Acórdão nº 0260/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução09 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I-RELATÓRIO 1.

A………… interpõe recurso jurisdicional para o STA, ao abrigo do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido no TCAN, em 4 de Novembro de 2016 que negou provimento ao recurso jurisdicional por si interposto - da sentença do TAF do Porto que, no âmbito da acção administrativa especial, julgara a acção parcialmente procedente, anulando a deliberação da CÂMARA MUNICIPAL DO …………, que decidira aplicar-lhe a pena disciplinar de inactividade pelo período de um ano, e improcedente o pedido de condenação do R. no arquivamento dos autos - e concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo MUNICÍPIO DO …………, revogando a decisão recorrida quanto à anulação do acto recorrido, mantendo-o na ordem jurídica.

2.

A recorrente conclui as suas alegações da seguinte forma: ” 1. ENQUADRAMENTO E OBJETO DO RECURSO A. Constitui objeto do presente Recurso a decisão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferida em 04.11.2016, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pela ora Recorrente, mantendo a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na parte em que julgou improcedente a ação; B. No mesmo acórdão, decidiu ainda o TCA Norte conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrido, tendo revogado a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na parte em que anulou o ato administrativo impugnado por falta de fundamentação e, consequentemente, julgou a ação totalmente improcedente.

C. A decisão do TCA Norte baseou-se sobretudo em três fundamentos, que abaixo se indicam: a. Inexistência de vício de forma por falta de fundamentação do ato administrativo que determinou a aplicação da sanção de inatividade por um ano à Recorrente; b. Carência de suporte fáctico e jurídico da afirmação, por parte do Advogado da Recorrente, da sua exclusiva responsabilidade e autoria pelo que foi escrito na defesa escrita em causa; c. Imputação de factos à Recorrente, constantes da defesa escrita apresentada em anterior procedimento disciplinar, que se consubstanciaram na violação de um conjunto de normas tuteladoras do bem jurídico honra, não padecendo de qualquer erro a decisão disciplinar impugnada nos autos.

D. Relativamente à questão que se prende com o vício da falta de fundamentação do ato administrativo, importa explicitar o seguinte: no âmbito do processo disciplinar instaurado no seguimento da defesa apresentada pela Recorrente, perante a proposta de demissão constante do Relatório Final, o Vereador do Pelouro da Câmara Municipal do ………, responsável pelos Recursos Humanos, propôs que fosse substituída essa pena por uma pena de inatividade pelo período de um ano.

E. Perante a referida deliberação, pronunciou-se o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no sentido de considerar que a mesma carece de fundamentação, uma vez que não constam do relatório final quaisquer fundamentos para a aplicação de pena de inatividade, já que no mesmo é apenas proposta a aplicação de pena de demissão.

F. Por sua vez, o Tribunal Central Administrativo Norte entendeu que não se verifica qualquer vício de falta de fundamentação, uma vez que a mesma “é expressa, e porque constante do relatório final do instrutor” e que “todos os factos provados permitiram à Recorrida entender as razões de facto e de direito que determinaram o autor do ato a agir e a escolher a medida adotada”.

G. Face a esta discrepância de entendimentos, deverá considerar que a proposta de aplicação pena de inatividade está insuficientemente fundamentada, pois no Relatório Final apenas constam os fundamentos para a pena de demissão? H. Ou, por sua vez, deverá considerar-se devidamente fundamentada a decisão, devendo para isso considerar-se que a fundamentação consta do relatório final do processo disciplinar que aplicou a pena de demissão? I. Apesar de se ter alterado a pena a aplicar (para inatividade pelo período de um ano) pode utilizar-se a mesma fundamentação que se utilizou para justificar a pena de demissão? J. Em relação à exclusiva responsabilidade do Advogado da Recorrente pelo que foi escrito na defesa, no ato punitivo aqui em apreço, a Autora foi sancionada pelo que alegou, por intermédio do seu Mandatário nos números 48 a 55 da defesa escrita.

K. Terão sido as conclusões que se extraíram do conteúdo dos supra citados números da defesa escrita que originaram o procedimento disciplinar instaurado à Recorrente, o qual resultou na decisão aqui impugnada.

L. Perante esta factualidade, deverá considerar-se que a Recorrente não cometeu as infrações disciplinares de que vem acusada, nem quaisquer outras, em virtude de as frases ou expressões tidas como violadoras dos deveres funcionais da Recorrente serem, todas elas, da responsabilidade do advogado signatário que a patrocinou, igualmente no primeiro processo disciplinar? M. Sobretudo, tendo em conta que o Advogado assumiu que o referido trecho era de sua inteira e exclusiva responsabilidade, deverá ser penalizado o cliente pelo modo como o seu advogado entendeu dever exercer o seu mandato? N. Ou, por outro lado, deverá concluir-se que a Requerente, por não ter revogado o mandato, além de ter referido que mantinha os factos constantes da defesa escrita, deverá ser integralmente responsabilizada pelos factos extraídos dessa defesa? O. Mesmo tendo em conta o dever de confiança que pende sobre a cliente pela correta defesa dos seus interesses por parte seu mandatário? P. Cumpre, ainda, aferir se as palavras proferidas pela Recorrente na defesa do procedimento disciplinar consubstanciam na violação do bem jurídico honra dos seus colegas.

Q. Deverá entender-se que a Recorrente imputou factos aos seus colegas e superiores hierárquicos que atingem o núcleo essencial das suas qualidades morais e profissionais, o que se consubstancia numa ofensa à honra devendo, como tal, a Recorrente ser disciplinarmente punida? R. Ou não estaremos apenas perante meros juízos interpretativos sobre os contextos e motivações psicológicas das atitudes tomadas pelos superiores hierárquicos em causa, que poderão porventura ser tidos pelas visadas por injustos, ligeiros e não inteiramente corretos, mas que de modo algum se traduziram em difamação, nem descreveram factos falsos? - Tratando-se, no fundo, da formulação e expressão de juízos ou valorações perfunctórias sobre a atuação de detentores de poderes públicos — como é o caso das visadas — que não podem ser objeto de proibição ou restrição num Estado democrático de direito como o nosso, sobretudo no delicado âmbito de uma defesa num processo disciplinar? II. DA FUNDAMENTAÇÃO PARA A ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXCECIONAL DE REVISTA (...).

III. DO MÉRITO DO RECURSO: DO ERRO NA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS - EM CONCRETO, DA INEXISTÊNCIA DE FACTUALIDADE SUSCETÍVEL DE INTEGRAR QUALQUER ILÍCITO DISCIPLINAR KK. Como já supra indicado na delimitação do objeto do presente Recurso, cumpre saber então se as palavras constantes da defesa do procedimento disciplinar n.º D/26/07 consubstanciam na violação de qualquer dever funcional a que a Recorrente estivesse sujeita, tendo por isso relevância jurídica suficiente para justificar a instauração de um procedimento disciplinar e, consequentemente, a decisão sancionatória que daí resultou.

LL. O Tribunal a quo, confirmando esta decisão, entendeu que a conduta da Recorrente foi suscetível de preencher o tipo de ilícito criminal da difamação, por ofender o bem jurídico “honra” relativamente a três pessoas.

MM. Porém, é evidente que, perante os factos assentes, não é possível considerarmos as ilações vertidas na defesa escrita como injuriosas, por manifesta impossibilidade de verificação dos elementos objetivos deste tipo, só sendo configurável a hipótese de o comportamento da Recorrente resultar na prática de factos que integrem o crime de difamação.

NN. Só que os factos em causa não são suscetíveis de preencher o crime de difamação.

OO. Retiramos, após uma primeira leitura do disposto no artigo 180.° do Código Penal, que a ofensa do bem jurídico honra sob a forma de difamação requer que seja imputada a outra pessoa um determinado facto ou formulado um juízo ofensivo da sua honra ou consideração.

PP. Com efeito, e no âmbito de um procedimento disciplinar, nunca teria, nem nunca teve, a Recorrente — representada ou não pelo seu mandatário — o interesse em atentar contra a honra ou consideração de quem quer que fosse, ou de criar suspeitas contra os seus colegas ou superiores.

QQ. Aliás, perante uma leitura isenta e imparcial dessa defesa, só se pode concluir que expressões lá contidas não são mais do que um reflexo da frustração da Requerente em ver-se arguida num procedimento disciplinar, quando convicta de que lhe assistia razão e que não havia praticado os factos que lhe estavam a ser imputados.

RR. As palavras usadas nos artigos 49.° a 51.° da sua defesa e agora em causa são uma interpretação feita a partir da expressão “conforme solicitado“.

SS. Ver nesta interpretação literal da expressão “conforme solicitado…“ a imputação de uma “autêntica conspiração” é simultaneamente: (i) negar um facto verdadeiro (que houve uma solicitação que foi acatada para ser feita uma participação disciplinar) e (ii) extrair conclusões como se esse facto verdadeiro não existisse (pois só faz sentido falar em teorias da conspiração, quando o facto em que aquela se traduz não tenha existido).

TT. Mais: como é possível integrar uma interpretação plausível de factos objetivos, que nem sequer são postos em causa, constante da alegação em sede de defesa de um processo disciplinar como violando os deveres de prossecução do serviço público, zelo, obediência e de correção? UU. Não é admissível considerar violado o dever de prossecução do serviço público, quando alguém se defende num processo disciplinar e nesse processo invoca factos que plausivelmente denunciam má vontade.

VV. Assim como é caricato dizer que foi violado o dever de zelo, pois...

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