Acórdão nº 0326/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DO C
Data da Resolução20 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A………….., S.A. devidamente identificada nos autos, inconformada com a decisão proferida no TCA Sul em 12 de Janeiro de 2017, que lhe concedeu provimento ao recurso interposto da decisão de 1ª instância, no âmbito da presente acção de contencioso pré-contratual, [acção intentada pela A………. contra a Escola Nacional de Bombeiros e em que é contra interessada a B………… S.A., com vista à (i) declaração de ilegalidade da cláusula 10ª, nº 2, al. e) do Programa do Concurso Público nº 09/ENB/2015 – Aquisição de Serviços de vigilância privada, ronda, 365 dias, 24h/dia, nas instalações do Centro de Formação de Sintra da Escola Nacional de Bombeiros para o ano de 2016, e à (ii) anulação da decisão da ENB que aplicou tal cláusula e, consequentemente, excluiu a proposta da ora recorrente e adjudicou à B…………. S.A. a aquisição dos serviços objecto do referido concurso], interpôs o presente recurso.

Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: «I. Vem o presente recurso de revista interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12 de Janeiro de 2017 que, não obstante a recorrente de ter proposto um preço superior ao limiar de anormalidade fixado no programa, decidiu condenar a recorrida a pedir esclarecimentos à recorrente nos termos do artigo 71º, nº 2 do CCP “em vista a decidir da admissão (ou exclusão) da proposta apresentada pela RECORRENTE”, julgando, em consequência, improcedente o pedido da recorrente de condenação da recorrida a admitir a sua proposta e a adjudicar-lhe a aquisição dos serviços objecto do concurso público nº 09/ENB/2015-CP, celebrando com a recorrente o respectivo contrato.

  1. Para o Tribunal Central Administrativo Sul, ainda que esteja fixado (directa ou indirectamente) o limiar de anormalidade do preço no programa do procedimento, a entidade adjudicante pode ainda assim qualificar o preço proposto como anormalmente baixo e pedir ao concorrente que o justifique nos termos do artigo 71º nºs 2 e 3 do CCP.

  2. E esse juízo de anormalidade pode assentar na suspeita de que o preço não permitirá cobrir os custos com a execução do contrato.

  3. São, pois, as seguintes as questões que se suscitam na presente revista: Estando o preço proposto acima do limiar de anormalidade fixado, directa ou indirectamente, no programa do procedimento, a entidade adjudicante pode ainda assim qualificar esse preço como “anormalmente baixo” e solicitar ao concorrente que o justifique? E poderá esse juízo de “anormalidade” que incida sobre preço que não é qualificado como anormalmente baixo assentar na suspeita de que o preço não permitirá cobrir os custos com a execução do contrato? V. As questões suscitadas são susceptíveis de se repetir num número elevado de casos futuros.

  4. O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul é de sentido contrário à jurisprudência quer do Tribunal Central Administrativo Norte (cf. Acórdão de 19 de Junho de 2015, proferido no processo 01646/14.5BESNT) quer do Supremo Tribunal Administrativo (cf. Acórdãos do STA de 03/12/2015, processo 0657/15, de 16/12/2015, processo 01047/15, de 07/01/2016, processo 01021/15, de 28/01/2016, processo 01255/15 e de 01/06/2016, processo 0576/16).

  5. Por outro lado, ao interpretar a disposição do artigo 71º nº 2 do CCP no sentido de permitir ao júri qualificar como “anómalo” um preço que se situe acima do limiar de anormalidade fixado nas peças do procedimento, o tribunal a quo cometeu um erro que não pode deixar de ser qualificado como grosseiro pois viola, de forma ostensiva, a letra e a ratio de tal preceito bem como a liberdade de gestão empresarial consagrada nos artigos 61º, nº 1 e 82º, nº 3 da Constituição e os princípios da concorrência, da estabilidade das regras do procedimento, da transparência, da boa-fé e da tutela da confiança.

  6. Estão, por conseguinte, preenchidos os pressupostos da admissibilidade da revista previstos no artigo 150º nº 1 do CPTA, pelo que deverá a mesma ser admitida.

  7. No procedimento em apreço, a recorrida fixou o valor a partir do qual considera o preço da proposta anormalmente baixo (cf. cláusula 4ª do Programa) tendo a recorrente proposto um preço superior àquele valor (cf. artigos 71º nº 1 e, 132º nº 2 do CCP).

  8. Tendo a recorrente proposto um preço acima do limiar de anormalidade fixado directamente no programa do concurso, a recorrida não poderá qualificar esse preço como “anormalmente baixo” e solicitar à recorrente que o justifique.

  9. Apenas nos casos em que a entidade adjudicante não tenha fixado o limiar do preço anormalmente baixo (seja directamente seja por remissão para o critério legal) é que é possível à entidade adjudicante lançar mão do mecanismo estabelecido no nº 2 do artigo 71º, ou seja, decidir considerar um preço anormalmente baixo.

  10. Não tem na letra do artigo 71º, nº 2 do CCP um mínimo de correspondência verbal nem corresponde ao pensamento legislativo o entendimento do tribunal a quo de que, ainda que a entidade adjudicante fixe no programa o limiar de anormalidade do preço, a entidade adjudicante pode decidir considerar o preço de uma proposta anormalmente baixo, ainda que o mesmo se situe acima daquele limiar.

  11. Ao fixar o preço base do concurso e/ou ao definir o que deva, nesse concurso, ser considerado um preço anormalmente baixo, a entidade adjudicante está a fixar “as regras do jogo”, definindo qual o valor até ao qual a proposta de preço poderá ser apresentada sem necessidade de justificações.

  12. Se ad hoc, na fase de avaliação de propostas, o Júri decidir considerar anormalmente baixo um preço que não o seja de acordo com as peças concursais e com a lei, então estará a alterar as regras concursais com violação do artigo 71º nºs 1 e 2 do CCP e dos princípios da concorrência, da estabilidade das peças concursais, da transparência, da boa-fé e da tutela da confiança (neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 19 de Junho de 2015, proferido no processo 01646/14.5BESNT e a sentença de 25 de Março de 2013 proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no processo nº 2841/14.2BESNT junta sob o documento nº 1).

  13. A jurisprudência Lombardini não é aplicável ao caso sub judice porquanto a situação de facto subjacente ao acórdão Lombardini nada ter a ver com a situação de facto em causa no procedimento concursal objecto dos presentes autos: i. No caso Lombardini estava em causa um critério de anomalia baseado na média dos preços propostos e, por isso, desconhecido de todos e susceptível de ser influenciado ou falseado pelos concorrentes; ii. No caso dos presentes autos, o limiar do preço anormalmente baixo é conhecido de todos à data da apresentação das propostas, e por isso, não corre o risco de ser falseado pelos concorrentes, não se justificando que a entidade adjudicante o possa reconsiderar.

  14. Concluindo-se que, estando o preço proposto acima do limiar de anormalidade fixado, directa ou indirectamente, no programa do procedimento, a entidade adjudicante não pode qualificar esse preço como “anormalmente baixo” e solicitar ao concorrente que o justifique nos termos dos artigos 71º nºs 2 e 3 do CCP.

  15. E nenhuma proposta de preço pode ser excluída com fundamento na suspeita de que o preço não cobre os custos.

  16. A anormalidade do preço para efeitos do CCP não é a que decorra da apresentação de um preço que alegadamente não cubra os custos.

  17. Para que seja anormalmente baixa, a proposta de preço tem que revelar um sério risco de impossibilidade de cumprimento do contrato.

  18. É o que decorre do artigo 71º nºs 1 e 2 do CCP.

  19. A previsão de um preço anormalmente baixo não se destina a garantir o cumprimento futuro pelo adjudicatário das obrigações legalmente previstas para com entidades terceiras ao contrato, como é o caso dos trabalhadores, da Segurança Social ou da Autoridade Tributária e Aduaneira; XXII. Pois, para tal existem, outros mecanismos legalmente previstos e adequados para o efeito.

  20. O que não é o caso do preço proposto já que deste não decorre, lógica e necessariamente, que o adjudicatário vá ou não cumprir as suas obrigações para com os trabalhadores, a Segurança Social ou a Autoridade Tributária e Aduaneira, razão pela qual se mostra manifestamente inapto a garantir o seu cumprimento.

  21. Da alegada não observância dos custos pelo preço proposto não pode extrair-se a conclusão de que a proposta não garanta o cumprimento das prestações correspectivas.

  22. Assim, o preço da recorrente não pode ser qualificado pela recorrida como “anómalo” com base na alegação de que o mesmo não cobre os custos, como o tribunal a quo entende que se impõe à recorrida aferir, solicitando esclarecimentos à recorrente.

  23. Esta questão já foi objecto de amplo tratamento jurisprudencial em cujo âmbito tem vindo a concluir-se pela inadmissibilidade da exclusão de propostas com o fundamento na alegada insuficiência do preço proposto para fazer face aos custos mínimos obrigatórios com o trabalho (cf. Acórdãos do STA de 14 de Fevereiro de 2013, proferido no processo 0912/12, de 7 de Janeiro de 2016, proferido no processo 01021/15, de 3 de Dezembro de 2015, proferido no processo 0657/15, de 28 de Janeiro de 2016, proferido no processo 01255/15 e de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo 01047/15).

  24. Porquanto não existe na lei disposição que imponha que o preço duma prestação de serviços deva incluir todos os custos inerentes à prestação do serviço em causa ou que proíba a prestação de serviços com prejuízo.

  25. Não podendo ser imposto às empresas que formem os preços a propor nos procedimentos concursais de determinada forma ou de acordo com determinado método ou que nele repercutam determinados custos ou que respeitem um preço mínimo resultante do somatório de custos que a entidade adjudicante resolva eleger como obrigatórios.

  26. Porque a isso se opõe a liberdade de gestão empresarial consagrada no artigo 61º nº 1 da Constituição.

  27. No...

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