Acórdão nº 01100/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelASCENS
Data da Resolução22 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 - RELATÓRIO A Representante da Fazenda Pública, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão proferida pelo TAF de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………….., melhor identificado nos autos, contra a liquidação adicional de IRS, do período de tributação de 2010, no valor de € 33.880.11.

Inconformada com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões: «I. A Lei 15/2010 de 26/07 entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, introduzindo um novo regime de tributação das mais-valias mobiliárias, agravando, por um lado, a taxa prevista no art. 72.º n.º 4, CIRS em dez pontos percentuais, cifrando-se em 20%, e, por outro lado, revogando o art. 10º nº 2 e 4, CIRS, extinguindo assim a exclusão tributária vigente, relativa a mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais detidas pelos seus titulares há mais de 12 meses.

  1. Até 1997, uma lei fiscal seria inconstitucional apenas quando fosse imposto um grau de retroatividade tal que ousasse chocar a consciência jurídica e frustrando as expectativas fundadas dos contribuintes (cfr. neste sentido, por exemplo o parecer da comissão Constitucional nº 25/81, em pareceres da comissão Constitucional, 16ª Vol., p. 257; o Parecer nº 14/82, em Pareceres…, 19º Vol. P.183) Através deste critério subjetivo enunciou o Tribunal Constitucional por diversas vezes que, a retroatividade das leis fiscais seria constitucionalmente legítima sempre que não ferisse “de forma inadmissível ou intolerável, a certeza e a confiança na ordem jurídica dos cidadãos por ela afetadas; ou que não trai de forma arbitrária e injustificada, as expectativas juridicamente tuteladas e criadas na esfera jurídica dos cidadãos ao abrigo das disposições vigentes à data da ocorrência das factos que os geraram.” (Cfr. o Acórdão do Tribunal nº 11/83, em Acórdãos do Tribunal constitucional, 12 vol. p. 11; o Acórdão nº 141/85, em Acórdão..., 6º voI., p. 39; e ainda os Acórdãos nºs 409/89, 216/90, 410/95 e 1006/96, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional pt).

  2. A partir de 1997, e formalizado que ficou na Constituição o princípio da não retroatividade em matéria fiscal, a jurisprudência do Tribunal Constitucional (de ora em diante TC) tem vindo a entender, num processo contínuo de sedimentação que, o escopo da norma extraída do nº 3, do art. 103º CRP revela, não uma dimensão subjetiva, mas, tão só, objetiva.

  3. Porém, mesmo após introdução expressa deste princípio no texto constitucional, a sua concretização prestou-se (e presta-se) a sérias dificuldades de apreensão do seu alcance.

  4. Como sustenta o prof. Alberto Xavier: “não basta afirmar que a lei fiscal não pode ser retroactiva, pois a concretização deste princípio envolve sérias dificuldades, atendendo a que se podem descortinar dentro dele diversos graus, sendo que, do ponto de visto constitucional, alguns são mais gravemente desvalorados do que outros” (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Lisboa 1974, p. 196 e segs; idem, “O problema da retroactividade das leis sobre imposto de renda”, in Textos Seleccionados de Direito Tributário, coord. de Sampaio Dória, São Paulo, 1983, p. 77 e segs. Mais recentemente cfr. Américo Fernando Brás Carlos, Impostos — Teoria Geral, 3 ed., Coimbra, 2010, p. 142 e segs).

  5. Na esteira da jurisprudência do Tribunal Constitucional vazada dos acórdãos nº 18/2011 de 12 de janeiro e 0399/2010, não se produziram todos os efeitos relativos ao quantum tributário, designadamente, o apuramento do saldo, e outros, relativos à liquidação e pagamento dos impostos.

  6. O IRS caracteriza-se por ser um imposto direto e periódico que tributa os rendimentos das pessoas singulares. Este imposto, apesar de compartimentado por categorias ou tipos de rendimentos, assenta em factos tributários de formação sucessiva, sendo que, o facto tributário complexo sujeito a imposto, só se estabiliza no fim do ano fiscal, em 31 de dezembro de cada ano.

  7. É certo que o rendimento objeto da presente impugnação tem a sua incidência prevista no art. 10º, nº 1, alínea b), CIRS. Estamos, efetivamente, na presença de uma eventual mais-valia proveniente da alienação de valores mobiliários.

  8. Todavia, é decisivo que se vinque: que o que é tributado nesta categoria, não é a mais-valia potencial, mas o saldo apurado entre as mais e as menos valias realizadas no respetivo ano, nos temos do art. 43º, nº 1, do CIRS. Labor que, invariavelmente, só poderá ser realizado no fim do ano fiscal X. No caso sub judice estamos na presença de um rendimento sujeito à taxa especial do art. 72º, nº 4, CIRS, pelo que a parcela de imposto só vem a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com os restantes rendimentos tributáveis em sede de IRS.

    Xl. Cumpre ainda referir que as normas relativas à caducidade do direito à liquidação e à prescrição se moldam de um modo coerente ao caráter anual do imposto. Estipula o artigo 45º, n.º 4, da LGT que nos impostos periódicos o prazo de caducidade se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, e o artigo 48.º n.º 1, LGT determina que as dívidas tributárias prescrevem nos impostos periódicos, no prazo de oito anos, contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

    XI Ora, se o facto tributário complexo só se forma no final de cada ano, e se, no caso concreto, a Lei 15/2010 já vigorava desde o dia 27/07/2010, de modo algum se mostra violado o disposto no art. 12.º, LGT.

  9. A Administração Fiscal entende, à luz do douto acórdão prolatado pelo Tribunal Constitucional em 12 de janeiro, no recurso 18/2011, que o momento relevante é o do facto tributário complexo. Aquele que se forma não na data da alienação das participações sociais mas no momento em que o seu quantum se estabiliza com o apuramento do saldo. Até lá o que há é um juízo de mera potencialidade.

  10. Sendo inolvidável que face à natureza dos impostos sobre o rendimento vigentes na nossa Ordem Jurídica Tributária, nem o IRS nem o IRC tributam mais-valias potenciais ou latentes.

  11. Quem defende que o facto tributário relevante é o da alienação da participação suporta-se não numa certeza, mas na pressuposição que vai haver ganho. Isto, só por si, é revelador da falta de autonomia que o facto tributário simples tem face ao facto tributário complexo, e, da prevalência que este assume perante o primeiro. Idiossincrasias difíceis de eliminar da lei fiscal, ou da interpretação que se faça dela.

  12. A Fazenda Pública conclui, pois, contrariamente ao que foi entendido pelo douto tribunal a quo que a liquidação emitida nestes termos, situou-se não no plano da retroatividade autêntica, mas, no plano tipológico da paradigmática retrospetividade ou retroatividade impura XVII. Pelo que, se à data do apuramento da mais-valia já vigorava a Lei 15/2010 de 27 de julho de 2010, então forçoso é concluir que a taxa aplicável é a que resulta da lei vigente e que foi aplicada na liquidação impugnada.

  13. A sentença recorrida ao assim não entender não fez correta apreciação da matéria de direito, impondo-se a sua revogação e substituição por decisão que, suportada na interpretação ora expendida julgue procedente o presente recurso e, consequentemente, improcedente os presentes autos de Impugnação Judicial.

    Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.» O recorrido, A…………….. veio apresentar as suas contra alegações com o seguinte quadro conclusivo: «

    1. Em 02.07.2010, o Recorrido vendeu um conjunto de acções, tendo, em consequência, declarado no Anexo G à declaração de rendimentos referentes ao ano de 2010, a referida alienação, facto este que deu origem a uma mais-valia tributada pela Autoridade Tributária.

    2. A Administração Tributária fez incidir sobre a referida mais-valia a tributação autónoma de 20% por aplicação do número 4 do artigo 72.º do CIRS na redacção que lhe foi dada nela Lei n.º 15/2010, de 26.07.

    3. O Recorrido considerou que a taxa a aplicar à tributação da mais-valia deveria ter sido a taxa prevista no número 4 do artigo 72.º do CIRS na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 07.11, anterior à redacção dada pela Lei n.º 15/2010, de 26/07.

    4. A liquidação efectuada pela Administração Tributária padece de uma ilegalidade na medida em que implica a aplicação retroactiva da referida norma ao arrepio das regras de interpretação da lei aplicáveis.

    5. O Tribunal recorrido confirmou essa ilegalidade e decidiu — bem, sublinhe-se — julgar totalmente procedente a impugnação judicial apresentada, determinando a anulação do acto tributário contestado na parte em que aplica a taxa especial de 20% aos rendimentos provenientes de mais-valias decorrentes da alienação onerosa dos valores mobiliários.

    6. A Fazenda Pública defende que a liquidação tal como foi efectuada não é ilegal com base na tese de que a mais-valia realizada pelo Recorrido, no dia 02.07.2010, é um facto tributário de formação sucessiva, pelo que, se o facto tributário complexo só se forma no final de cada ano, e se, no caso em concreto, a Lei 15/2010 já vigorava desde o dia 27/07/2010, não foi violado o disposto no artigo 12.º da LGT.

    7. A Fazenda Pública entende que, no caso sub judice, o facto tributário forma-se, não na data da alienação das participações sociais, mas no momento em que o seu quantum se estabiliza com o apuramento do saldo — pois até lá o que há é um juízo de mera potencialidade.

    8. Entende, assim, que o que é tributado não é a mais-valia potencial mas o saldo apurado entre as mais e as menos valias realizadas no respectivo ano — o que só poderá ser realizado no fim do ano fiscal; I) Conclui então erradamente que se à data do apuramento da mais-valia já vigorava a Lei n.°15/2010, de 26/07, então a taxa a aplicar é a que resulta da lei vigente e...

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