Acórdão nº 0627/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução28 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 205/04.5BEBRG 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A………………, S.A.” (a seguir Recorrente ou Impugnante) recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, na parte que em julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada, com referência ao ano de 1999, após a Administração tributária (AT) ter feito correcções à matéria tributável declarada, designadamente por não ter aceitado como perda do exercício uma verba respeitante à menos-valia decorrente da alienação de participações sociais.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

  1. O Tribunal a quo concluiu que a alienação, pela Impugnante, das participações que detinha no capital da B………… correspondeu a um acto normal de gestão, perfeitamente compreensível no quadro fáctico dado como provado, ou seja, que não se tratou de uma operação anómala ou abusiva, motivada por um fim de economia fiscal, com o que a ora Recorrente, obviamente, concorda, B) Porém, naquilo que designou como segundo patamar da sua análise, o Tribunal a quo entendeu que «a pergunta que se impõe é saber quais os ganhos ou proveitos que a A……………… retirou com a alienação da B…………..».

  2. Afirmando, sem qualquer fundamentação, que os proveitos ou ganhos a que se refere não são o preço recebido pela Impugnante em razão de tal alienação.

  3. Colocada nestes termos, a interrogação do Tribunal a quo não faz qualquer sentido, desde logo porquanto a alienação de um bem do activo imobilizado (não corrente) não é, por definição, instrumental relativamente à realização de quaisquer proveitos no futuro, é tão só a troca de um bem pelo seu valor de mercado.

  4. Mais, quando uma empresa que decide alienar uma «ferramenta» indispensável à continuidade de uma actividade económica deixa de a poder exercer, deixa, portanto, de obter no futuro os rendimentos (correntes) que seria o normal resultado do prosseguimento dessa actividade.

  5. O Tribunal a quo parece pretender introduzir no nosso ordenamento fiscal, em matéria de dedutibilidade de custos, um critério de causalidade adequada; um gasto só seria dedutível na medida em que lhe possa ser associado directamente a obtenção de um proveito.

  6. A exigência da prova de uma relação directa entre o negócio realizado (alienação de participações sociais por preço inferior ao da sua aquisição) e a concreta obtenção de proveitos futuros pela alienante não tem qualquer suporte legal nem faz, racionalmente, qualquer sentido.

  7. Provada – como ficou – a indispensabilidade (o propósito empresarial) da perda realizada com a alienação das acções em causa, nada mais há a exigir para que se conclua pela dedutibilidade fiscal de tal gasto.

  8. Uma menos-valia realizada (descrita num dos exemplos do n.º 2 do art. 23.º do CIRC) é em princípio indispensável para a organização (por preenchimento da cláusula geral do art. 23.º do CIRC).

  9. O ónus da prova da não indispensabilidade desta menos-valia realizada competia à AT.

  10. A sentença é ilegal ao assumir, erroneamente que o ónus da prova da indispensabilidade da menos-valia compete ao contribuinte – quando é justamente o contrário.

  11. E é ilegal porque a AT não provou a ausência de relação de indispensabilidade da menos-valia em causa: não provou o desvio desta operação (compra e venda da B………….) face à capacidade da empresa; não demonstrou a inexistência de razões para a redução substancial do património da sociedade (bem pelo contrário, as razões da desvalorização económica da participação são válidas e justificáveis).

  12. A sentença recorrida entendeu, bem ao invés, que o contribuinte, em dever de colaboração, traçou com elevado grau de concretização todo o decurso dos factos (motivo da compra, desvalorização e da ulterior venda da dominada B………….), não podendo a AT intrometer-se nessa liberdade de gestão empresarial.

  13. Por todos estes motivos, a sentença recorrida deve ser revogada, concluindo-se pela total procedência da impugnação».

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou o recurso.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença (na parte recorrida, entenda-se) e julgada procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação da liquidação impugnada (também nessa parte), com a seguinte fundamentação: «[…] Resultam como questões a decidir, em resumo, a da legalidade do decidido quanto à apreciação efectuada a propósito do n.º 2 do art. 23.º do C. do I.R.C. para efeitos do art. 23.º do C. do I.RC., bem como ainda quanto à repartição do ónus da prova que lhe foi imputada como sendo aplicável quanto ao destino da operação (compra e venda da B…………….).

Ora, remontando os factos a 1999, é aplicável a versão da dita norma do art. 23.º n.º 1 era a seguinte no que interessa aplicar: “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os seguintes: (...) i) menos-valias realizadas”.

No seu n.º 2 apenas estavam excluídas as “despesas ilícitas”.

Também no art. 24.º do C.I.R.C., se previa como regra: - “ concorrem para a formação do lucro imputável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício”.

Conforme já foi expressa na sentença recorrida, citando a doutrina do prof. Rui Duarte Morais, então, tal como sucedia com a norma do artigo 23.º do Código da Contribuição Industrial (quanto à expressa menção a certos e determinados factos qualificáveis como proveitos ou ganhos), não se definia aí o sentido absoluto dos conceitos de custos ou perdas.

Os mesmos eram, pois, de entender no sentido comum, incluindo todos os gastos ou depreciações de valor que fossem indispensáveis suportar para a realização dos proveitos, ou para a manutenção da respectiva “fonte produtora”.

A dedutibilidade fiscal do custo dependia apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa, sendo a indispensabilidade de entender de acordo com a teoria da especialidade das pessoas colectivas, segundo o qual as operações societárias que se inserissem na sua capacidade e em respeito ao escopo societário eram de aceitar – cfr. António Moura Portugal, A dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 108 a 127, em que analisa a jurisprudência até então produzida.

É certo que, de acordo com o entendimento de certa jurisprudência, seria necessário existir ainda uma relação causalidade necessária entre os custos e os próprios proveitos da empresa. Contudo, tal entendimento foi posteriormente afastado pelo acórdão do S.T.A. de 24-9-14, no proc. 779/12, acessível em www.dgsi.pt o qual decidiu que, apenas sendo prosseguidos outros fins, é de afastar a dita indispensabilidade.

Assim sendo de considerar, resulta prejudicado o conhecimento da questão do ónus de prova de imputar à A.T.

».

1.5 Os Conselheiros adjuntos tiveram vista.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que, no apuramento da matéria tributável da ora Recorrente em sede de IRC do ano de 1999, não podia relevar como perda o montante correspondente à menos-valia resultante da alienação de participações sociais, por a Impugnante não ter demonstrado a indispensabilidade da mesma para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (como exigido pelo art. 23.º do CIRC, na redacção aplicável).

* * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu como assentes os seguintes factos: «1. A Impugnante foi notificada do documento de cobrança n.º 2003 8310017867, referente à liquidação adicional de IRC, relativa, ao ano de 1999, no montante global de € 748.913,94, com data de limite de pagamento voluntário de 10.12.2003 (cfr. doc. 1 junto com a Petição Inicial (PI)).

  1. A Impugnante é uma sociedade anónima, que tem por objecto social o comércio de automóveis, peças e acessórios, reparação e assistência e estação de serviço desde 18.06.1993 (cfr. fls. 28 do Processo Administrativo (PA) apenso).

  2. Desde 1995 que a A…………. detinha a concessão ………… para a região do Minho, excluindo Barcelos e Esposende (cfr. depoimento das testemunhas ……… e …………..).

  3. Em 1997, a B………. detinha a concessão da ………. para o concelho de Barcelos e Esposende (cfr. depoimento das testemunhas ……….. e ………..).

  4. Na mesma data referida em 4., a B………. era também concessionária da ……….. (cfr. RIT e artigo 45 da PI e depoimento da testemunha ………………).

  5. Em 1997, a Impugnante adquiriu as participações sociais da sociedade B……….., S.A. por 600.000.000$00, passando a deter por essa via a concessão da …………. para o concelho de Barcelos e Esposende (cfr. fls. 34 do PA apenso - RIT e artigo 31 e 39 da PI).

  6. Por carta datada de 07.10.1997, a ……….. comunicou à Impugnante a alteração do Pacto Social, com o teor que se transcreve: “De acordo com a correspondência trocada e na sequência da reunião efectuada nas nossas instalações, vem a ………….. reiterar a posição transmitida na referida reunião e que se traduz no seguinte: 1. A ………… manifesta a intenção de manter o Contrato de Concessão com a firma B………., S.A. caso estejam reunidos os seguintes pressupostos: a) A Firma não ser propriedade de qualquer outra firma concessionária de automóvel, podendo, no entanto, ter sócios comuns com qualquer outra empresa do ramo; b) Trabalhar a marca …………… em exclusivo.

  7. Em alternativa conceder a concessão a uma empresa que, não provocando qualquer...

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