Acórdão nº 0617/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução22 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

O Partido Socialista (PS), devidamente identificado nos autos, veio interpor junto deste Supremo Tribunal acção administrativa especial contra a Assembleia da República (AR), pretendendo que fosse “anulado o despacho da Presidente da Assembleia da República (PAR), que indeferiu definitivamente as pretensões do Autor em relação à fixação do valor da subvenção a que tinha legalmente direito por força dos resultados obtidos nas eleições autárquicas realizadas em 29 de setembro de 2013”, devendo, além disso, “Ser a ré condenada a pagar ao Autor o valor de 3.258.332,83 €, acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável às dívidas do Estado” (fl. 26 da p.i.).

1.1.

O cerne da questão controvertida prende-se com uma divergência quanto ao exacto montante da subvenção estatal a pagar ao PS relativa à campanha para as eleições autárquicas de Setembro de 2013. A divergência quanto ao montante, por sua vez, assenta numa distinta interpretação do quadro legal aplicável, em especial, da norma que veio estabelecer um corte de 20% (ou, talvez melhor, um aumento de 10% para 20%) na subvenção das campanhas eleitorais, bem como no limite das despesas de campanha eleitoral.

1.2.

De forma mais concreta, na sua p.i., o A. informou que em 15.10.13 solicitou “o adiantamento do montante correspondente a 50% do valor estimado para a subvenção pública a que tinha direito” (fl. 9).

Em resposta a essa solicitação, a Secretária-Geral da Assembleia da República fixou o valor do adiantamento previsto no n.º 7 do artigo 17.º da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (LFPPCE – Lei n.º 19/2003, com as sucessivas alterações) em € 6.961.807,90, montante que foi pago por transferência bancária em 13.12.13 (fls 9 e 32). O montante que ficou em dívida, no valor de € 6.555.113,47, foi pago, igualmente por transferência bancária, em 27.12.13 (fls 9 e 36). Ao todo foi transferido o montante total de € 13.516.113,47 (fl. 9). Por conta de acertos que foram ulteriormente feitos, ainda foram pagos, em dois momentos distintos, as quantias de € 335.369,50 e € 34.712,46 (fl. 10).

O A. defendeu, porém, que “o valor da subvenção estatal a que [o Autor] tem direito é outro” (fl. 10). Com efeito, argumentou que o valor total da subvenção que legalmente lhe é devida seria de € 17.145.336,16, apenas tendo recebido da AR o montante de € 13.887.003,33, pelo que entende ter sido “lesado num valor de € 3.258.332, 83”. Acrescentou ainda que o valor que lhe foi atribuído “representa uma redução de 36% no valor da subvenção pública, contrariamente à redução de 20% prevista expressamente no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 1/2013, de 3 de janeiro” (fl. 10).

Inconformado, o A. reclamou junto da Secretária-Geral da AR, nos termos dos artigos 161.º e ss. do CPA, “entidade [que] presumidamente exerceu, por delegação, a competência de S. Exa. a Presidente da Assembleia da República nesta matéria (…), tendo sido esta que deu instruções aos serviços da Assembleia da República para calcular e processar os valores das subvenções recebidas pelo Autor a coberto das mensagens de correio electrónico de 27 de dezembro de 2013” (fl. 11).

Em 13.01.14, o A. tomou conhecimento do ofício da Secretária-Geral da AR, no qual se informava que a sua reclamação tinha sido reencaminhada ao Conselho de Administração da Assembleia da República. Teve de igual modo conhecimento de que este último se considerou incompetente para resolver a questão controvertida, por considerar a[s] mesma[s] “eminentemente jurídicas”. Por esse motivo, o Conselho de Administração da AR “deliberou submeter a reclamação apresentada pelo Autor a parecer da Senhora Auditora Jurídica da Assembleia da República”, parecer de que o A. alega não ter tido conhecimento (fl. 12).

Em 02.04.14 o A. foi informado pelo Secretário-Geral da AR de que a reclamação por si apresentada em 08.01.14 “havia já sido apreciada diretamente pela S. Exa. a Presidente da Assembleia da República, tendo esta, por despacho exarado em 28 de março de 2014, indeferido, com a fundamentação aí expendida, o pedido do Autor – (…) sendo este o ato que ora se impugna no presente processo” (fls 51 e 52).

1.3.

Cabe salientar que já depois da entrada da presente AAE neste Supremo Tribunal foram exarados três novos despachos pela PAR, todos eles concernentes à questão da subvenção eleitoral em causa. Assim, além do despacho de 28.03.14, que se pretendia inicialmente impugnar, surgiram em momento posterior os despachos de 18.06.14, de 24.06.14 e, por fim, o de 10.09.14.

  1. Com data de 28.01.15, foi proferido despacho saneador, tendo sido declarada extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide decorrente da perda de objecto do processo”. Desse despacho foi interposta reclamação para a conferência, tendo sido decidido, por acórdão de 21.05.15, que, estando vigente um despacho da Presidente da Assembleia da República (PAR) – o despacho de 10.09.14 – “que reitera o indeferimento da pretensão do autor”, os autos deverão prosseguir. Como aí se diz, “basta que um acto ainda vigente na ordem jurídica se oponha à obtenção de consequências vantajosas, no caso, para o reclamante, para que tenha sentido o prosseguimento dos autos para o reconhecimento do mérito da causa. Por tudo o exposto, justifica-se o prosseguimento da lide, uma vez que a sua utilidade se mantém enquanto houver pelo menos um acto cuja legalidade seja questionada e cuja eventual expulsão da ordem jurídica vise proporcionar a tutela efectiva dos direitos e interesses daqueles a quem o mesmo atinge”.

    Em consonância com o decidido, foi revogado o despacho saneador e foram as partes convidadas a produzir alegações, nos termos do n.º 4 do artigo 91.º do CPTA.

  2. O autor apresentou, então, as suas alegações, onde formulou as seguintes conclusões: “1.ª A presente ação administrativa especial foi proposta tendo por base o despacho de 28 de março de 2014 proferido por S. Exa. a Presidente da Assembleia da República que indeferiu a reclamação apresentada pelo Autor em 8 de janeiro de 2014 sobre o pagamento da subvenção para a campanha eleitoral autárquica de 2013 a que o Autor teria direito, nos termos da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 55/2010, de 24 de dezembro, e pela Lei n.º 1/2013, de 3 de janeiro.

    1. Depois, em face de desenvolvimentos relacionados com a interpretação doutrinária que foi unanimemente confirmada pelo Parecer n.º 23/2014, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, emitido na sequência de pedido da própria Ré, esta veio alterar os efeitos do seu despacho de 28 de março de 2016, não só aderindo ao entendimento do referido parecer, através da sua homologação, como dando igualmente instruções expressas no sentido de ser pago ao Autor o valor reclamado por este.

    2. Esta alteração de posição ficou consolidada no despacho de 18 de junho de 2014 proferido por S. Exa. a Presidente da Assembleia da República, cujos efeitos favoráveis para o Autor são indiscutíveis, produzindo, deste modo, efeitos jurídicos insuscetíveis de revogação, atenta a salvaguarda da confiança dos particulares nas decisões da Administração, bem como a estabilidade que deve ser própria da atuação administrativa.

    3. Surpreendentemente, a Ré veio alterar a sua posição num terceiro despacho proferido em 24 de junho de 2014, alegadamente com base num projeto legislativo visando (re)interpretar o teor do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 55/2010, de 24 de dezembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 1/2013, de 3 de janeiro.

    4. Quer isto dizer que, com base em meras razões de mérito fundadas em iniciativa legislativa em preparação, foi o despacho de 18 de junho de 2014 revogado e foi a homologação do Parecer n.º 23/2014, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República objeto de suspensão.

    5. Acontece que o pagamento das quantias devidas ao Autor deveria ter sido processado logo após o despacho de 18 de junho de 2014, uma vez que esse pagamento era apenas e somente um mero ato de execução da homologação constante do referido despacho, não estando dependente de qualquer ato posterior para que pudesse ser executado.

    6. O Autor chegou a ser notificado pelo Senhor Secretário-Geral da Assembleia da República de que a Ré iria proceder ao pagamento em causa.

    7. Deste modo, atenta a sua natureza, o despacho de 18 de junho de 2014 traduz um ato constitutivo de direitos insuscetível de ser revogado por razões de mérito, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 140.º do CPA.

    8. Este despacho fez ingressar na esfera jurídica do Autor direitos subjetivos favoráveis ao mesmo que não podem ser revogados, nem sequer ser objeto de suspensão, uma vez que para a suspensão de atos administrativos, enquanto ato secundário, terá de ser aplicável igualmente o regime da revogação.

    9. Este paralelismo determina que um ato de suspensão de um ato constitutivo de direitos seja inválido, por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 140.º do CPA, nos mesmos termos de um ato revogatório.

    10. Na sequência do despacho de 24 de junho de 2014 seguiu-se um quarto despacho, emitido em 10 de setembro de 2014, que veio reiterar o teor do despacho de 28 de março de 2014, que indeferiu a reclamação inicialmente apresentada pelo Autor, tendo por fundamento um ato legislativo de falsa natureza autêntica que veio descodificar o pretenso sentido interpretativo do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 55/2010, de 24 de dezembro, na redação dada pela Lei n.º 1/2013, de 3 de janeiro.

    11. Veio a Ré fundar as suas razões na Lei n.º 62/2014, de 26 de agosto, com a qual se permitiu afastar a interpretação doutrinária vencedora constante do Parecer n.º 23/2014, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.

    12. Não pode, porém, o Autor aceitar esta decorrência lógica como...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT