Acórdão nº 01330/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GON
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA: RELATÓRIO 1.1.

O Director-Geral da Autoridade Tributária vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 29/6/2016, no processo que aí correu termos sob o nº 07015/13 e em que se julgou improcedente a impugnação para esse TCA interposta do acórdão proferido no processo arbitral (CAAD) nº 2212013-T, em que fora impugnante arbitral a A……………, S.A., com os demais sinais dos autos.

1.2.

Alegou para o efeito, concluindo nos termos seguintes: 1. O presente recurso de revista vem interposto do Douto acórdão proferido em conferência pelo TCA Sul em 29-06-2016; 2. Salvo o devido respeito, que é muito, entende a ora Recorrente que esse acórdão procedeu a uma errada aplicação do Direito, devendo esse Supremo Tribunal intervir em Revista, pois que se verificam os pressupostos previstos na lei para o efeito.

  1. A Revista cuja admissão se solicita é interposta porquanto é necessário aferir se, contrário ao entendimento do TCA Sul, existe, de facto, conforme argui a Recorrente, contradição entre a fundamentação de direito sustentada pelo Tribunal arbitral e a decisão que veio a tomar, a qual, a verificar-se, conduz irremediavelmente ao vício de nulidade.

  2. É também necessária a Revista a fim de ser possível aferir se, ao contrário do entendimento firmado pelo TCA Sul, existe, de facto, violação do princípio do contraditório, ou se padece de vício de pronúncia indevida, ou ainda se é nulo por ter ocorrido em omissão de pronúncia.

  3. In casu, o vício de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão constitui um vício da estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas — de facto e de direito — e a conclusão.

  4. A jurisprudência tem-no vindo a explicitar, como aconteceu no Acórdão de 11/4/2002 do Supremo Tribunal de Justiça, onde se diz: «a nulidade da oposição entre os fundamentos eu decisão (art. 668º, nº 1, alínea c) do CPC) está relacionado, por um lado, com a obrigação imposta pelos artigos 158º e 659º, nºs 2 e 3, do CPC, de o juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a consequência ou conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor)».

  5. Na parte decisória do acórdão impugnado junto do TCA, foi decidido que: «Pelos fundamentos, de facto e de direito, supra expostos, decide-se julgar procedente o pedido principal da Requerente, decidindo pela anulação da decisão do recurso hierárquico e a respectiva liquidação de IRC e Derrama, com as consequências legais de restituição dos valores liquidados pela requerente acrescidos dos juros indemnizatórios, nos termos da presente decisão arbitral. Fica, pois, prejudicado o conhecimento de todos os pedidos subsidiários formulados pelo requerente», decidindo-se, pois, no acórdão arbitral impugnado pela anulação da liquidação de IRC e derrama.

  6. Salvo o devido respeito, os fundamentos apresentados no acórdão — e isso, atenta a matéria de facto dada como provada, bem como a matéria de direito enunciada —, não suportam uma decisão de anulação total da liquidação de IRC e derrama de 2007 da contribuinte.

  7. A questão de direito a apreciar nos autos como sendo: «saber se a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, entre o tratamento dos lucros quando estes são distribuídos por uma sociedade não residente ou em Portugal ou num Estado-Membro da União Europeia é (in)compatível com a liberdade de circulação de capitais previsto no artigo 63° do Tratado sobre o funcionamento do União Europeia (TFUE), por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes».

  8. Analisando essa questão, dizia-se, em síntese, no acórdão impugnado: - Da letra do artigo 46º, n 1 do CIRC parece resultar prima facie uma limitação à aplicação do mecanismo da dupla tributação económica à situação sub judice por a sociedade tunisina não ter residência em Portugal ou num Estado-membro.

    - Que essa a aplicação do artigo 46º nestes termos representa, “à primeira vista”, uma violação da liberdade de circulação de capitais (artigo 63º do TFUE).

    - A sustentação de que, de facto, a não aplicação do artigo 46º, nº 1 do CIRC aos dividendos distribuídos pela sociedade tunisina corresponde a uma situação de discriminação intolerável face à livre circulação de capitais pressupõe a) que o artigo 63º do TFUE seja aplicável a essa situação; b) que, sendo-o, não seja aplicável a “cláusula de reserva”; c) que não haja uma justificação válida para essa discriminação.

    - Quanto ao “primeiro pressuposto”, entendeu-se no acórdão arbitral impugnado «que o artigo 46º do CIRC é claramente abrangido pela circulação de capitais, pelo que a recusa de um Estado em conceder eliminação da dupla tributação a dividendos de origem na Tunísia (...) constitui discriminação».

    - Quanto ao “segundo pressuposto”, entendeu-se no acórdão arbitral impugnado que a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 64º do TFUE, na situação em apreço, não era susceptível de ser aplicada (e isso, diz-se no Acórdão, atenta a existência e o teor do Acordo Euro-Mediterrânico celebrado coma Tunísia, maxime o teor do respectivo artigo 34º e porque o artigo 89º do mesmo Acordo “não põe em causa a liberdade de circulação de capitais quando estejam em causa investimentos directos, assegurando antes reciprocidade na protecção desta liberdade, em concordância com o espírito do próprio acordo).

    - Quanto ao “terceiro pressuposto”, entendeu-se no acórdão arbitral impugnado que não podia ser aceite “a razão invocada pela Autoridade Tributária para justificar a restrição à liberdade de circulação de capitais ao abrigo de razões de interesse geral (artigo 65º do TFUE - concretamente facilitar os controlos fiscais”.

  9. Concluindo-se, face a isso, a fundamentação de direito do acórdão impugnado que «Deste modo, atento o que ficou exposto, procede o vício de violação de lei alegado pela Requerente, por incompatibilidade do nº l do artigo 46º do CIRC com o artigo 63º do TFUE, na parte em que restringe a eliminação da dupla tributação económica através da isenção dos dividendos aos sujeitos passivos residentes em Portugal, Estados-Membros da União Europeia ou Estados do EEE, com a consequente anulação dos atos tributárias objeto de pronúncia arbitral. O artigo 63º do TFUE impõe, portanto, a um Estado-Membro que aplique um sistema de eliminação da dupla tributação económica aos dividendos pagos a residentes por sociedade residente que garanta tratamento equivalente aos dividendos pagos a residentes por sociedades residentes na Tunísia. A proibição enunciada por esse artigo é clara e incondicional, não necessita de nenhuma medida de execução e confere aos particulares direitos que estes podem invocar em juízo. Consequentemente a Autoridade Tributária tem de reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União Europeia».

  10. Considerando os fundamentos de direito enunciados, bem como os fundamentos factuais descritos nas alegações supra da decisão arbitral impugnada — para cuja leitura se remete —; atendendo a que, em conformidade com o acórdão arbitral impugnado, os dividendos pagos à sociedade residente em Portugal (A………, requerente arbitral), pela sociedade residente na Tunísia (B………………, subsidiária daquela), terão sido de € 902.930,54; e que tais dividendos (ou “lucros distribuídos pela B………… à Requerente”) «corresponderam a um IRC e derrama Municipal de, respectivamente, € 225.732,64 e € 13.543,96, o que perfaz um valor total de € 239.276,60», então a única consequência ou a única conclusão lógica teria de ser a correcção do acto tributário nesse preciso montante.

  11. O que importaria, em execução do acórdão, somente a “restituição” desse quantitativo (€ 239.276,60) à contribuinte, além dos juros indemnizatórios inerentes.

  12. Porque inexistia naquela decisão arbitral fundamentação que permitisse uma anulação total do acto tributário aí impugnado, é manifesto que os fundamentos invocados pelos juízes não eram susceptíveis de conduzir ao resultado expresso na decisão, havendo, por isso, um efetivo vício no raciocínio do julgador, isto é, ou melhor, uma real contradição dos fundamentos com a decisão, o que importava a nulidade da decisão impugnada e a procedência da impugnação arbitral interposta junto do TCA Sul.

  13. Andou mal o TCA Sul ao decidir não dar provimento à invocada nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão, porquanto não é possível estabelecer uma correspondência útil, lógica, entre os fundamentos e a decisão.

  14. Também se se considerar ainda uma outra nulidade invocada, interligada com a presente, a de pronúncia indevida, dado a contribuinte, ora Recorrida, em sede de pronúncia arbitral, nunca ter requerido a anulação da liquidação de IRC e derrama municipal do ano de 2007, se obtém a mesma conclusão.

  15. Para além da fundamentação da decisão arbitral somente permitir a anulação parcial do acto de liquidação de IRC e derrama municipal, na parte em que o mesmo violou o direito da União Europeia, e que, como se explicou supra, importava somente na obrigação de restituir à contribuinte o valor de € 239.276,60, também nunca a contribuinte requereu a anulação do acto de liquidação de IRC e derrama de 2007.

  16. Deste modo, o único encadeamento lógico in casu seria o de decidir apenas a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, mas deixando incólume o acto de liquidação sub judice.

  17. Mas, a não ter sido assim decidido — como não foi —, ou seja, a ter o Tribunal arbitral conhecido de um pedido que, claramente, não lhe foi solicitado, ainda assim só poderia ter declarado nulo aquele acto de liquidação no limite e respeito da fundamentação por si urdida e que serviu de sustentáculo aos respectivos segmentos decisórios...

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