, cobradas à Impugnante no processo de licenciamento de obras n.º 482/06, com as legais consequências, incluindo a restituição de todas as quantias que a mesma pagou a esse título e acrescidas dos competentes juros indemnizatórios».

* 1.3.

Interpôs o Município recurso para este Supremo Tribunal terminando as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo: «1) Quando se pronuncia pela ilegalidade do Regulamento, a sentença em crise extravasa o seu próprio objecto, limitado à legalidade intrínseca do acto de liquidação e à sua desconformidade com a lei – que não se verifica.

2) Destarte, ao concluir pela ilegalidade do Regulamento – que não havia sido peticionada – bem como ao apreciar vícios exteriores e extrínsecos ao acto impugnado, a sentença a quo é nula por excesso de pronúncia, o que expressamente se deixa consignado.

3) A sentença a quo julga que ocorre vício de violação de lei (p. 29) porquanto o acto de liquidação da TMU se funda em regulamento ilegal, enfermando de vício de violação de lei.

4) Porém, em momento algum é alegada ou constatada a discrepância entre o acto de liquidação e o Regulamento – vício de lei algum ocorre.

5) O n.º 5 do art. 116º RJUE refere-se aos projectos de regulamento municipal, não ao regulamento municipal em si. Os requisitos de fundamentação do projecto de regulamento situam-se num plano a montante, não se integrando no próprio regulamento, e concernem o momento da sua apreciação e deliberação no órgão camarário respectivo.

6) À data dos autos, regiam as relações entre as partes dos autos o RJUE na sua versão do Decreto-Lei n.º 157/2006 (não sendo propriamente relevante a versão neste particular porquanto o art. 116º, n.º 5 se mostra inalterado), a Lei das Finanças Locais (LFL) aprovada pela Lei n.º 42/98 e apenas revogada a 1 de Janeiro de 2007 pela Lei n.º 2/2007 (NLFL).

7) O fundamento para a liquidação da TMU em questão constava do disposto na al. a) do art. 19º da LFL – Os municípios podem cobrar taxas por realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas.

8) As taxas criadas ao abrigo da LFL seriam apenas revogadas no início do segundo ano financeiro subsequente à entrada em vigor do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locas (Decreto-Lei n.º 53-E/2006, RGTAL) – vd. art. 17º RGTAL, regime transitório, tendo este entrado em vigor a 1 de Janeiro de 2007.

9) Destarte, a TMU em questão nos autos, criada na vigência da LFL de 98, mantinha-se plenamente em vigor à data da sua liquidação e do início do procedimento administrativo.

10) Ora, o RJUE apenas dispunha, no tocante ao conteúdo material dos regulamentos criados pelos Municípios, o constante do art. 3º, onde claramente se distinguia – n.º 1 vs n.º 3 – os regulamentos relativos a liquidação de taxas dos projectos dos regulamentos referidos no n.º 1.

11) O art. 116º, n.º 5 RJUE só para o primeiro – o projecto – conserva a necessidade de fundamentação nos termos expressos.

12) O projecto de regulamento não é um acto constitutivo criativo de taxa que deva balizar a sua liquidação, apenas servindo para efeitos de apreciação e discussão pública.

13) A criação da taxa dá-se aquando da aprovação pelos órgãos municipais e o conteúdo do regulamento que preveja a mesma não era, então, disciplinado por regulação alguma, pois até à aprovação do RGTAL, “[n]ada mais ficava dito quanto à fixação do conteúdo das taxas municipais pelo que os municípios podiam livremente conformar o regime como entendessem e liquidar e cobrar as TRIU que, de acordo com o regime livremente estabelecido, fossem aplicáveis ao caso concreto” — citamos Cláudia Reis Duarte e Mariana Coentro Ribeiro — Op. cit.

14) Assim, o Regulamento não teria que ter, à data dos eventos em apreciação, nenhum conteúdo particular em sede de fundamentação que ultrapasse aqueles que do mesmo constam conforme determinado por lei.

15) Não resulta demonstrado nos autos, conforme refere a sentença a quo que o projecto de regulamento não tivesse sido acompanhado de fundamentação de cálculo das taxas previstas. Não havendo factualidade provada a este ponto, não pode a sentença a quo dar como provada a inexistência da mesma fundamentação.

16) Na mesma medida, e subsidiariamente, mesmo que a mesma fundamentação não existisse, em momento algum se pode considerar que a sua falta constitua a falta de uma formalidade essencial de procedimento na medida em que não se mostram salvaguardados os interesse que se quiseram alcançar com a sua exigência legal.

17) Desde logo, porquanto não se mostra que tal formalidade tenha interferido na justa composição dos interesses representados no equilíbrio entre a taxa e a contrapartida pública. Tal equivaleria pura e simplesmente a fazer tábua rasa dos debates e das deliberações da Assembleia Municipal, com representantes eleitos pelo povo precisamente para representar o justo equilíbrio e o interesse público. Portanto, não se pode dizer que a falta de tal formalidade implique que tal debate não tenha sido realizado.

18) Subsequentemente, a falta de tal fundamentação seria um vício de procedimento respeitante ao projecto de regulamento a ser aprovado pelos órgãos municipais.

19) Tal vício nunca seria de molde a ferir de invalidade ou ilegalidade a obrigação aqui liquidada porquanto é um vício extrínseco a este acto servindo apenas para inviabilizar o acto administrativo de aprovação do Regulamento por deliberação de Assembleia Municipal ou prática de aprovação do mesmo pelo Presidente da Câmara – em processo autónomo, porém, de impugnação de acto administrativo e que não cabe nos presentes autos. Assim deveria ter a sentença a quo ter feito interpretação do direito, determinando o Regulamento como suficientemente fundamentado à luz da disciplina legal que o regulava.

20) Por outro lado, a compensação em substituição da cedência de áreas ao Município é fixada pelo Regulamento, sem qualquer condicionante especial conforme resulta do já supra alegado, pelo art. 26º do Regulamento, n.º 1 e 3.

21) Sucede que aos autos era aplicável o n.º 6 do art. 57º RJUE, não o seu n.º 5.

22) Ou seja, estando em causa pedidos de Licenciamento referentes a obras de construção, de ampliação ou de alteração em área não abrangida por operação de loteamento nem por plano de pormenor nos termos ali dispostos era aplicável o n.º 4 do art. 44º RJUE se a operação contemplasse a criação de áreas de circulação viária e pedonal, espaços verdes e equipamentos de uso privativo. Era o caso dos autos, conforme resulta dos elementos factuais elencados em corpo de texto da alegação.

23) Em momento algum da notificação para pagamento de compensação e da taxa correspondente é feita referência à sua base legal como sendo decorrente do art. 57º, n.º 5 RJUE mas sim como sendo decorrente do art. 26°, n.º 1 do Regulamento, o qual é aplicável nos termos que se vêm de descrever.

24) É irrelevante que o parecer técnico que serve de base ao indeferimento da reclamação graciosa refira o n.º 5 do art. 57º RJUE, quer porquanto está errado quanto ao fundamento do art. 26° do Regulamento, quer porquanto não vincula qualquer terceiro não sendo feita qualquer integração do seu conteúdo nos actos de vontade do Município.

25) Embora, formalmente, o objecto imediato da impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa seja a decisão da reclamação, o seu objecto real e mediato é o acto de liquidação e não o acto que decidiu aquela, sendo, pois, certo que são os vícios da liquidação e não do acto que decidiu a reclamação que estão, verdadeiramente, em crise.

26) O acto de liquidação encontra pleno acolhimento no RJUE, não diz respeito ao n.º 5 do art. 57º RJUE (e portanto não o ultrapassa nem é nulo por contrariar o seu disposto). Decorre da LFL e do poder regulamentar do Município expresso através do seu Regulamento concretizador das demais normas do RJUE assinaladas, em especial do art. 57.º, n.º 6, encontrando-se a sua conformação isenta de vício qualquer e, consequentemente, não enfermando a taxa de compensação liquidada ao recorrente de qualquer vício.

27) Por fim, não são devidos quaisquer juros indemnizatórios porquanto os serviços não cometeram qualquer erro, limitando-se a cumprir o que resultava estritamente do Regulamento.».

* 1.4.

A recorrida contra-alegou terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «I. Atendendo ao pedido formulado pelo A. na p.i, na causa de pedir em que o fez assentar, na decisão final proferida pelo tribunal a quo e na fundamentação que precedeu essa parte dispositiva, concluiu-se não ter incorrido aquele tribunal em qualquer excesso de pronúncia; II. Com os presentes autos, o A. pretendeu apenas e só impugnar a legalidade um acto tributário (liquidação de taxa municipal de urbanização da taxa ou “compensação” prevista no art. 26.º do RMEPL) praticado pelo R. com base em normas concretas do Regulamento Municipal referido, as quais contrariam frontalmente a lei; III. O que o A. pretendia era e é, naturalmente, a declaração de nulidade ou a anulação do acto impugnado e não a declaração de nulidade ou a anulação do RME com base no qual o acto em crise foi praticado, sendo que a impugnação da legalidade do acto tributário praticado pelo A. assenta em vícios internos...

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