Acórdão nº 0456/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução20 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

“ASSOCIAÇÃO A………”, B……….., C……….., D………….. e E…………, devidamente identificados nos autos, instauraram neste Supremo Tribunal a presente ação administrativa especial que prossegue contra CONSELHO DE MINISTROS [«CM»] e as contrainteressadas “PARPÚBLICA - PARTICIPAÇÕES PÚBLICAS, SGPS, SA” [«PARPÚBLICA»] e “TAP, SGPS, SA” [«TAP»], nos termos e com a motivação aduzida na petição inicial de fls. 02 e segs. dos autos [inconstitucionalidade/ilegalidades: i) falta de avaliação económica, financeira e contabilística independente no ato que desencadeou o processo de privatização (DL n.º 181-A/2014) que inquina o ato impugnado por em infração, nomeadamente, dos arts. 293.º, al. e), 03.º, n.º 3, ambos da CRP, 05.º da Lei n.º 11/90, de 5.04 (Lei-Quadro das Privatizações - vulgo «LQP»), 162.º a 192.º do CCP, bem como dos princípios da transparência, da imparcialidade, da boa-fé e da sustentabilidade; ii) violação de lei por parte do art. 05.º, al. c) do “Caderno de encargos da venda direta de referência” (doravante «CE») Anexo I à referida Resolução - dada a infração, nomeadamente, dos princípios da transparência e da imparcialidade, da igualdade, dos princípios de direito de UE como o do primado, da aplicabilidade direta, dos arts. 49.º e 54.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia («TFUE»), 03.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais («CSC»), quanto à exigência da manutenção da sede e da direção efetiva da “TAP” em Portugal; iii) violação de lei por parte do art. 05.º, al. d) do mesmo «CE» - dada a infração, nomeadamente, dos arts. 56.º e 57.º do TFUE, 16.º e 17.º da Diretiva n.º 2006/123/CE e dos princípios da liberdade de estabelecimento, da livre prestação de serviços, da não discriminação, da proporcionalidade e da necessidade, quanto à exigência de cumprimento das obrigações de serviço público por parte de quem adquirir a “TAP”; iv) violação de lei por parte do art. 05.º, al. e), do mesmo «CE» - dada a infração, nomeadamente, dos arts. 56.º e 57.º do TFUE, 16.º e 17.º da Diretiva n.º 2006/123/CE e do princípio da liberdade de estabelecimento, quanto à obrigatoriedade da manutenção e desenvolvimento do atual hub nacional], peticionando que se declare nula ou, então, se anule a Resolução do Conselho de Ministros n.º 4-A/2015 de 15 de janeiro, publicada na I.ª série, n.º 13, em 20 de janeiro, que aprovou o caderno de encargos da venda direta de referência de ações representativas de até 61% do capital social da “TAP - Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, SA” [TAP - SGPS, SA], a realizar no âmbito do processo de reprivatização indireta do capital social da “TAP - Transportes Aéreos Portugueses, SA” [TAP, SA].

1.2.

Citados o R. e contrainteressadas apenas o R. «CM» e a contrainteressada «PARPÚBLICA» vieram, de per si, apresentar contestação, no âmbito da qual produziram defesa por exceção e por impugnação, concluindo pela absolvição da instância ou, se assim não for entendido, pela absolvição do pedido, bem como pelo indeferimento do pedido de reenvio prejudicial junto do «TJUE» formulado pelos AA..

1.3.

Após contraditório e apresentação de resposta foi proferido despacho saneador pelo relator [datado de 28.10.2015 e inserto a fls. 445/452 v. dos autos], a julgar, por um lado, improcedentes as exceções de ilegitimidade ativa e de erro no objeto e, por outro lado, procedentes as exceções de ilegitimidade passiva dos entes demandados que haviam também sido demandados [«Estado Português», «PM» e «PCM»], absolvendo, em consequência, estes da instância, decisão essa que, alvo de parcial impugnação, foi mantida pelo acórdão de 23.11.2016.

1.4.

Após vistos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

  1. DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A APRECIAR Cumpre nesta sede aferir e decidir da admissibilidade do reenvio prejudicial nos autos sub specie e, verificados os respetivos pressupostos, formular o competente pedido.

    1. Estipula-se no art. 267.º do TFUE que “[o] Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. (…) Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie. (…) Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. (…) Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível”.

    2. Deriva do n.º 1 do art. 11.º do ETAF [na redação introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02.10 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário] que “[o] Supremo Tribunal Administrativo é o órgão superior da hierarquia dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal”, sendo que, nos termos do n.º 1 do art. 24.º do mesmo Estatuto, “[c]ompete à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo conhecer: … a) Dos processos em matéria administrativa relativos a ações ou omissões das seguintes entidades: … iii) Conselho de Ministros”, conhecimento este que é feito em 1.ª instância e de cuja decisão cabe recurso para o Pleno do mesmo Tribunal restrito à matéria de direito [cfr. n.º 3 do art. 12.º e al. a) do n.º 1 do art. 25.º, ambos do ETAF].

    3. Os órgãos jurisdicionais de cada Estado-Membro da União podem submeter uma questão ao TJUE sobre a interpretação ou a validade do direito da União se considerarem que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa [cfr. art. 267.º, § 2.º, do TFUE], sendo obrigatório tal pedido de reenvio se a decisão do órgão jurisdicional não for suscetível de recurso jurisdicional [cfr. § 3 do citado art. 267.º], exceto quando exista uma jurisprudência bem assente na matéria ou quando a forma correta de interpretar a regra de direito em causa não dê origem a nenhuma dúvida razoável.

    4. Frise-se, neste domínio, que importa ter em consideração a jurisprudência do TJUE, firmada no acórdão “Cilfit” [de 06.10.1982, C-283/81, n.º 21], quanto à caracterização do «ato claro» e sua implicação em termos de dispensa da obrigatoriedade do reenvio prejudicial a qual terá lugar apenas quando: i) a questão de direito da União suscitada perante o tribunal nacional não seja pertinente [o que ocorrerá quando, seja qual for a resposta a dar pelo TJUE à questão prejudicial, não decorrer dela qualquer relevância para a solução do litígio concreto]; ii) a norma de direito da União em causa já tenha sido objeto de interpretação por parte do TJUE [isto é, quando a mesma questão de direito já tenha sido decidida pelo referido Tribunal mesmo que não exista uma estrita identidade quanto ao objeto dos processos]; iii) a aplicação do direito da União se imponha com uma tal evidência que não deixe lugar a dúvida razoável quanto à solução a dar ao caso [para o que o órgão jurisdicional nacional deve estar convencido de que a mesma evidência se imporia igualmente aos órgãos jurisdicionais dos outros Estados-Membros, designadamente procedendo a uma comparação das várias versões linguísticas dos preceitos em apreço] [cfr., ainda, entre outros os Acs. do TJUE de 18.10.2011 («Boxus e o.

      », C‑128/09 a C‑131/09, C‑134/09 e C‑135/09, n.º 31), e de 01.10.2015 («AIFA», C‑452/14, n.º 43), in: «www.curia.europa.eu/juris/» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário].

    5. Presente se terá de ter aqui, igualmente, o entendimento do mesmo Tribunal, reiterado no seu acórdão 04.03.2004 [«Istituto nazionale della previdenza sociale (INPS)», C-19/01, C-50/01 e C-84/01], de que “no âmbito do artigo 234.º CE - (atual art. 267.º TFUE) -, o Tribunal de Justiça não pode pronunciar‑se sobre a interpretação de disposições legislativas ou regulamentares nacionais nem sobre a conformidade de tais disposições com o direito comunitário. Pode, no entanto, fornecer ao órgão jurisdicional nacional os elementos de interpretação pertencentes ao direito comunitário que lhe permitirão resolver o problema jurídico submetido à sua apreciação (v., designadamente, acórdãos de 18 de novembro de 1999, Teckal, C‑107/98, Colect., p. I‑8121, n.º 33, e de 23 de janeiro de 2003, Makedoniko Metro e Michaniki, C‑57/01, Colect., p. I‑1091, n.º 55)”.

    6. E, bem assim, o ainda considerado, nomeadamente, no acórdão de 14.07.2016 [«Promoimpresa Srl», C-458/14 e C-67/15, n.ºs 28 a 30] de que “as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência (acórdão de 6 de outubro de 2015, Târșia, C‑69/14, … n.º 12 e jurisprudência referida)” e que “não compete ao Tribunal de Justiça, no âmbito do sistema de cooperação judiciária estabelecido pelo artigo 267.º TFUE, verificar ou pôr em causa a exatidão da interpretação do direito nacional feita pelo tribunal nacional, a qual é da competência exclusiva deste último. Assim, o Tribunal de Justiça, quando decide a título prejudicial a pedido de um tribunal nacional, deve seguir a interpretação do direito nacional que lhe foi exposta por esse tribunal (acórdão de 6 de outubro de 2015, Târșia, C‑69/14, … n.º 13 e jurisprudência referida)”, na certeza de que “o Tribunal de Justiça só pode recusar‑se a...

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