Acórdão nº 0384/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução22 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:– Relatório – 1 – A…………. e B……….., ambos com os sinais dos autos, interpuseram para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 3 de Dezembro que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do TAF de Loulé que julgara procedente a impugnação judicial por eles deduzida do indeferimento de reclamação graciosa tendo por objecto liquidação de IRS do ano de 2005, no valor de €81.804,48, revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação.

Os recorrentes concluíram as suas alegações de recurso nos seguintes termos: a) Sendo pacífica a admissibilidade do recurso de revista excepcional, previsto no artigo 150.º do CPTA, no contencioso tributário, mister é que os respectivos requisitos, previstos no mesmo artigo 150.º, se verifiquem, para que este Alto Tribunal o possa conhecer; b) No caso dos presentes autos, fica demonstrado que o presente recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito; c) Estando-se também perante uma questão - a do preenchimento do conceito de habitação própria permanente - que, quer pela sua relevância jurídica quer pela sua relevância social, se reveste de importância fundamental, importância esta detectada pelo seu interesse prático e objectivo, medido pela utilidade da revista em face da capacidade de expansão da (presente) controvérsia ou da sua vocação para ultrapassar os limites da (presente) situação singular; d) Como ficou demonstrado, o Douto Acórdão Recorrido padece de nulidade, por omissão de pronúncia, uma vez que estava obrigado a pronunciar-se sobre a preterição da formalidade da audição - vício concretamente invocado pelos Recorrentes, e nunca conhecido pelo TAF de Loulé, o que não fez, lançando mão de justificativa ininteligível; e) E nessa medida, impedindo os Recorrentes de a contraditarem, com violação das suas garantias processuais; f) Aliás, ficou também demonstrado que não foram os ora Recorrentes notificados do Parecer do MP junto ao Tribunal, em violação do princípio da igualdade de armas, tal como o mesmo é configurado pelo TEDH; g) Há também nulidade na Douta Sentença recorrida, uma vez que, como ficou demonstrado, o Douto Acórdão Recorrido fez uma enorme confusão, errando na identificação do imóvel de partida e de chegada; h) E errando também na identificação do facto tributário gerador da mais valia - situado erradamente pelo Douto Acórdão Recorrido na venda da ………. aos Recorrentes, quando esse facto tributário, gerador de mais valias, ocorreu na venda posterior da ………… a terceiros; i) Partindo desta falsa premissa - que inclusivamente leva a afirmar que o imóvel de partida e de chegada é o mesmo - constrói-se uma argumentação de Direito que, como fica demonstrado, atenta a falsidade da premissa, cai por terra; j) Sendo assim um imperativo de justiça a intervenção deste Alto Tribunal, para melhor aplicação e julgamento do direito; k) Nos autos que sobem a este Alto Tribunal está em causa o preenchimento do conceito indeterminado de habitação própria permanente e da ratio legis da isenção de mais valias, quando as mesmas sejam reinvestidas igualmente em imóvel com o mesmo destino; l) Sendo sabido que o legislador não define o que seja habitação própria permanente, nem fornece quaisquer critérios para densificação deste critério, que auxiliem os intérpretes e os aplicadores; m) O que significa que a decisão a proferir por este Alto Tribunal tem relevância jurídica e relevância social; n) Porque constituirá um meio auxiliar precioso para intérpretes e aplicadores do direito, na ausência de definição legal e de critérios legais de interpretação - cuja necessidade é bem patenteada no Douto Acórdão Recorrido; o) E social porque terá utilidade noutros processos; p) Salvo o devido respeito e melhor entendimento de Vossas Excelências, não procede o argumento da alegada impossibilidade de se verificar simultaneidade de “habitação permanente” e “habitação própria” quando o imóvel, não obstante se tratar de habitação permanente há mais de 12 meses, ter sido adquirido e alienado no mesmo dia; q) Porque a partir da aquisição, a ……….. passou a constituir património dos ora Recorrentes, em regime de propriedade plena, verificando-se assim, inequivocamente, no momento da sua alienação, habitação própria permanente; r) Porque a lei não determina qualquer limite temporal mínimo durante o qual uma habitação permanente tenha de ser propriedade dos alienantes para poder ser considerada também como própria; s) Sendo indubitável que o imóvel alienado pelos Recorrentes constituía a sua habitação permanente desde a data em que o contrato “de comodato” começou a produzir os seus efeitos; t) E sendo igualmente incontestável que com a aquisição do imóvel a habitação já permanente, pelo menos aí, passou também a própria dos Recorrentes; u) O que significa que, entre o momento em os Recorrentes adquiriram o imóvel e o momento em que o alienaram, por mais curto que tenha sido, o imóvel foi - simultaneamente - a habitação “própria” e “permanente” dos Recorrentes; v) Tanto quanto se alcança, para efeitos de aplicação daquela norma de exclusão não existe nenhuma previsão legal que obrigue a que o imóvel tenha de ser detido a título de propriedade plena por um determinado hiato temporal para poder ser considerado simultaneamente habitação própria e permanente; w) E como se sabe, onde não distingue o legislador, não distinga o aplicador; x) Salvo o devido respeito e melhor entendimento de Vossas Excelências, também não procede o argumento segundo o qual a intenção do legislador com a exclusão da tributação em apreço tem como fim a protecção do direito à habitação, e que, por via mais uma vez da alegada falta de simultaneidade entre habitação própria e habitação permanente, a situação dos autos não se subsume naquela norma de exclusão; y) Por último, fica demonstrado que o imóvel aqui em causa, a …………, era habitação própria dos Recorrentes desde a data da celebração do contrato de comodato dos autos, uma vez que, atenta a sua natureza mista - de compra e venda e de comodato oneroso - nessa data os ora Recorrentes adquiriram a respectiva propriedade económica; z) Tal qual como se passa com os contratos de locação financeira imobiliária, cujo conteúdo é substancialmente análogo ao contrato dos presentes autos; aa) Ficando demonstrado que o contrato dos autos é substancialmente idêntico a um contrato de locação financeira imobiliária — quer pela previsão da opção de compra quer pela verificação de contraprestações de capital; bb) E, por essa razão, como decorrência dos princípios da neutralidade fiscal e da substanciação económica dos factos tributários (n.º 3 do artigo 11.º da LGT), deve em consequência merecer o mesmo tratamento fiscal; cc) E, quanto ao contrato de locação financeira imobiliária a Administração Fiscal não levanta questões - pelo contrário, dá-o como evidente - que a celebração de um contrato destes confere ao locatário a propriedade económica do imóvel, qualificando este assim, quando o mesmo se destine a habitação, como “habitação própria” do locatário; dd) E fá-lo tendo em atenção o prescrito no n.º 3 do artigo 11.º da LGT, nos termos do qual, “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

Termos em que, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, que se impetra, deve o presente recurso excepcional de revista ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos, nos termos do artigo 150.º do CPTA, e julgado procedente, nos termos expostos, por provado, anulando-se o Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, co todas as consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – Por Acórdão deste STA de 13 de Julho de 2017 – a fls. 319 a 327 dos autos – foi o recurso de revista admitido.

4 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu parecer nos seguintes termos: «Ao abrigo do disposto no art. 150.º do CPTA foi interposto Recurso Excepcional de Revista do douto Acórdão do TCASul de 03.12.2015 que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional da sentença do TAF de Loulé de 10.03.2014, revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a impugnação.

A revista foi admitida, além do mais, por não se conhecer «pronúncia, nem relativamente à matéria da (…) exigência legal (no âmbito da simultaneidade ou de um qualquer limite temporal mínimo relativamente à propriedade do imóvel) do carácter próprio da habitação por parte do sujeito passivo, como requisito da aplicação da norma de exclusão tributária prevista na al. a) do n.º 5 do art. 10.º do CIRS (por só assim se cumprir a razão de ser de norma de protecção da aquisição de casa de habitação do agregado familiar), nem relativamente ao conceito de habitação própria nos casos de concorrência de comodato oneroso com previsão de opção de compra».

Não se afigura que mereça ser sufragada a pretensão dos ora Recorrentes.

O n.º 5 do art. 10.º do CIRS exclui da incidência de tributação em IRS os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as condições enunciadas nas suas alíneas a), b) e c). “Trata-se, (…), de não onerar fiscalmente a efectivação do direito fundamental à habitação” e de “favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente” (cfr., respectivamente, André Salgado de Matos, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, 1999, pág. 168 e José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, 2007, pág. 413).

Não define a norma de delimitação negativa de incidência qualquer limite temporal mínimo relativamente à propriedade do...

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