Acórdão nº 01541/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelASCENS
Data da Resolução15 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, nesta Secção do contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 - RELATÓRIO A……….., S.A. melhor identificada nos autos, veio impugnar o indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional do IRC relativo ao exercício de 2003 e 2004 no valor de € 1.090 007.62.

Por decisão a fls. 331 e seguintes dos autos, veio a Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgar procedente a presente impugnação determinando a anulação da correcção da matéria tributável, do ano 2003 e 2004.

Inconformada com o assim decidido, vem a Fazenda Pública interpor o presente recurso com as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões: «A. A Fazenda Pública não se conforma com a douta sentença exarado nos autos, por entender que a mesma incorreu em erro de julgamento de facto e erro na aplicação do direito, ao julgar procedente a impugnação judicial, conhecendo “qualificação do facto tributário” e definindo como a questão central a decidir “a de saber se os encargos financeiros incorridos pela impugnante (...) com a aquisição de participações sociais, podem ser considerados ou não como custo fiscal”, atendendo ao disposto no art. 32°, n° 2 do EBF “e (...) se os encargos apurados se encontram correctamente quantificados”, concluiu que “havendo dúvidas fundadas relativamente à quantificação do imposto” se impunha a anulação do acto de liquidação com todas as consequências.

  1. Não existe divergência entre as partes no que concerne ao conceito e definição dos encargos financeiros a que se refere o art. 32° do EBF, pelo que a questão controvertida não passava por uma diferente noção de quais sejam os encargos financeiros que aquela norma manda desconsiderar como custo, ou seja, não se trata um problema de qualificação e, ainda que assim não se considerasse, no que não concedemos, a referência do art. 100° do CPPT a “qualificação” foi substituída pela Lei 3-B/2000 de 4 de Abril, que aprovou o Orçamento para o ano de 2000, pela palavra “quantificação”, porquanto a qualificação é uma questão jurídica e, no campo da aplicação do direito o tribunal não pode ficar com dúvidas, tendo o dever de julgar mesmo nos casos de falta ou obscuridade da lei, nos termos do disposto no art. 8°, n° 1 do Código Civil (Cabendo-lhe o dever de julgar a questão jurídica atinente à qualificação que se lhe apresentasse e mostrando-se a decisão a favor do contribuinte nos casos de dúvida sobre a questão jurídica da qualificação dos factos tributários como uma aplicação do critério interpretativo in dúbio contra fisco, que foi rejeitado pela LGT, que determina, no art. 11°, n° 1 deverem ser observados, na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos tributários, as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. A este respeito, desenvolve o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, na anotação 5 ao art. 100º, no Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Áreas Editora, Volume II, 6° Edição, 2011, Lisboa).

    Encontravam-se em perspectiva nesta acção, no que concerne à vertente em que a douta sentença centralizou, a nosso ver bem, a questão a decidir (“Questão central a decidir a de saber se os encargos financeiros incorridos pela impugnante e pela sua participada (...) com a aquisição de participações sociais, podem ser considerados ou não como custo fiscal”, atendendo ao disposto no art. 32°, n°2 do EBF “e (...) se os encargos apurados se encontram correctamente quantificados”) com todo o respeito devido, os seguintes vectores fundamentais (que não foram tidos em conta na abordagem efectuada): C. A definição de quem tem a obrigação legal de alcançar a quantificação dos encargos financeiros não dedutíveis em função do estabelecido pela concatenação do disposto no art. 23º do CIRC com o art. 32º do EBF e efectuar a sua desconsideração no âmbito do apuramento do lucro tributável e preenchimento da declaração anual onde efectua a autoliquidação do IRC a pagar — como adiante se desenvolve — é a impugnante.

  2. Pela impugnante, no exercício em causa, foram incorridos encargos financeiros, que se encontram englobados no total dos encargos financeiros por ela considerados como custo fiscal na respectiva declaração de rendimentos, sem que a mesma tenha procedido, na mesma declaração ao acréscimo correspondente ao valor dos encargos não fiscalmente dedutíveis, nos termos do disposto no art. 23º do CIRC e art. 31°, n°2 do EBF.

  3. Nenhum apuramento ou diligência nesse sentido foi efectuada pela impugnante não tendo esta desconsiderado qualquer custo por aplicação do disposto naquele normativo legal e, impondo-se à AT corrigir o LT apurado em virtude de este se encontrar influenciado por encargos financeiros que não eram dedutíveis nos termos do art. 23º do CIRC e 31° do EBF e, não fornecendo a impugnante através da sua documentação com relevância fiscal elementos que permitam apurar em concreto os custos respeitantes àqueles encargos (Ou por qualquer outro meio demonstrado quais foram em concreto esses encargos).

    1. Não pode considerar-se em sentença judicial verificar-se a fundada dúvida a que se refere o art. 100°, n° 1 do CPPT, fazendo funcionar uma presunção de veracidade dos actos dos contribuintes, para efeitos da anulação do acto tributário produzido, por entender que a AT “não logrou demonstrar que os valores a que chegou referem-se a efectivos encargos financeiros com a aquisição das participações sociais e não a outros encargos”, atendendo a que a dúvida em causa é inerente à quantificação de custos, cujo ónus da prova da respectiva quantificação e dedutibilidade, para efeitos do correcto apuramento de imposto efectuado na autoliquidação, incumbia ao sujeito passivo (que assume não ter efectuado a sua repercussão).

  4. A regra do art. 100º do CPPT consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra enunciada no art. 74°, n° 1 da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque e, estando a regra prevista no procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova de cedos factos no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário, na medida em que a ponderação de interesses baseada nas regras da normalidade que justifica a repartição do ónus da prova no procedimento tributário é a mesma que deve presidir ao processo judicial, sendo o critério de repartição o mesmo como impõe a coerência valorativa e axiológica.

  5. Neste seguimento, Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao art. 100º do CPPT (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, Áreas Editora, Volume II, 6ª edição, 2011) prossegue, explicitando que, não se compreenderia que, com base num determinado critério sobre o ónus da prova, se levasse a AT a praticar o acto de liquidação, valorando contra o contribuinte uma situação de dúvida sobre fados por ele invocados (o que face ao art. 74°, n° 1 da LGT é legal), designadamente porque este tem o ónus de provar a dedutibilidade fiscal dos custos relevados, “para, depois, no processo judicial em que é impugnado esse acto se inverter o ónus da prova sobre os mesmos factos, levando o tribunal a decretar a anulação desse acto, por ilegalidade consubstanciada em erro sobre os pressupostos de facto, sem que sobreviesse qualquer alteração da matéria de facto”.

  6. Nos termos das disposições conjugadas dos art. 17°, 23° e 98°, nº 3 a) do CIRC (actual 123º, nº2, a) com o art. 31°, n° 2 do EBF, as verbas escrituradas na contabilidade da impugnante como seu custo, não se encontravam suportadas por documentos bastantes para dar a conhecer da sua existência, causa e indispensabilidade de realização para a obtenção dos proveitos, que autorizasse a sua qualificação como custos ao nível fiscal, na medida em que não exteriorizavam nem permitiam a alocação dos empréstimos contraídos aos fins a que os mesmos se destinam, especificamente, aqueles cujo produto foi aplicado na aquisição de partes de capital que reúnem as condições do art. 31°, n° 2 do EBF para não concorrerem para a formação do lucro tributável.

    I. A lei impõe um quadro sancionatório à violação destas obrigações acessórias, em função dos ponderosos interesses fiscais (e não só) tutelados pelos comandos desse calibre, vertendo-se, ao nível dos custos fiscais, a sanção, na indedutibilidade sobre o rendimento, estipulando-se que a relevância fiscal da perda pressupõe um adequado suporte documental, compelindo o sujeito passivo que a contrai à obtenção do correspondente título, ou seja, da comprovação da legalidade da sua consideração como custo a nível fiscal.

  7. O Orçamento do Estado para 2003 procedeu a uma alteração no regime de tributação das mais-valias das SGPS, seguindo, numa óptica de reforço da competitividade dessas sociedades, a tendência comum à maioria dos países membros da Comunidade Europeia (Como afirma Rui Camacho Palma, “o legislador procurou aproximar o regime aplicável ás SGPS à disciplina da participation exemption vigente em diversos países europeus”, in “Algumas questões em aberto sobre o regime de tributação das SGPS”, Revista Fisco n.º 115/116, pág. 34) ou seja, excluindo da tributação as mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais detidas há mais de um ano e não considerando dedutíveis para efeitos fiscais nem as perdas sofridas em virtude da alienação de partes sociais em idênticas condições, nem os encargos financeiros suportados para a aquisição de activos da mesma natureza.

  8. Em face das dúvidas suscitadas sobre a aplicação do novo regime fiscal aplicável às SGPS e às SCR, atenta a extrema dificuldade de utilização de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo poderia gerar, veio a ser transmitido, através da...

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