Acórdão nº 01456/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução13 de Dezembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

A…………………… e Outros, devidamente identificados nos autos, instauram no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante «TAF/P»] a presente ação administrativa especial contra “MINISTÉRIO DA JUSTIÇA” [doravante «MJ»] - [DIREÇÃO-GERAL DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA” - «DGAJ], “INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP” [doravante «iS»] e “CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP” [doravante «CGA»], igualmente identificados nos autos, na qual, pela motivação inserta na petição inicial [fls. 05/61 dos autos], peticionam que fosse «anulado o ato emitido pela DGAJ corporizado no “Comunicado” de 24.01.2011, por padecer dos vícios supra descritos, e, cumulativamente, declarado que as funções de perito avaliador não constituem funções públicas, não se aplicando aos Autores o disposto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação».

1.2.

O «TAF/P», por acórdão de 11.12.2013 [cfr. fls. 338/354 - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os RR. do pedido.

1.3.

Os AA., inconformados, recorreram para o TCA Norte [doravante «TCAN»], o qual, por acórdão de 17.06.2016, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida [cfr. fls. 674/699].

1.4.

Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA os mesmos AA., de novo inconformados agora com o acórdão proferido pelo «TCAN», interpuseram, então, o presente recurso de revista [cfr. fls. 714/755], formulando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz: “...

QUESTÃO PRÉVIA - DA NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA A. Entendem os Recorrentes, antes de mais, que o douto acórdão recorrido é nulo, porquanto incorre em omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

  1. Ora, e como oportunamente se explicitou, não se pronunciou o Tribunal a quo sobre questões que devia ter apreciado, em concreto, sobre o conteúdo do Documento n.º 1 junto aos autos em sede de alegações de recurso, e cujo teor se revela determinante para formular uma decisão totalmente diferente daquela que resultou do acórdão recorrido.

  2. Como indicado, em sede de Recurso de apelação para o TCA Norte, os Recorrentes, além de terem exposto as razões de facto e de direito que sustentaram a sua pretensão, serviram-se do Despacho n.º 292/2013, subscrito pelo Exmo. Senhor Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, datado de 31.10.2013, que juntaram aos autos como Documento n.º 1.

  3. Com efeito, resulta desse despacho que a atividade dos peritos avaliadores não se encontra abrangida pelo disposto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação.

  4. Sucede que, perante esta factualidade, o acórdão recorrido nada disse.

  5. Pelo que se deverá concluir que, ao não considerar o disposto no despacho n.º 292/2013, bem como a sua junção aos presentes autos, incorreu o Tribunal a quo em omissão de pronúncia, à luz da já citada alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, pois não apreciou uma importantíssima questão que, sendo do seu conhecimento, deveria ter apreciado.

  6. Motivo por que arguem os Recorrentes a referida nulidade, para todos os devidos efeitos.

    DA FUNDAMENTAÇÃO PARA A ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA (…) DO MÉRITO DO RECURSO BB. Como decorre do acima explanado, importa antes de mais fazer referência ao âmbito de aplicação objetivo das normas em apreço, assim como da errada interpretação da lei em que incorreu o Tribunal a quo, ao considerar que a atividade exercida pelos peritos avaliadores consubstancia uma função pública remunerada para efeitos do que dispõem as disposições em questão.

    CC. Sem prejuízo do alegado pelos aqui Recorrentes nas duas primeiras instâncias quanto à autêntica natureza da atividade exercida pelos peritos avaliadores - que se trataria não de uma função pública, mas sim de uma forma de exercício de funções privadas de interesse público (de resto, este é também o entendimento da mais reputada doutrina nesta matéria; a este respeito, defende expressamente PEDRO GONÇALVES, em Entidades Privadas com Poderes Públicos, O exercício de Poderes Públicos de Autoridade por Entidades Privadas com Funções Administrativas, reimpressão da edição de Outubro/2005, Almedina, 2008, que a atividade de perito de encontra excluída do conceito de função pública) -, cumpre realçar a ratio legis inerente ao caso concreto.

    DD. Como bem reconheceu aliás o Tribunal a quo, o Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, que alterou os artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, representou um esforço do executivo governamental de então no sentido da implementação de medidas de controlo da despesa pública, com vista a garantir o equilíbrio das contas públicas.

    EE. É, aliás, o que consta do acórdão proferido pelo TAF do Porto, posteriormente reproduzido pela TCA Norte, ao indicar que «[...] o objetivo é o de eliminar a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação, vendo-se, assim, que o fito de tal mudança legal não é o de estabelecer mais uma forma de vinculação de servidores à função pública, mas sim a de regular a cumulação de pensões públicas com remunerações pagas pelos cofres do Estado …».

    FF. Ou seja, e conforme explicita o preâmbulo do diploma - que, de resto, foi devidamente citado na decisão recorrida -, «Para o efeito, o Governo decidiu adotar um conjunto de medidas de consolidação orçamental adicionais às previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010-2013 e às que venham a constar da lei do Orçamento de Estado para 2011 cujos efeitos se pretende que se iniciem ainda no decurso de 2010. Estas medidas representam um esforço adicional no sentido de assegurar o equilíbrio das contas públicas de modo a garantir o regular financiamento da economia e a sustentabilidade das políticas sociais. Neste contexto, as medidas adotadas concentram-se principalmente na redução da despesa de modo a reforçar e a acelerar a estratégia de consolidação orçamental prevista no PEC 2010-2013. […] Em quarto lugar, elimina-se a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação».

    GG. Desta feita, de uma análise cuidada e teleologicamente enquadrada do espírito subjacente à dita alteração legislativa, resulta evidente que o conceito de funções públicas remuneradas se reporta - apenas se pode reportar - à aceção mais restrita do termo, ou seja, ao conceito de função pública em sentido subjetivo.

    HH. Nos termos da melhor doutrina, aqui explanada nas doutas palavras de ANA NEVES («Direito da Função Pública», in Tratado de Direito Administrativo Especial, Coordenação Paulo Otero e Pedro Costa Gonçalves, Volume IV, Almedina, 2010), pode o conceito de função pública revestir dupla vertente.

    II. Por um lado, «Função pública, na aceção objetiva, significa uma atividade que é pública, no sentido em que é desenvolvida a favor da coletividade e segundo parâmetros próprios do serviço público, exigências que integram o conteúdo da relação jurídica de emprego dos que se obrigam ao seu exercício».

    JJ. Por outro lado, «No sentido subjetivo, designa o conjunto dos indivíduos que exerce uma atividade laboral, mediante remunerações e outros benefícios patrimoniais e sociais, para uma entidade pública, sujeitos a uma disciplina jurídica que compreende um mínimo denominador comum de regime jus-publicista, constitucionalmente delimitado (v.g., artigos 47.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, al. t), 266.º, n.º 2, e 269.º)».

    KK. Destarte, e tendo presente a razão de ser dos normativos em apreço, assim como a clareza com que esta nos é exposta pelo preâmbulo supra transcrito, apenas se pode concluir que o seu âmbito de aplicação se restringe à conceção subjetiva do conceito de funções públicas, ou seja, aos funcionários com vínculo de emprego público, LL. Porquanto é esta a única leitura que torna possível um cumprimento adequado e proporcionado dos propósitos a que se propõem tais disposições legais restritivas de direitos fundamentais dos cidadãos, quais sejam senão a introdução de medidas concretas com vista ao equilíbrio das contas do Estado.

    MM. E não se diga, como entendeu o Tribunal a quo, que pode o intérprete servir-se do enunciado normativo do n.º 3 do artigo 78.º do EA para balizar os potenciais destinatários das normas em consideração, isto sob pena de se operar com isso uma inversão lógica do elemento sistemático de interpretação.

    NN. É certo que o conceito de funções públicas do n.º 1 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, sobretudo depois da redação dada ao n.º 3 do mesmo artigo pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, parece apresentar um âmbito mais alargado; mas esse âmbito antecede e circunscreve o vasto leque das formas e tipos fixados no n.º 3.

    OO.

    Funções públicas não são por isso «todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração», pois não é este (não pode ser!) um conceito totalmente em branco que irá ser (todo ele) preenchido pela norma do n.º 3, como parece pressupor a sentença recorrida.

    PP. Caso assim não se entendesse, ou seja, considerando-se o conceito de funções públicas na sua aceção objetiva, estar-se-ia a vedar, por exemplo, o docente universitário jubilado de uma Universidade pública a exercer as funções de árbitro ou, bem assim, de emitir um parecer jurídico a uma entidade pública.

    QQ. O mesmo sucederia no caso dos juízes jubilados ou aposentados, quando chamados a partilhar os seus conhecimentos e com o Estado, latu sensu, através de pareceres jurídicos, ou de dar o seu contributo pessoal, fazendo uso da sua experiência, para o incremente dos meios alternativos de resolução de litígios, como a atividade de arbitragem.

    RR. Em suma, a previsão legal dos...

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