Acórdão nº 01289/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelTERESA DE SOUSA
Data da Resolução29 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório A………….. e Outros, devidamente identificados na petição inicial, intentam a presente acção popular, acção administrativa de impugnação de normas, ao abrigo do disposto nos arts. 2º, nº 1 da Lei nº 83/95, de 31/8, art. 4º, nº 1, als. b) e f) do ETAF e 73º, nº 1 do CPTA, demandando o Estado, o Conselho de Ministros, a Presidência do Conselho de Ministros e o Minstério da Educação, visando “a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, …, da norma contida no nº 3 da RCM nº 8/2011, conjugado com o nº 1, no que respeita à aplicação do AO90 aos alunos do sistema educativo público, no âmbito da Administração Pública directa, bem como as normas regulamentares subsequentes, em execução daquele nº 3 conjugado com o nº 1 da RCM nº 8/2011, designadamente as notas informativas do Ministério da Educação de Fevereiro e Setembro de 2011 acima referidas na medida em que calendarizaram a aplicação do AO90 ao sistema educativo público”.

Alegam para tanto, que os nºs 3 e 1 da RCM nº 8/2011, de 25/1, como a própria RCM no seu todo, encontram-se feridos de manifestas inconstitucionalidades materiais, orgânicas e formais, que determinam a sua nulidade, bem como à dos actos consequentes praticados ao abrigo da mesma.

Invocando que o AO90 não se encontra em vigor (arts. 16º a 26º da p.i.), imputam à RCM 8/2011 as seguintes ilegalidades e inconstitucionalidades: III. Das nulidades totais da RCM nº 8/2011; III.A. Da não revogação do Decreto nº 35.228 de 1945, pela Resolução do Conselho de Ministros nº 8/2011 (arts. 28º a 31º da p.i.); III.B. Inconstitucionalidade total, formal e orgânica, decorrente de preterição de indicação da correcta lei habilitante (arts. 32º a 46º da p.i.); III.C. Inconstitucionalidade total, orgânica e formal, decorrente de a RCM 8/2011 não citar nem se basear em nenhuma lei habilitante prévia, que tenha fixado a competência objectiva e subjectiva para a respectiva emissão (arts. 47º a 52º da p.i.); III.D. Inconstitucionalidade total por violação do princípio da precedência de lei (arts. 53º a 62º da p.i.); III.E. Inconstitucionalidade total e formal, devido a não assumir a forma de decreto regulamentar (arts. 63º a 66º da p.i.); III.E. Inconstitucionalidade e ilegalidade total por violação do princípio da participação dos interessados na gestão efectiva da Administração Pública (arts. 67º a 75º da p.i.); III. F. Ilegalidade total por preterição de formalidade essencial, por falta de consulta da Academia das Ciências de Lisboa (arts. 76 a 78º da p.i.); IV. Nulidades do nº 3 da RCM nº 8/2011, conjugado com o nº 1 do mesmo regulamento, no que respeita à imposição do AO90 aos alunos IV. A. Inconstitucionalidade por violação do direito à língua e da liberdade de expressão escrita, incluindo violação da garantia da proibição de censura (arts. 79º a 97º); IV.B. Restrição ilegal da liberdade de aprender e de ensinar e restrição do direito ao ensino e à educação (arts. 98º a 100º da p.i.); IV.C Inconstitucionalidade e ilegalidade por violação da proibição de dirigismo estatal na cultura (arts. 101º a 108º da p.i.); IV. D. Inconstitucionalidade por violação da prevalência dos pais na educação dos filhos (arts. 109º a 118º da p.i.); IV.E Inconstitucionalidade por violação da proibição de legislar sobre a língua portuguesa (limite material) (arts. 119º a 125º da p.i.); IV.F. Ilegalidade, por violação do direito à identidade cultural e do valor objectivo do património cultural imaterial da língua portuguesa (arts. 126º a 133º da p.i.); IV.E. Inconstitucionalidade e ilegalidade por violação da estabilidade ortográfica e por violação do princípio da boa-fé, na vertente de confiança legítima (arts. 134º a 150º da p.i.).

O Conselho de Ministros e a Presidência do Conselho de Ministros contestaram, suscitando a questão de que a RCM nº 8/2011 não é impugnável contenciosamente por não inovar na ordem jurídica, limitando-se a criar as condições materiais para que os compromissos internacionais assumidos pelo Estado português possam ser executados, constituindo um acto de dinamização do Acordo Ortográfico de 1990, sendo, como tal, um acto da função política e não um acto da função administrativa. Tal sendo igualmente a natureza das notas informativas emitidas pelo Ministério da Educação.

Invocam, consequentemente, a incompetência absoluta da Jurisdição Administrativa, face ao disposto no art. 4º, nº 2 do ETAF, segundo o qual está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa.

O Ministério da Educação contestou formulando as seguintes conclusões, em matéria de excepções: “…Por todo o expendido, parece ser de concluir que os instrumentos jurídicos que os Autores procuram impugnar se baseiam em opções políticas tomadas pelo Governo e, nessa medida, são inimpugnáveis.

…As notas Informativas do Ministério da Educação traduzem-se na execução do estabelecido no n.º 3 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, de 25 de janeiro, razão pela qual também devem ser consideradas inimpugnáveis.” O Estado contestou invocando que devem ser julgadas procedentes as excepções de incompetência absoluta deste Tribunal nos termos do art. 89º, nºs 1, 2 e 4 alínea a) do CPTA, art. 96º, alínea a), 99º, art. 576º, nºs 1 e 2 e 577º, alínea a) e 578º, todos do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA; e ilegitimidade passiva do Estado, nos termos do art. 10º, nº 2, 89º, nº 1, 2 e 4, al. a) do CPTA, art. 576º, nºs 1 e 2 e 577º, alínea a) e 578º, todos do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA.

  1. Os Factos Considera-se assente a seguinte matéria de facto com interesse para o conhecimento das excepções invocadas: 1 – O “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” de 1990 (AO90), foi assinado em Lisboa, em 16.12.1990, pela República Popular de Angola, pela República Federativa do Brasil, pela República de Cabo Verde, pela República da Guiné-Bissau, pela República de Moçambique, pela República Portuguesa e pela República Democrática de São Tomé e Príncipe – I série-A do DR, nº 193, de 23.08.1991, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

2 - A Resolução da Assembleia da República nº 26/91, de 04.06.1991, aprovou, para ratificação, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa -I série-A do DR, nº 193, de 23.08.91, que aqui se dá por integralmente reproduzido; 3 - Foi aprovada a Rectificação nº 19/91, de 15.10.1991, feita à Resolução da Assembleia da República nº 26/91 – I série-A do DR, nº 256, de 07.11.1991, que aqui se dá por integralmente reproduzida; 4 - O Decreto do Presidente da República nº 43/91, de 23.08.1991, ratificou o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa -l série-A do DR, n° 193, de 23.08.1991, que aqui se dá por integralmente reproduzido; 5 - O “Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, assinado na Praia, Cabo Verde, em 17.07.1998, pela República Popular de Angola, pela República Federativa do Brasil, pela República de Cabo Verde, pela República da Guiné-Bissau, pela República de Moçambique, pela República Portuguesa, e pela República Democrática de São Tomé e Príncipe, alterou a redacção dos arts. 2º e 3º, sendo ratificado pelo Decreto Presidencial nº 1/2000, de 28 de Janeiro -1 série-A do DR, nº 23, de 28.01.2000; 6 - O “Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” foi aprovado na V Conferência da CPLP, realizada em São Tomé e Príncipe, em 26 e 27 de Julho de 2004, sendo aprovado pela Resolução da Assembleia da República nº 35/2008, de 26 de Julho, e ratificado pelo Decreto Presidencial nº 52/2008, de 29/7 - cfr. DR, I série, nº 145, de 29.07.2008, aqui dado por integralmente reproduzido; 7 - A Resolução do Conselho de Ministros nº 8/2011 (RCM nº 8/2011), de 09.12.2010 – I série do DR de 25/1, tem o seguinte teor: “A língua portuguesa é um elemento essencial do património cultural português. A protecção, a valorização e o ensino da língua portuguesa, bem como a sua defesa e promoção da difusão internacional, são tarefas fundamentais do Estado, consagradas na Constituição. A prossecução destes objectivos é, igualmente, um desígnio do XVIII Governo Constitucional, materializado na adopção de uma política da língua, unificada e eficaz, como eixo fundamental do desenvolvimento...

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