Acórdão nº 01377/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução18 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo: O Município do Porto interpôs esta revista do acórdão do TCA-Norte que, revogando anterior pronúncia absolutória do TAF da mesma cidade, declarou nulo o acto camarário que licenciara a construção de uma moradia num determinado lote – de modo que o aresto julgou assim procedente a acção administrativa especial que A…………, identificado nos autos, movera ao aqui recorrente e ao contra-interessado B…………, beneficiário do licenciamento.

O recorrente findou a sua alegação de recurso enunciando as conclusões seguintes: A. As questões em apreço no presente recurso, pela sua relevância jurídica e social, revestem-se de importância fundamental.

  1. As questões que em concreto se suscitam são de índole processual e substantiva.

  2. Numa perspectiva processual o Tribunal recorrido aplica o direito a uma realidade que não corresponde à matéria de facto dada como provada pelo tribunal de primeira instância e por ele integralmente aceite, sem reservas, condições ou modificações, violando deste modo, de forma grave e clamorosa, as normas previstas nos artigos 659.º, n.ºs 2 e 3 e 676.º, n.º 1 do CPC de 1961 (actuais 607º, nº 3 e 627º, n.º 1).

  3. A respeito da impugnação da matéria de facto, o Tribunal nada disse, é totalmente omisso.

  4. O acórdão recorrido, sem se pronunciar sobre a questão da inadmissibilidade do recurso interposto pelo Autor quanto à matéria de facto por não cumprimento do artigo 685º-B do CPC de 1961, conheceu do recurso como se tivesse pronunciado e aceite o alegado a tal propósito pelo Autor, sem contudo alterar sequer a matéria de facto dada por provada pela primeira instância.

  5. O Direito, designadamente o artigo 52º n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 445/91 de 20 de Novembro, foi, na verdade, incorrectamente aplicado pelo Tribunal a quo aos factos provados, uma vez que levou em linha de conta, na apreciação que fez dos pressupostos em questão, factos que não constam da matéria de facto provada.

  6. Como se não bastasse, Tribunal a quo conheceu de uma questão nova.

  7. O TAF do Porto, na douta sentença a fls 920 a 926 dos autos, não conheceu em parte alguma da questão de saber se a moradia licenciada respeita ou não a cércea alegadamente prevista no alvará de loteamento, sendo que tal questão apenas foi suscitada pelo Autor, ora Recorrido, nas alegações de recurso.

    I. Como decorre da jurisprudência unânime dos tribunais superiores, em sede de recurso o tribunal não pode conhecer de questão nova, ou seja, questão que não tenha sido objecto da sentença pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores pelo que o Tribunal a quo violou, de forma grave, o disposto no artigo 676.º, n.º 1 do CPC (actual 627.º, nº1) J. Do ponto de vista substantivo está em causa no presente recurso: i) A apreciação que o Tribunal a quo faz de determinados conceitos urbanísticos - a saber cércea, número de pisos e altura total de construção - para efeitos de verificação se o acto de licenciamento de uma edificação viola as prescrições do alvará de loteamento em vigor para o lote que se insere.

    ii) Está, ainda, em discussão a interpretação do artigo 36.º, n.º 5.º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, e a teoria dos actos administrativos implícitos.

  8. O Tribunal recorrido confunde os conceitos urbanísticos de cércea, número de pisos e altura total de construção, tratando os mesmos como se houvesse coincidência entre eles, o que não é verdade.

    L. No sentido de que os conceitos de “altura total da construção” e “cércea” são distintos pronunciaram-se, aliás, quer este Supremo Tribunal, no acórdão de 15.05.2013 (processo n.º 0333/12) quer o Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão de 07.12.2011 (processo n.º 04416/08).

  9. O acórdão recorrido parte da definição de “altura total da construção” tal como definida no Manual da DGOTDU «Vocabulário Urbanístico da DGOTDU» (edição de 2000 e de 2004) e aplicou esse conceito para averiguar se o acto de licenciamento em apreço violava a cércea permitida pelo loteamento, quando, como é bom de ver, do mesmíssimo Manual da DGOTDU consta um conceito de “cércea” que não se confunde com o de “altura total da construção”.

  10. O Tribunal a quo não teve em consideração o disposto no artigo 5º do RPDM de 1993 relativamente à cércea, nem a definição deste conceito constante da alínea k) do n.º 2 do artigo 1º do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização do Porto, incorrendo em violação grosseira destes normativos.

  11. O acórdão em crise não teve, também, em conta o estabelecido no n.º 1 do artigo 65.º do RGEU quanto ao pé-direito regulamentar a cumprir pelas habitações para que se considerar uma construção como “habitável” e ignorou a relevância deste aspecto para a integração do conceito de “piso”.

  12. O acórdão recorrido optou por uma interpretação baseada no “bom senso e na experiência comum” na densificação do conceito de “piso”, ignorando, ainda, pelo menos a título de auxiliar interpretativo, a definição de tal conceito que consta do Decreto Regulamentar n.º 9/2009, quadro 2, ficha n.º 52.

  13. O loteamento em apreço nos autos não estabelece qualquer restrição quanto à área de construção admitida — havia apenas uma área de construção pensada de 270m2 — pelo que não poderia concluir-se, sem mais, como fez o acórdão recorrido, que tendo sido licenciada uma área de construção de 275m2, o acto que aprovou o licenciamento é nulo por violar as prescrições do alvará de loteamento.

  14. Estando em causa a violação pelo acto de licenciamento da área de construção admitida pelo loteamento, numa discrepância de 5 metros de área licenciada, o Tribunal recorrido entendeu, ainda, que a mesma não era subsumível à percentagem de 3% prevista no n.º 5 do artigo 36º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro.

  15. O Tribunal recorrido louvou-se num acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 13.01.2005, recurso n.º 0294/2005, ao qual aderiu acriticamente, sem que se perceba sequer o que dele pretende retirar, mas que não é transponível para os presentes autos, porquanto se reporta a uma situação totalmente distinta.

  16. Sem qualquer justificação, o Tribunal a quo adoptou um entendimento absolutamente diferente do que foi acolhido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15.10.2009, a propósito do artigo 27.º, nº 8 do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, de conteúdo idêntico ao do aludido artigo 36º, n.º 5, em tudo transponível para o caso em apreço.

  17. O Tribunal recorrido afastou-se, também, da jurisprudência reiterada e consolidada sobre a teoria dos actos administrativos implícitos sufragada por este Supremo Tribunal de que é exemplo o acórdão deste Supremo Tribunal de 18.12.2002, processo n.º 047988.

    V. É inegável que o presente recurso versa sobre matérias de assinalável relevância e complexidade, conceitos técnico-jurídicos fundamentais do urbanismo, com especial relevância para a comunidade, tendo em conta o impacto que, como é sabido, a actividade de construção tem para a sociedade e para a economia.

  18. Estão em causa questões susceptíveis de gerar controvérsia relativamente a futuros casos do mesmo tipo, extravasando a utilidade da decisão os limites do caso concreto das partes envolvidas no presente litígio.

    X. O Tribunal Recorrido cometeu um erro ostensivo, palmar e manifesto na aplicação do direito ao caso concreto.

  19. Tudo pelo que deverá ser admitido o presente recurso de revista, por se encontrarem preenchidos os pressupostos tipificados na lei para a sua admissão, nos termos do artigo 150º do CPTA.

    II Do recurso propriamente dito Z. Estão preenchidos os pressupostos tipificados na lei para a admissão do presente recurso, nos termos do artigo 150º do CPTA.

    AA. O acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 659.º n.ºs 2 e 3, 668, n.º 1, alínea d), 676º, n.º 1 685.º-B, do CPC de 1961 (607°, n.ºs 3 e 4, e 615º, n.º 1 alínea d), 627.º, n.º 1, 640.º do actual CPC), artigo 65.º do RGEU, artigos 2.º, n.º 3 e 5º, n.º 2 Regulamento do PDM de 1993, artigo 52.°, nº 2 alínea b) do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, bem como o artigo 36.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro e faz uma errada aplicação do direito aos factos, como se demonstrará.

    BB. O Autor, ora Recorrido, nas alegações de recurso que apresentou perante o Tribunal recorrido, apontou ao TAF do Porto um erro quanto ao julgamento da matéria de facto, mas não cumpriu materialmente com o preceituado no artigo 685.º - B do CPC de 1961, não referindo, nem nada alegando para o demonstrar, quais os concretos pontos da matéria de facto que entendia terem sido incorrectamente julgados, com referência aos concretos meios de prova que impunham um julgamento diferente. Isto mesmo foi alegado pelo ora Recorrente nas contra-alegações que apresentou - cfr. respectivas conclusões D a F.

    CC. É inquestionável que os factos provados e a que deverá ser definitivamente aplicado o direito são aqueles que constam discriminados nas alíneas A) a EE) dos factos provados constantes de páginas 15 a 21 do douto acórdão recorrido.

    DD. O douto acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão da admissibilidade ou não do recurso da sentença quanto à matéria de facto, o que o inquina de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668, n.º 1, alínea d) do CPC de 1961 (actual 615º, n.º 1 alínea d) do CPC).

    EE O douto acórdão recorrido, sem alterar uma vírgula que seja da matéria de facto provada, toma em consideração factos que não foram, de todo, dados como provados, aplicando o direito a uma realidade que não corresponde à matéria dada como provada.

    FF. O acórdão recorrido viola, assim, de forma grave e clamorosa a norma prevista no artigo 659.º n.ºs 2 e 3, do CPC de 1961 (actual 607.º, n.ºs 3 e 4).

    GG. O Tribunal de primeira instância teve um contacto directo e imediato com a situação de facto subjacente aos autos, tendo emitido uma fundamentação da matéria...

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