Acórdão nº 01249/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução20 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. O MUNICÍPIO DE BARCELOS [MB] vem interpor «recurso de revista» do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], em 17.06.2016, que julgou improcedente a «impugnação da sentença arbitral» que intentara contra as sociedades A…………, S.A., B…………, S.A., C…………, S.A., e D…………, S.A.

    [artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) aprovada pela Lei nº63/2011, de 14.12].

    Culmina o recurso de revista formulando as seguintes «conclusões»: 1- Deverá o presente recurso ser admitido, porquanto contende com uma questão de elevada relevância jurídica e social cuja apreciação por este Supremo Tribunal se impõe nos termos e para os efeitos do artigo 150º nº1 do CPTA; 2- Propõe-se demonstrar que não tem aplicação a limitação constante do referido normativo, mas antes se justifica a excepcionalidade de uma reapreciação superior, atenta a importância fundamental da situação ora em crise e, bem assim, a necessidade do seu esclarecimento para uma melhor aplicação do direito; 3- Nestes termos, cumpre atender que a excepcionalidade da admissibilidade dos recursos interpostos das decisões proferidas pelo TCA para o STA aplicar-se-á na sua plenitude quando estes últimos decidam em «segunda instância». Urge, portanto, aferir se a decisão de que ora se recorre se encontra englobada na previsão da 1ª parte do artigo 150º, nº1, do CPTA; 4- Ora, estes autos foram iniciados com o requerimento inicial, no qual o Município autor, aqui recorrente, peticionou a anulação da decisão proferida pelo Tribunal Arbitral em 27 de Março de 2014. Não se conformando com a decisão final proferida por aquele tribunal, entendendo terem sido violados princípios fundamentais com influência decisiva na resolução do litígio, o aqui recorrente lançou mão do expediente previsto no artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária [LAV aprovada pela Lei nº63/2012, de 14.12, impulsionando a tramitação de uma «acção de anulação», versando sobre a decisão arbitral]; 5- Conforme já esclareceu o STA em acórdão datado de 08.11.2012, proferido no âmbito do processo nº0538/12, embora aí se alcance conclusão inversa à aqui defendida, dever-se-á entender que a «decisão sobre anulação de decisão arbitral não é susceptível de se reconduzir ao contexto das instâncias, o qual faz sentido para a organização dos tribunais estaduais, mas não para o processo e os recursos proferidos em tribunal arbitral regulado pela LAV»; 6- Neste sentido, sempre se diga que estando o Tribunal Arbitral fora da Organização Judiciária Estadual, não poderá este ser reconduzido ao conceito de instância, razão pela qual se considera que o acórdão ora recorrido, porque proferido no âmbito de uma «acção de anulação de decisão arbitral», não poderá ser entendido como decisão proferida em segunda instância; 7- Disso mesmo deu já conta o STA, em acórdão datado de 30 de Junho de 2016, proferido no âmbito do processo nº1/12.6BCPRT, ao preceituar que «Efectivamente, quando estabelece que da decisão arbitral cabem para o Tribunal da Relação os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca, a LAV não está a restringir expressamente o direito ao recurso, suprimindo a possibilidade de impugnação da decisão da Relação junto do STJ, mas apenas a equiparar, para efeitos de recurso, a sentença arbitral à sentença judicial de 1ª instância»; 8- Ainda no mesmo aresto sufraga que «considerando-se que a arbitragem voluntária constitui modo de resolução jurisdicional de conflitos que conduz a uma decisão com valor jurisdicional equiparada à sentença judicial de 1ª instância, e sujeita ao mesmo sistema de recursório, na ausência de disposição legal expressa que o exclua, conclui-se que o acórdão recorrido poderia ser, como foi objecto de recurso excepcional de revista [...]». Assim sendo, como é, ter-se-á de concluir que o presente recurso não se encontra abrangido pela limitação constante do artigo 150º, nº1 do CPTA, antes devendo a sua admissibilidade aferir-se pelas regras gerais sobre admissibilidade dos recursos; 9- Aliás, ainda no seguimento da argumentação até aqui expendida - não se poder reconduzir o presente caso ao conceito de instâncias - a interpretação da norma constante do artigo 150º, nº1 do CPTA no sentido em que estaria vedado o recurso da decisão do Tribunal Central Administrativo sobre a acção de impugnação de decisão do tribunal arbitral, por ser uma decisão proferida em primeira instância, sempre enfermaria de inconstitucionalidade por violação do artigo 20º e 268º, nº4, da Constituição da República Portuguesa, por não estar garantido o princípio da tutela jurisdicional efectiva e acesso aos tribunais. Nesta medida, deve, pois, o presente recurso ser admitido como revista com o fundamento no disposto no artigo 46º da LAV e artigos 140º e 150º, nº1, a contrário, do CPTA; 10- Em complemento do acima exposto, atente-se que o presente recurso tem por objecto uma questão de elevada relevância jurídica cujo tratamento reclama a intervenção de uma instância superior. Sobre o conceito de relevância jurídica, a jurisprudência tem firmado que será toda aquela que seja dotada de especial complexidade, ou complexidade superior ao comum, seja por força operações exegéticas a efectuar, ou pelo enquadramento normativo especialmente intricado, ou pela necessidade de concatenar diversos regimes legais ou institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias na jurisprudência ou na doutrina [ver AC STA de 16.12.2009, Rº01206/09; AC STA de 19.09.2016, Rº0664/12]; 11- Relativamente à complexidade dispôs o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão datado de 16 de Dezembro de 2009, proferido no âmbito do processo nº01206/09, que uma questão seria manifestamente complexa quando a subsunção jurídica impusesse um importante e detalhado exercício de exegese, um largo debate pela doutrina e jurisprudência com o objectivo de se obter um consenso em termos de vir a servir de orientação quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução da questão, a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação com que poderão contar das normas aplicáveis, quer para as instâncias, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito; 12- No caso sub judice, a questão cuja apreciação foi suscitada e sobre a qual recaiu a decisão de que agora se recorre prende-se com o facto de, no decurso do processo arbitral, ter sido indeferido um pedido de produção de prova, num segmento relativo à factualidade sobre a qual assenta a tese apresentada pela defesa, prejudicando de forma injustificada a apreciação do mérito de um dos seus argumentos centrais, com consequências evidentes na decisão que foi proferida, consubstanciando-se, assim, na decisão arbitral, violação dos princípios da igualdade e do contraditório constantes nas alíneas b) e c) do nº1 do artigo 30º da LAV. Ora, o tribunal recorrido entendeu que a recusa de produção de prova requerida pelo aqui recorrente não seria passível de representar violação aos princípios da igualdade e contraditório apta a fundamentar a anulação da decisão arbitral; 13- Nestes termos, a questão que cumpre colocar a esta instância superior é a de saber se o entendimento segundo o qual a imposição de restrições à produção de meios de prova, no âmbito de processo arbitral, salvaguarda o princípio de igualdade e o princípio do contraditório constantes das alíneas b) e c) do nº1 do artigo 30º da LAV ou se, pelo contrário, como defende o aqui recorrente, a produção de prova requerida, em sede de processo arbitral, não pode ser restringida, quando necessária para a descoberta da verdade de elementos essenciais para a boa decisão da causa, nos termos do artigo 30º, nº1, da LAV; 14- Afigura-se, pois, uma questão cujo grau de relevância jurídica e complexidade são passíveis de justificar a admissibilidade deste recurso, nos termos e para os efeitos do artigo 150º, nº1, do CPTA. No fundo, trata-se de questão que convoca a determinação e alcance de princípios que formam o travejamento estrutural do processo, designadamente os princípios da igualdade e do contraditório; 15- A lei exige ainda que a questão a apreciar seja dotada de relevância social fundamental. Nesta matéria, a jurisprudência tem estabelecido que aqui se incluem questões com contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos ou situações que revelem uma especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Entende-se unanimemente que a questão deve importar «realização de interesses comunitários de grande relevo». Cumpre, pois, avançar sumariamente com uma descrição da factualidade subjacente à questão de cuja apreciação se recorre, por forma a clarificar o real impacto que a decisão a proferir revestirá; 16- Em termos sintéticos, está na base do presente recurso uma condenação do Município de Barcelos, aqui recorrente, por decisão proferida por tribunal arbitral, a pagar às ora recorridas o montante de 8.600.000.00 Euros; 17- Apontando a violação dos princípios da igualdade de tratamento e contraditório, princípios fundamentais referidos no nº1 do artigo 30º da LAV, intentou o ora recorrente uma acção de anulação no TCAN, tendo este julgado improcedente a referida impugnação; 18- Cumpre, porém, ter presente que a matéria em discussão envolve questões relacionadas com um contrato de parceria celebrado entre o ente público e as entidades privadas recorridas, acarretando a movimentação de avultados montantes pertencentes ao erário público, o que justifica, desde logo, que se considere como de importância fundamental; 19- Assim entendeu, a título exemplificativo, este STA em acórdão de 21.10.2014, proferido no âmbito do processo nº0991/14, no âmbito do qual determinou «É de admitir revista, em sede da apreciação preliminar a que se reporta o artigo 150º, nº4, do CPTA, se está sob...

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