Acórdão nº 0674/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução08 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: – Relatório – 1 – A…………., LDA, com os sinais dos autos, interpôs para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 4 de Fevereiro de 2016, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgara totalmente procedente a impugnação deduzida pela ora recorrente contra liquidação adicional de IVA e juros compensatórios relativos ao quarto trimestre de 2010, no valor total de €83.647,77, revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação, concluindo a sua alegação nos seguintes termos: Da admissibilidade do Recurso de Revista 1. Decidiu o Tribunal recorrido que a operação de cessão de créditos realizada pela Recorrente não é enquadrável na norma de isenção prevista no artigo 9.º do Código do IVA, nomeadamente, nos n.ºs 27, alínea a), ou 30 do mesmo normativo.

  1. Entende a Recorrente que o Acórdão aqui recorrido, ao declarar-se competente para decidir sobre um recurso que versava exclusivamente sobre questões de direito e, em resultado disso, ao decidir pela revogação da decisão de 1.ª instância proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, procedeu a uma errada aplicação do Direito, devendo esse Supremo Tribunal intervir em sede de Revista, pois que se verificam os pressupostos previstos na lei para o efeito.

  2. À luz do disposto no artigo 150.º, n.º 1 do CPTA o Supremo Tribunal Administrativo considera admissível o Recurso de Revista nos casos de “complexidade das operações lógicas e jurídicas indispensáveis para a resolução do caso” e, de “capacidade de expansão da controvérsia, concretamente, a possibilidade de esta ultrapassar os limites da situação singular e se repetir, nos seus traços teóricos num número indeterminado de casos futuros” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 01197/05.

    Sobre a “relevância jurídica ou social” da questão e da “clara necessidade do recurso para uma melhor aplicação do direito” 4. Tem sido entendimento desse Supremo Tribunal Administrativo que a imprescindível “relevância jurídica ou social” se verifica sempre que a questão seja de “complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis” (cf. nomeadamente, Acórdãos proferidos nos processos n.ºs 0232/11, 0967/12 e 0116/15, em 31 de Março de 2011, 21 de Novembro de 2012 e 25 de Novembro de 2015, respectivamente) – sublinhados nossos.

  3. E, no que respeita à referida “necessidade do recurso para uma melhor aplicação do direito” a mesma considera-se verificada “quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio” – cf. citado Acórdão proferido no processo n.º 0116/15.

  4. Precisamente, a questão a apreciar nos presentes autos de recurso resulta da necessidade de determinação do regime de IVA aplicável, em geral, às operações de cessão de créditos amplo senso e, em concreto, àquelas operações em que se verifique a cessão de créditos litigiosos no âmbito de processos judiciais, que envolvam a transmissão de posições jurídicas sobre bens imóveis sujeitas a IMT.

  5. A análise a desenvolver implica assim a “necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis” à operação de cessão de créditos em apreço, i.e., por um lado, as normas do Código do IVA e da Directiva IVA, designadamente a interpretação a adoptar em relação ao alcance da norma de isenção constante da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA e da alínea a) do n.º 1 do artigo 135.º da Directiva IVA e, por outro lado, as normas de sujeição de IMT e consequente isenção de IVA eventualmente aplicáveis a operações de cessão de créditos litigiosos que envolvam a transmissão de posições jurídicas relativamente a bens imóveis.

  6. Acresce que, as cessões de créditos (incluindo os litigiosos) são recorrentes entre operadores económicos não financeiros e não têm o seu enquadramento fiscal suficientemente caracterizado, pelo que a situação dos presentes autos ultrapassa “os limites da situação singular (…) contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros” e assume marcada “relevância jurídica ou social”, justificada quer pela especial complexidade da análise a desenvolver na apreciação da mesma, quer pela sua inevitável repetição em múltiplos processos (pretéritos) e futuros, revelando-se essencial a apreciação da mesma pelo Supremo Tribunal Administrativo.

  7. Acresce que o Tribunal Central Administrativo tratou de forma ostensivamente errada e juridicamente insustentável a questão trazida a juízo, suportando dois terços da fundamentação da sua decisão (vide páginas 9, 19 e 11 do Acórdão) no tratamento do direito à dedução o qual não tem qualquer ligação com as matérias tratadas no presente caso (i.e., o enquadramento em IVA de uma operação de cessão de crédito litigioso), secundarizando a fundamentação relativa à operação de cessão de créditos e limitando a análise das normas de isenção de IVA potencialmente aplicáveis à operação sub judice a dois singelos parágrafos.

  8. Encontra-se assim verificada in casu a “clara necessidade” da presente Revista, para que a pronúncia que venha a emitir sobre esta concreta questão possa servir de orientação para os restantes tribunais, por forma a assegurar “uma melhor aplicação do direito” em prol da segurança jurídica.

    Da questão controvertida Da incompetência do Tribunal Central Administrativo em razão da hierarquia 11. O Tribunal Central Administrativo Sul seria incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer a matéria dos autos porquanto a mesma incidia exclusivamente sobre questões de direito cujo conhecimento competia, “per saltum”, à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do CPPT.

  9. Nem nas conclusões apresentadas pela Fazenda Pública nem nas conclusões apresentadas pela ora Recorrente se dirimiram questões de facto ou teceram juízos de valor sobre a matéria de facto ou a prova produzida em juízo que possam considerar-se divergentes do probatório dado como assente e enformador das questões jurídicas trazidas a juízo, cingindo-se o objecto do Recurso ao enquadramento em IVA da operação de cessão de crédito em processo judicial realizada pela ora Recorrente.

    Da aplicabilidade da norma de isenção constante da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA a operações de cessão de crédito realizadas por entidades que não sejam instituições financeiras 13. A isenção de IVA constante da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA abrange quaisquer operações através das quais opere a transmissão de um crédito ou direito de crédito, não se subsumindo o termo “concessão de crédito” apenas à celebração de contratos bancários.

  10. Nesse sentido já se pronunciou o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) no Acórdão Muys`en De Winter`s Bouw, de 27 de Outubro de 1993 (processo C-281/91), considerando este órgão jurisdicional que “se as isenções previstas no artigo 13.º são de interpretação restritiva (v. acórdão de 15 de Junho de 1989, Stichting Uitvoering Financiele Acties, 348/87, Colect., p. 1737,) nem por isso deixa de ser verdade que, na falta de indicação da identidade do mutuante ou do mutuário, a expressão «concessão e negociação de créditos», é, em princípio, suficientemente ampla para abranger um...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT