Acórdão nº 0705/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 31 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução31 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – A………….., SA, com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação por ela deduzida, contra o pagamento das taxas à Direção Geral de Alimentação e Veterinária para financiar o sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações, no valor global de € 75.486,57.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «1ª) Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela recorrente, e que, salvo o devido respeito, não poderá ser mantida.

  1. ) A sentença proferida é contraditória relativamente a outras sentenças proferidas pelo mesmo Tribunal quanto à mesma questão de direito, nas quais foram os pedidos formulados julgados totalmente procedentes e, consequentemente, anuladas as liquidações das taxas impugnadas e restituídos os montantes pagos.

  2. ) A criação do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações” (SIRCA) teve em vista, na sequência dos diplomas legais que interditaram que fossem enterrados animais mortos nas exploração das espécies bovina, ovina, caprina e suína, assegurar a recolha daqueles animais nas explorações com vista à sua eliminação e de forma a salvaguardar a segurança alimentar, a saúde pública e a protecção do ambiente.

  3. ) Desta forma, a SIRCA consistia, nos termos Decreto-Lei n.º 244/2003, de 7 de Outubro, num serviço prestado a quem apresentasse os animais para abate, isto é, aos titulares de explorações que se dedicam à pecuária pelo que, consequentemente, era também sobre estes que, naturalmente, recaía a obrigação de proceder ao pagamento do respectivo serviço por via de uma taxa, cobrada através dos estabelecimentos de abate apenas por uma questão de eficácia na cobrança da taxa.

  4. ) O Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações visava, como é comum num estado de direito, que apenas os beneficiários do sistema — produtores de gado — contribuíssem para o seu próprio financiamento, mediante o pagamento de uma taxa.

  5. ) Sucede que, o Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, veio revogar o previsto no Decreto - Lei 244/2003 no que respeita ao regime de financiamento, tendo sido radicalmente alterado o paradigma da responsabilidade pelo pagamento da taxa devida, o qual passou a recair sobre quem dela não retira qualquer benefício: os estabelecimentos de abate.

  6. ) O legislador transformou a taxa em causa num verdadeiro imposto, porquanto, conforme resulta demonstrado, os beneficiários do SIRCA são apenas os respectivos produtores e apresentantes dos animais e não os estabelecimentos de abate.

  7. ) Acresce que, a “Taxa TSAM” nada tem que ver com a “Taxa SIRCA”, cujos pressupostos e finalidade se afiguram totalmente distintos daquela taxa.

  8. ) No caso da “Taxa TSAM”, o valor da taxa paga pelos estabelecimentos comercias sobre os quais a mesma incide, é visto como uma contrapartida da segurança e de qualidade alimentar que os próprios titulares desses estabelecimentos têm que garantir no tocante aos produtos que comercializam e que aquela contribuição lhes vai proporcionar e, portanto, existe em seu próprio beneficio.

  9. ) A recorrente assume-se como uma mera prestadora de serviços, cuja actividade se dirige essencialmente à prestação de serviços de abate de animais a terceiros — os apresentantes dos animais, esses sim, verdadeiros beneficiários do sistema em questão — o que a distingue daqueles que são produtores, distribuidores ou comerciantes de géneros alimentícios, nomeadamente de origem animal, e que, nessa medida, beneficiam da garantia de segurança e qualidade alimentar desses produtos resultante da actividade a que tais contribuições se destinam.

  10. ) Mais se diga que os beneficiários da recolha dos animais mortos são apenas os respectivos produtores e apresentantes dos animais e não os matadouros, uma vez que a ausência de qualquer infecção permite que os produtores e apresentantes dos animais os possam comercializar. Contrariamente, infectados ou não, os matadouros procedem sempre ao seu serviço, a única diferença é que o animal enfermo não entra no circuito comercial com directo prejuízo para o apresentante do animal e não para o matadouro, que cobra sempre o seu serviço de abate.

  11. ) Diversamente, do que sucede na Taxa de Segurança Alimentar Mais, em que o diploma procurou assegurar uma equitativa repartição dos custos dos programas de controlo, na medida em que vários operadores da cadeia alimentar são beneficiários, na Taxa SIRCA, estranhamente, a taxa é cobrada apenas aos matadouros, em clara violação do princípio do “utilizador pagador”.

  12. ) Nos termos do artigo 9.° do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, e do n.º 3 da Portaria n.º 215/2012 de 17 de Julho, a Taxa de Segurança Alimentar Mais abrange sociedades comerciais com lojas de grande dimensão, propriedade de grandes grupos económicos, como por exemplo a “………..” ou “………..”, que podem facilmente incorporar a TSAM nos seus custos.

  13. ) Ao contrário do que sucede com os estabelecimentos de abate que são incapazes de suportar taxas estranhas a sua actividade específica, comprometendo a sua sobrevivência, o que originará um número elevado de desempregados.

  14. ) O facto de os titulares de explorações que tenham capacidade de recolha, transporte e destruição ficarem isentos da taxa de financiamento do SIRCA demonstra igualmente, de forma inequívoca, como os únicos beneficiários daqueles serviços são os titulares de explorações que não procedam directamente à recolha e transporte de cadáveres e, por isso mesmo, têm que recorrer aos serviços do Estado, suportando, por isso, o pagamento da respectiva contrapartida monetária.

  15. ) Existem outras taxas impostas aos matadouros em que há efectivamente uma contrapartida específica, e em que estes, por isso, enquanto beneficiários da actividade desenvolvida, pagam as respectivas taxas sanitárias e taxas de controlo oficial, o que lhes permite a prossecução da actividade industrial e comercial a que se dedicam.

  16. ) A taxa devida pelo financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações (SIRCA), quando imposta aos estabelecimentos de abate, consubstancia um imposto e não uma taxa ou qualquer outra contribuição financeira.

  17. ) Com efeito, atentas as características reconhecidas à taxa enquanto tributo, conclui-se que não estamos, in casu, perante a liquidação de qualquer taxa, porquanto a quantia exigida à ora Impugnante não é devida por qualquer prestação de um serviço público, pela utilização de um bem do domínio público, nem pela remoção de um obstáculo jurídico.

  18. ) Na verdade, para que a SIRCA fosse susceptível de continuar a ser qualificada como uma taxa teria que ser possível identificar um vínculo de correspectividade entre o pagamento da mesma e a prestação efectuada pelo Estado. Ora, se essa sinalagmaticidade existia enquanto a SIRCA era cobrada àqueles que dela beneficiavam (os detentores de animais), desapareceu a partir do momento em que com o Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, passaram os estabelecimentos de abate de animais a figurar como seus sujeitos passivos.

  19. ) Destarte, para que o montante cobrado seja uma taxa, a mesma terá, necessariamente, que incidir sobre os titulares de explorações (os beneficiários) e não sobre os estabelecimentos de abate (terceiros), pelo podemos afirmar que estamos perante um verdadeiro imposto e não qualquer taxa.

  20. ) É então, mister afirmar que as liquidações impugnadas são ilegais, na justa medida em que violam o disposto no n.º 2 do artigo 4.º da LGT.

  21. ) Ora, ao tratar-se de um imposto, acontece que os impostos obedecem ao princípio da legalidade tributária, consagrado no n.º 2, do artigo 103.º, da CRP, de acordo com o qual, “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.” 23.ª) A criação de impostos é da exclusiva competência legislativa reservada da Assembleia da República, pelo que a lei a que se refere o referido n.º 2 do artigo 103.º da CRP é, em princípio, uma lei da AR, só podendo tratar-se de Decreto-Lei quando houver uma autorização concedida ao Governo.

  22. ) Sucede que o Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro foi aprovado nos termos do artigo 198.°, n.º 1, alínea a), da CRP, ou seja, como se a matéria em causa fosse de competência não reservada da Assembleia da República, pelo que são organicamente inconstitucionais as normas constantes do Decreto-Lei n.° 19/2011, de 7 de Fevereiro, designadamente o seu artigo 2.°, n.º 1, na medida em que procede à criação de um imposto sobre os estabelecimentos de abate em desrespeito pelos supramencionados comandos constitucionais.

  23. ) Isto posto, a Constituição reconhece aos cidadãos o direito a não procederem ao pagamento dos impostos, não só no caso de os mesmos terem sido criados de forma inconstitucional, ou seja, quando não foram criados pela Assembleia da República, ou mediante autorização desta, mas igualmente quando a sua liquidação e cobrança não sejam feitas “nas formas prescritas na lei”.

  24. ) Pelo que, em face de tudo o exposto são ilegais os actos de liquidação da denominada “Taxa para financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações” que a Recorrente liquidou à Recorrida, no montante de EUR. 67.396,12 (sessenta e sete mil e trezentos e noventa e seis euros e doze cêntimos), razão pela qual não pode ser mantida a sentença proferida pelo Tribunal” «a quo.» 2 – A entidade recorrida, o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas IP, veio apresentar as suas contra alegações, com o seguinte quadro conclusivo: «A. A Recorrente na impugnação judicial objeto dos presentes autos «impugna os actos de autoliquidação de quatro “taxas para financiamento do Sistema de Recolha de...

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