Acórdão nº 0407/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GON
Data da Resolução21 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA: RELATÓRIO 1.1.

A Fazenda Pública vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 26/1/2017, no processo que aí correu termos sob o nº 2780/14.7BELRS e no qual se negou provimento ao recurso que a mesma havia interposto da sentença proferida em 9/11/2016, pelo TAF de Sintra e na qual se julgara procedente o recurso interposto por A…………, com os demais sinais dos autos, ao abrigo do disposto no nº 7 do art. 89°-A da LGT e do art. 146°-B, do CPPT, da decisão proferida pela Directora de Finanças de Lisboa, que fixara àquele o rendimento tributável para efeitos de IRS do ano de 2011, com recurso a métodos indirectos, no montante de 336.106,35 Euros.

1.2.

A recorrente Fazenda Pública alegou e termina formulando as conclusões que seguem:

  1. A ora Recorrente não se conforma com o acórdão sob recurso, proferido pelo TCA Sul a 26/01/2017, por entender que o mesmo enferma de erro de julgamento quanto ao direito, mais considerando que estão preenchidos os pressupostos previstos no art. 150° do CPTA para interposição do recurso excepcional de revista.

  2. A matéria sob recurso respeita ao regime da avaliação indirecta da matéria colectável em sede de IRS e envolve particular complexidade na interpretação dos normativos envolvidos.

  3. Ainda que assim não se entenda, sempre resulta evidente a importância fundamental de definir os parâmetros pelos quais a AT deve pautar a sua actuação.

  4. A especial relevância jurídica da questão em apreço prende-se com o facto de o entendimento vertido no acórdão sob recurso ser susceptível de abalar um dos importantes alicerces do procedimento tributário assente sobre a fiabilidade das informações bancárias designadamente as que constituem declarações prestadas pelos respectivos titulares.

  5. Na situação dos presentes autos, como adiante é explicitado, a reserva mental praticada pelo Recorrido nas declarações prestadas junto da CGD acabou prejudicando a actuação da AT que, devido àquela reserva mental, foi impedida de tributar a esfera jurídica à qual são na verdade, segundo a prova testemunhal que veio a ser posteriormente produzida, de imputar os rendimentos auferidos, com claro prejuízo para os princípios da justiça e da igualdade tributárias que devem nortear o nosso sistema tributário.

  6. Em causa nos presentes autos está a origem ou proveniência do montante total de € 1.344.426,14 depositado numa conta da Caixa Geral de Depósitos (com o n° ………), no período de Janeiro de 2011 a Setembro de 2011, através quer de depósitos em numerário, quer de transferências bancárias, de que o ora Recorrido é co-titular em regime de solidariedade juntamente com B…………, C………… (pai do Recorrido) e D………….

  7. O TCA Sul, através do acórdão de que ora se recorre, entendeu, conforme se transcreve de fls. 11, o seguinte: “Em suma, a sentença encontra-se devidamente fundamentada, tendo concluído que o Recorrido era titular meramente formal da conta da CGD, atento o probatório, a referência às testemunhas que o sustentaram, pelo que não lhe pertencem os valores depositados naquela conta, não tem qualquer manifestação de riqueza, não se lhe podendo aplicar o disposto no art. 89°-A da LGT”.

  8. A AT entende que a factualidade considerada assente nos autos, e cuja discussão não cabe no âmbito do presente recurso excepcional de revista, não é susceptível de afastar o Recorrido do âmbito de aplicação da avaliação indirecta da matéria colectável prevista na alínea f) do n° 1 do art. 87° conjugado com o n° 5 do art. 89°-A da LGT, com o consequente ónus probatório consignado no n° 3 do aludido art. 89°-A.

  9. A avaliação indirecta ora em crise foi efectuada pela AT tendo por base documentação bancária idónea que atesta a qualidade do Recorrido como co-titular solidário da referida conta bancária na CGD, juntamente com os outros três co-titulares, em igualdade de direitos e obrigações, donde resulta que o mesmo é titular em regime de solidariedade das importâncias aí depositadas na proporção de ¼.

  10. Posteriormente, vieram os referidos co-titulares daquela conta bancária, Recorrido incluído, afirmar que as declarações prestadas perante a entidade bancária não correspondem à realidade, que o Recorrido não é titular efectivo das quantias movimentadas através da referida conta bancária.

  11. A abertura de conta bancária consubstancia a prática de um negócio jurídico, no caso dos autos efectuada com reserva mental, nos termos do art. 244° do CC, uma vez que a declaração emitida pelos quatro titulares da conta é contrária à sua vontade real e foi proferida com o intuito de enganar o declaratário, no caso a CGD.

  12. No exercício estrito da mera função administrativa, e não obstante os esclarecimentos prestados pelo Recorrido e pelos restantes co-titulares da referida conta no âmbito da acção inspectiva, não pode a AT fundamentar uma decisão de avaliação indirecta da matéria colectável em prova testemunhal, pois a apreciação da prova testemunhal segundo a livre convicção do julgado é uma função tipicamente jurisdicional.

  13. Entretanto, decorrido o prazo de caducidade para o exercício do direito à liquidação, precludiu também a possibilidade de a AT proceder à avaliação indirecta daquela importância na esfera dos seus titulares efectivos.

  14. Deste modo, entende a AT que a prova que veio a ser produzida e considerada assente nos presentes autos, por ser contrária à prova consubstanciada nas declarações bancárias, prestadas com reserva mental e que serviram de fundamento ao acto de avaliação indirecta da matéria colectável não é oponível à AT, ou seja, não é susceptível de afastar a aplicação da al. f) do n° 1 do art. 87° e do n° 5 do art. 89°-A da LGT, com o consequente ónus probatório consignado no n° 3 do art. 89°-A da LGT.

  15. Em suma, a prova alcançada na instância jurisdicional de que a titularidade da conta bancária pelo ora Recorrido não corresponde à realidade, ainda que as razões e o contexto dessa simulação se entendam devidamente justificadas, não pode ser oponível à AT para efeitos do exercício da avaliação indirecta da matéria colectável e consequente direito à tributação.

  16. Todo o esforço probatório da AT, desenvolvido no âmbito do procedimento de avaliação indirecta da matéria colectável, e tendo como fundamento a fiabilidade da informação prestada pelos Bancos, especialmente certificada e objecto de controlo, acabou por se frustrar perante a reserva mental exercida livremente pelos titulares da aludida conta, sem qualquer prejuízo para a sua esfera jurídica, antes pelo contrário.

  17. Deste modo, uma vez evidenciado o acréscimo de património consignado na al. f) do n° 1 do alt. 87° da LGT a partir de disponibilidades financeiras movimentadas através de conta bancária, o titular dessas importâncias há-de entender-se como sendo aquele que consta como titular das mesmas no documento de abertura da referida conta.

  18. Passando a ser sobre este que impende o n° 5 do art. 89°-A da LGT bem como o ónus probatório consignado no n° 3 do art. 89°-A da LGT.

  19. A prova de reserva mental quanto à declaração prestada perante o Banco não poderá ser oponível à AT, ou seja, não deverá ilidir a presunção de verdade contida naquele documento bancário, o qual, com o intuito de acautelar comportamentos de evasão e fraude fiscal, se deve entender como revestido de presunção inilidível relativamente às declarações prestadas pelos respectivos titulares.

  20. Em boa verdade, não existe um conceito de titular meramente formal ou fictício de uma conta bancária por oposição ao titular efectivo da mesma.

  21. Concluindo, para efeitos de apuramento da esfera jurídica onde ocorre o acréscimo de património susceptível de enquadramento na al. f) do n° 1 do art. 87°, n° 3 e n° 5 do art. 89°-A, todos da LGT.

  22. A titularidade das disponibilidades financeiras movimentadas através de conta bancária deve ser imputada àqueles que, em documento bancário idóneo, se declaram titulares da mesma, na proporção por eles indicada ou, na ausência de qualquer indicação, em partes iguais, sendo inoponível, para os efeitos tributários em discussão, a prova posterior de que aquela declaração bancária foi efectuada sob reserva mental.

  23. Deste modo, a identificação da esfera jurídica onde ocorre o acréscimo de património susceptível de enquadramento no al. f) do n° 1 do art. 7° e n° 3 e n° 5 do art. 89° da LGT há-de ser aquela que decorre daquela declaração bancária.

  24. Nos termos supra expostos e nos demais de direito que V.Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser admitido o presente recurso, por estarem reunidos os respectivos pressupostos legais, e deve o mesmo ser julgado procedente.

    1.3.

    O Recorrido apresentou contra-alegações, onde formulou as seguintes conclusões: A - A primeira falsa questão do Recurso excepcional de revista que a AT apresenta é o de que existiu reserva mental quando ela se não verifica, pois a AT confunde titularidade da conta bancária, que o Recorrido sempre assumiu, que o Banco comunicou e os tribunais aceitaram, com a propriedade do montante nela depositado, quando situa a reserva mental na abertura de conta (conclusão K), e além do mais, resulta do probatório que o Recorrido A………… “acedeu a ser um dos titulares da conta a pedido de seu pai com o fim de ver facilitada a remessa de dinheiro provindo da China a título de “auxílio à família”, pelo que não há reserva mental quanto à titularidade da conta e nem sequer quanto à propriedade; B - Em face da conclusão anterior têm de ser negadas todas as conclusões da AT que com essa pretensa reserva mental se conexionam, designadamente, as conclusões d), e), h), i), j), l), m), n), o), p), s) e v); C - A prova testemunhal não é só uma função tipicamente jurisdicional, mas também uma função administrativa — arts. 72º, 58º, 55º e 71º da LGT — podendo a AT, socorrer-se desse expediente...

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