Acórdão nº 0484/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | ANA PAULA PORTELA |
Data da Resolução | 16 de Novembro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I-RELATÓRIO 1.
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do ESTADO PORTUGUÊS, interpõe recurso jurisdicional para o STA, ao abrigo do art. 150º do CPTA, do acórdão do TCAS, de 15 de Dezembro de 2016, que revogou parcialmente a sentença do TAF de Almada _ que julgara parcialmente procedente a acção administrativa comum interposta por A……….. e B……… _, condenando o R. Estado Português a pagar ao 1º Autor a quantia de € 325,00, acrescida da quantia a apurar em incidente de liquidação de sentença relativa às despesas de funeral, e juros de mora, à taxa legal, desde a citação, e ao 2º Autor a quantia de € 100.000,00, sendo € 70.000,00 pelo dano morte, € 10.000,00 pelo sofrimento da vítima até ao momento da morte e € 20.000,00 pelo sofrimento do filho da vítima, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.
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Para tanto o MP conclui as suas alegações da seguinte forma: “1º. Impõe-se a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, face ao erro de julgamento evidente do Venerando Tribunal recorrido na aplicação do direito e deste aos factos, com o prejuízo daí decorrente para interesses públicos relevantes, podendo haver alarme social na condenação do Estado Português, dadas as circunstâncias que antecederam o evento danoso, para dissipar dúvidas sobre a matéria de direito em apreço e sobre o quadro legal que a regula, havendo utilidade prática na apreciação das questões suscitadas, tendo em vista uma boa administração da justiça, e por ser necessária a intervenção desse Tribunal para correção da situação, nos termos do art. 150º do CPTA.
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No caso em apreço não se mostram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil do Estado, dado que não ficou demonstrada a existência de ilicitude, da culpa, ou sequer a existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano, considerados no douto Acórdão recorrido (cfr. jurisprudência atrás citada).
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Não era previsível para o agente que a atuação descrita viesse a provocar a morte da vítima que só ocorreu por circunstâncias excecionais ou extraordinárias, pois que, de acordo com a doutrina atrás exposta, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis. E foi o caso! 4º Os factos em apreço verificaram-se durante o ano de 2006, pelo que não se aplica in casu o regime da responsabilidade civil prevista na Lei n.º 67/2007, de 31/12 (art. 12º nº 1, do C. Civil), tendo sido invocados como fundamento da condenação do Réu/Estado, os art. 494º, 495º, 496º e 566º, todos do C. Civil.
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A vítima e o seu acompanhante eram suspeitos de furto de motociclo que estava na posse dos mesmos, a GNR procurava investigar a sua proveniência, os agentes foram previamente provocados, com insultos, ameaças e agressão, perseguiam os supostos criminosos imediatamente antes do disparo, o falecido era considerado um indivíduo perigoso por ser suspeito e estar a ser investigado em diversos inquéritos por crimes de uso de arma proibida, tinha na sua posse um x-ato, empreendeu a fuga, assim como o seu acompanhante, sem prestar os devidos esclarecimentos aos referidos agentes sobre a proveniência do veículo, 6º Na altura era de noite, cerca da meia-noite, e o local, onde os suspeitos de crime de furto se refugiaram e onde se verificou o disparo, era uma mata sem visibilidade, tinha o piso irregular e em declive ascendente, o agente que disparou estava receoso de agressão à sua integridade física, desconhecia o local e nem se apercebeu de que havia atingido o visado, nem queria fazê-lo, tratando-se de um disparo acidental e com total ausência de dolo, tendo ocorrido quando o agente corria em perseguição do falecido e só aconteceu porque a arma disparou inesperadamente quando a municiava, 7º O Autor B……….. tinha apenas 5 meses de idade, não tendo, sequer, demonstrado que vivia com o pai e a cargo deste e, apenas, provou que sofreu com a morte do mesmo e que tem dificuldade em a compreender, 8º O falecido, não obstante o seu percurso de estudante e as suas perspetivas futuras já era suspeito e investigado por ilícitos criminais relacionados com a posse de arma proibida, e era tido como pessoa que habitualmente andava armado, inclusive com armas de fogo, factos e circunstâncias que resultam provados pelas alíneas e) a o), m), n) a q), s) a w), u) a y), aa), dd), jj), hhh), nnn) e rrrr) a wwww), do probatório.
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A atuação e a fuga dos suspeitos para um local de reduzida visibilidade manifestamente contribuiu para o sucedido, não sendo avisado pôr em causa a atuação legítima das autoridades, agindo como exposto, tendo o recurso a arma de fogo por parte do agente sido absolutamente necessária para eventualmente forçar os suspeitos a parar, evitar a fuga destes, para defesa e repelir eventual agressão previsível da parte dos mesmos, tendo respeitado os princípios da proporcionalidade e da necessidade (cf. Decreto-Lei n° 457/99, de 5 de Novembro).
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Assim, apesar da conduta do militar da GNR, deveria o Tribunal Central Administrativo Sul ter excluído o pagamento de qualquer indemnização, devido à contribuição decisiva do lesado e sua conduta censurável, para o evento que lhe produziu a morte, sendo certo se pôs em fuga, quando devia ter esclarecido as autoridades sobre a posse do veículo e ter-se sujeitado à investigação por parte dos agentes de autoridade, como devia, e assim atua, qualquer cidadão bem comportado - art. 563º, a contrario, e 570º n.º 1, ambos do C. Civil.
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Atendendo ao circunstancialismo exposto, não se mostram reunidos os pressupostos do direito de indemnização que conduziram à condenação do Estado Português, nem podia manifestamente proceder o pedido, devendo a ação ter sido julgada improcedente e não provada e este Réu ter sido absolvido do pedido, na sua totalidade, constituindo causa de exclusão da indemnização a conduta da própria vítima - art. 483º, 487º, 494º, 496º, 563º, 566º, e 570º, n. 1, todos do C. Civil.
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Sem nada conceder, atendendo a que os valores atribuídos discriminadamente a título de danos não patrimoniais são de considerar indevidos, desmesurados, injustos e excessivos, face às circunstâncias e factualidade provada, à conduta e percurso da vítima, sendo de considerar, face à matéria provada, no mínimo, que o falecido concorreu substancialmente para a produção do evento morte, sendo as circunstâncias descritas causa concorrencial do evento danoso, o que deve relevar para a acentuada diminuição dos valores atribuídos.
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Igualmente, tendo em conta a prática jurisprudencial sobre a matéria e com vista a uma aplicação em termos de igualdade e de justiça, relativamente a outros casos semelhantes, não devendo ser atribuídos valores muito próximos do limite máximo normalmente aplicado na atualidade pelos nossos Tribunais, uma vez que o caso em apreço não respeita a factos atuais, devem ser substancialmente reduzidos os valores parcelares atribuídos por danos não patrimoniais (cf. jurisprudência atrás transcrita e citada).
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Deste modo, não ocorrendo a absolvição total do pedido por parte do, ora, Recorrente, ao menos, tendo em conta as circunstâncias do caso e os valores normalmente atribuídos nestas situações, devem ser fixados valores indemnizatórios muito inferiores aos atribuídos, sendo razoável concluir por uma repartição igualitária de culpas entre o agente e a vítima — art. 570º, n.º 1, do C. Civil (cf. jurisprudência citada num caso muito semelhante).
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Sem nada conceder, mesmo que assim não se entenda, no caso em apreço, deve, pelo menos, considerar-se que a culpa, ou seja, o grau de censura dirigida ao autor do facto, se encontra muito mitigada, o que deve conduzir igualmente à já pedida redução dos valores indemnizatórios.
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Nas quantias fixadas, ainda que com recurso à equidade, deve-se atender aos danos, ao grau de culpa do agente, à situação económica do lesado e do responsável civil e demais circunstâncias do caso — art. 494º, aplicável por força do art. 496º n.º 4, do C. Civil.
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Pelo que, sem nada conceder no que concerne ao entendimento de que o Estado Português devia ter sido absolvido da totalidade dos pedidos, atendendo a que é ao Autor que incumbe a prova dos factos em que fundamenta o pedido (art. 342º do C. C) e que, apenas se provaram, no que concerne às consequências relativas ao evento danoso, os factos a que aludem as alíneas ss) e tt), para além dos factos já atrás indicados, 18º face ao nível de vida do nosso país e a que o Estado se encontra em situação de crise e falência, como bem reconheceu o douto Acórdão recorrido, e à situação económica do lesado, o valor global indemnizatório atribuído, deve ser reduzido a valor global não superior ao indicado, isto a 65.000,00€, assim discriminado: 50.000,00€ pelo dano morte; 5.000,00€ pelo sofrimento da vítima; e 10.000,00€ pelo sofrimento do filho da vítima.
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O douto Acórdão de que se recorre enferma de erro de direito ou de julgamento, assim como da sua subsunção do direito aos factos provados, nomeadamente com ofensa e erro de interpretação e aplicabilidade do art. 2º do DL 48051, de 21/11/67, e dos art. 483º, 487º, 494º, 496º, 563.º a contrario, 566º, 570.º, n.º 1, e 572º, todos do C. Civil, devendo ser revogado e substituído por outro que decida em conformidade com o exposto.
Assim decidindo farão Vossas Excelências a costumada, JUSTIÇA!” 3.
A……….. e B……….. concluem as suas contra-alegações da seguinte forma: “ A. O recurso jurisdicional de revista tem uma natureza marcadamente excepcional e, portanto, a sua admissibilidade está circunscrita a elenco limitado e muito concreto de casos (cfr. o art. 150°, n.° 1 do CPTA).
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O presente caso não se enquadra em nenhum desses casos, C. No essencial, o Recorrente não se conforma com o sentido decisório do acórdão recorrido, mas, como é sabido, tal não o legitima a interpor o presente...
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