Acórdão nº 0298/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução08 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1.

A………………, S.A., com sede em Portugal, e o Banco B…………….., com sede na Irlanda, recorrem da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa que deduziram contra actos de retenção na fonte de imposto sobre o rendimento que essa sociedade efectuou e entregou ao Estado Português, e que incidiram sobre o valor de juros vencidos a favor daquele Banco nos meses de Setembro de 2005, Março e Setembro de 2006, Março e Setembro de 2007, no montante total de imposto retido de € 59.386,00.

Terminaram as alegações de recurso com as seguintes conclusões: A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 24 de abril de 2012 nos autos acima referenciados, que julgou “totalmente improcedente”, mantendo-se “consequentemente, os actos tributários de retenção na fonte de IRC ora impugnados”.

B) Em causa nos autos está a desconformidade do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 80º do IRC em vigor à data dos factos, face ao Direito da União Europeia, mais concretamente a liberdade de prestação de serviços (artigo 56º do TFUE) e a liberdade de circulação de capitais (artigo 63º do TFUE).

C) Pelos motivos melhor expostos supra e que seguidamente se sintetizam, não obstante a cuidada e meritória análise levada a cabo pelo Tribunal a quo, demonstrou-se que a sentença recorrida enferma de diversos vícios de raciocínio, dos quais resultou uma decisão manifestamente ilegal, devendo por isso ser anulada na sua totalidade e julgada procedente o pedido formulado nos termos da p.i., conforme abaixo reiterado.

D) No dia 30 de Setembro de 2004 a A…………. celebrou um contrato de financiamento externo (denominado “.............”) com vista a garantir o desenvolvimento de todas as actividades que integram o contrato de concessão - objeto exclusivo da A………………. celebrado com o Estado português.

E) O referido contrato de financiamento externo, no montante total de € 262.726.055,00, foi celebrado com um sindicato de bancos residentes e não residentes em território português.

F) Em 29 de Março de 2005, foi decidido alargar o sindicato bancário, acima mencionado, a outras entidades financeiras, entre as quais se integra o Banco Recorrente, o que ocorreu através da figura jurídica da cessão da posição contratual.

G) Na esteira do previsto na legislação interna portuguesa, mais concretamente do Código do IRC, a A…………. procedeu à retenção na fonte sobre o pagamento dos juros às instituições financeiras não residentes em Portugal - entre elas o Banco - que compunham o sindicato bancário e procedeu à entrega ao Estado dos montantes retidos.

H) Desta forma, foi retido pela A……………, a título definitivo, o montante total de imposto de € 59.386,00 sobre os juros vencidos a favor do Banco referentes aos meses de Setembro de 2005, Março e Setembro de 2006, Março e Setembro de 2007, no valor total de € 350.806,07.

I) Para mera clareza do raciocínio, refira-se que todos os factos acima descritos resultam provados, e não contestados, nos termos dos considerandos A) a G) do ponto III da sentença recorrida.

J) Por outro lado, importa salientar que, de acordo com o artigo 90º do Código do IRC, a obrigação de a A………… efectuar a retenção na fonte não era aplicável ao pagamento de juros a instituições financeiras residentes em Portugal que pertencem ao já referido sindicato bancário.

K) Daí resultando um tratamento desigual e discriminatório quanto a entidades financeiras não-residentes.

L) Por conseguinte, entendem as ora Recorrentes que o montante de imposto retido de € 59.386 sobre os juros vencidos a favor do Banco referentes aos meses de Setembro de 2005, Março e Setembro de 2006, Março e Setembro de 2007, deve ser integralmente restituído, por violação dos artigos 56º e 63º do TFUE, da qual decorre o vício de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa.

M) Isto porque, como se demonstrou supra, a tributação mais elevada que incide sobre as entidades não residentes representa uma restrição à concessão de empréstimos transfronteiriços por parte de instituições de crédito não residentes e forçosamente dissuade os mutuários portugueses de contraírem empréstimos junto de mutuantes estrangeiros com a clara violação das normas comunitárias.

N) Mais se clarificou que o entendimento acima exposto é partilhado pela Comissão Europeia que, em 11 de Julho de 2006, instaurou uma acção contra Portugal junto do TJUE (processo C-105/08), em linha com a jurisprudência do Acórdão Gerritse (cfr. processo C-234/01).

O) Sendo certo que, à luz do princípio do primado do Direito da União Europeia, é entendimento pacífico e unânime que as normas comunitárias prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional (cfr., entre muitos outros, Processo 6/64, de 15 de Julho de 1964 e Processo 106/77, de 9 de Março de 1978, ambos do TJUE).

P) Tal equivale a dizer que as aludidas normas do Código do IRC só podem ser totalmente desaplicadas, com as devidas consequências legais, nomeadamente o reembolso das retenções na fonte entregues ao Estado.

Q) Ficou amplamente demonstrado que o tratamento discriminatório ora em crise foi já sujeito à análise do TJUE, nomeadamente nos casos Gerritse (processo C234/01), Centro Equestre da Lezíria Grande (processo C-345/04) e Scorpio (processo C-290/04), em cujos processo estava em causa a prestação de serviços realizada por um sujeito passivo não residente e a natureza discriminatória da aplicação de uma retenção na fonte sobre o valor ilíquido dos rendimentos obtidos no Estado Membro da fonte.

R) Reitere-se que em todos os processos acima identificados estava em causa a oposição entre a tributação sobre o valor ilíquido dos rendimentos auferidos por prestadores de serviços não residentes, por oposição à tributação sobre o valor líquido dos prestadores de serviços residentes, S) tendo o TJUE esclarecido que “as despesas profissionais em causa estão diretamente relacionadas com a atividade que esteve na origem dos rendimentos tributáveis na Alemanha, pelo que os residentes e os não residentes estão, sob este aspeto, em situação comparável” (cfr. considerando 27 do Acórdão Gerritse. Vide também o Acórdão Centro Equestre da Lezíria Grande, considerandos 23 e 25, e i Acórdão Scorpio, considerandos 43 e 44, os quais subscrevem integralmente a jurisprudência do Acórdão Gerritse).

T) Nestes moldes, ficou demonstrado que o TJUE determinou que as liberdades de prestação de serviços e de circulação de capitais “opõem-se a uma legislação nacional como a em causa no processo principal que, regra geral, atende, quando da tributação dos não residentes, aos rendimentos brutos, sem dedução das despesas profissionais, enquanto os residentes são tributados pelos seus rendimentos líquidos, após dedução dessas despesas” (cfr. parágrafo 1) do sumário dispositivo do Acórdão Gerritse).

U) Foi ainda analisado o acórdão proferido pelo TJUE no caso Comissão vs. República Portuguesa (processo C-105/08), nos termos do qual a Comissão Europeia questiona precisamente a legislação ora em crise, considerando que está em causa uma discriminação incompatível com o Direito da União Europeia.

V) Por último, ficou demonstrado por que motivos não deve ser atendida a jurisprudência do caso Truck Center nos termos propostos pelo Tribunal a quo, conforme se irá sintetizar adiante.

W) Quer isto dizer que, salvo o devido respeito que é muito, caso em última análise se admitisse o Tribunal ad quem considere que o caso Truck Center coloca em crise a aplicação aos autos da jurisprudência do TJUE nos casos Gerritse, Centro Equestre da Lezíria Grande e Scorpio, tal implica o reenvio prejudicial pelo Tribunal ad quem ao TJUE em respeito pelo disposto no terceiro parágrafo do artigo 267º TFUE, X) nos termos do qual sempre que uma questão relativa à interpretação das normas do TFUE seja suscitada perante “um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal”.

Y) Isto porque, como ficou claro na exposição que antecede, de acordo com a doutrina do ato claro (“acte clair”) tem o TJUE entendido que o reenvio prejudicial previsto no artigo 267º TFUE só pode ser dispensado quando “a correta aplicação do Direito Comunitário seja tão óbvia que não deixe lugar a qualquer dúvida razoável” (cfr. considerando 16 do Acórdão CILFIT, processo 283/81).

Z) Tal equivale a dizer que, atendendo que a decisão no caso Truck Center é manifestamente contraditória às decisões nos casos Gerritse, Centro Equestre da Lezíria Grande e Scorpio, nunca se poderá considerar que aquela decisão constitui fundamento para rejeitar a presente Impugnação.

AA) Quanto muito, isso sim, deveria então ser submetidas ao TJUE as questões prejudiciais que permitam o cabal conhecimento do mérito da causa, nomeadamente: a. Considerando que tanto as instituições financeiras não residentes em território português quanto as instituições financeiras aí residentes são tributadas sobre os rendimentos obtidos em território português, é compatível com o artigo 56º do TFUE relativo à livre prestação de serviços e com o artigo 63º do TFUE relativo à livre circulação de capitais, a distinção resultante do Código do IRC, nos termos da qual apenas as instituições financeiras residentes podem deduzir do montante dos rendimentos tributáveis em Portugal as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade exercida, por oposição às instituições financeiras não residentes (como é o caso do Banco) que são tributadas sobre o montante de rendimento ilíquido das despesas diretamente relacionadas com a atividade exercida? b. Considerando que a EURIBOR (“Euro Interbank Offered Rate”) e a LIBOR (“London Interbank Offered Rate”) representam...

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