Acórdão nº 0770/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelFONSECA CARVALHO
Data da Resolução08 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório 1. Sistemas A………… Portugal, Lda., identificada nos autos, vem interpor para este Supremo Tribunal, recurso de revista, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27 de Fevereiro de 2014, que deferiu a reforma do acórdão anteriormente proferido pelo TCA-Sul nos presentes autos, negou provimento ao recurso por ela interposto do despacho interlocutório que dispensou a inquirição das testemunhas arroladas e concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2006, no montante de €1.561.874,37€, julgando, em substituição, improcedente essa impugnação.

  1. A recorrente concluiu as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A. A decisão do TCAS de que se recorre padece de três (3) erros judiciais patentes e ostensivos, sobre questões que, per se, se revestem de importância fundamental e que fazem com que a admissão deste recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

    1. Sobre a primeira questão, temos que o Venerando TCAS começou por dar provimento, em 2013, ao recurso da FP, por entender que a recorrida (ora Recorrente) não havia feito prova de um ponto essencial nos autos, esquecendo por completo que a ora Recorrente havia interposto um recurso de um despacho interlocutório que dispensou a inquirição das testemunhas arroladas (a fls 296, tendo o mesmo subido nos autos com a decisão final).

    2. Tendo anulado esse Acórdão, o TCAS profere o Acórdão ora recorrido, mantendo o essencial do Acórdão anterior: indeferiu o recurso do despacho interlocutório apresentado pela ora Recorrente (considerando que a prova testemunhal não era admissível in casu), para logo de seguida deferir o recurso da FP, considerando que a Impugnante não fez a prova necessária.

    3. Para o efeito, o TCAS entendeu que a demonstração prevista no n.º 6 do artigo 61.º do Código do IRC, que cabe ao sujeito passivo, só pode ser efetuada por prova documental, não sendo admissível prova testemunhal, por irrelevante.

    4. No entanto, a demonstração pedida pelo n.º 6 do artigo 61.º não concerne a um dado objetivo (como o valor do capital social ou a situação líquida da sociedade), mas a um facto complexo e de apreciação subjetiva, cuja prova testemunhal seria muito importante, pelo que a decisão constitui um erro patente e ostensivo.

    5. Logo de seguida, o TCAS deferiu o recurso da FP com fundamento no facto da ora Recorrente não ter feito prova de ter realizado a devida consulta do mercado bancário de financiamento, sendo certo que ficou provado dos autos duas consultas ao Barclays Bank e ao Milleniumbcp.

    6. A prova testemunhal visava demonstrar, atendendo aos fatores previstos no n.º 6 do artigo 61.º, que a Impugnante poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento (prova que não apresentava dificuldade para as testemunhas, atendendo ao facto da Impugnante se inserir num dos maiores grupo multinacional do mundo) e nas mesmas condições de uma entidade independente.

    7. Ao negar o direito à inquirição das testemunhas, considerando depois que ficou por provar um facto relativamente ao qual as testemunhas iam ser - e podiam ser - inquiridas, o TCAS cometeu um erro judicial patente e ostensivo.

      I. A questão da admissibilidade ou, melhor dizendo, da aferição da necessidade de prova testemunhal, é essencial para uma boa aplicação do Direito, pois é uma questão complexa que implica o preenchimento de um conceito indeterminado e que se encontra na confluência entre o direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva, o princípio da proibição da indefesa, o princípio do inquisitório, o princípio da descoberta da verdade material e o princípio da proporcionalidade.

    8. Para além de violar ostensivamente aqueles princípios constitucionais, a decisão do TCAS demonstra o conflito permanente entre a busca da celeridade processual, o princípio do inquisitório e os princípios constitucionais que visam assegurar a tutela jurisdicional efetiva.

    9. Caberá a este STA pronunciar-se, como órgão de cúpula, sobre qual destes princípios deve ter primazia... e se é lícito considerar a priori irrelevante a prova testemunhal, nas situações em que o facto a provar é complexo e depende de um juízo subjetivo; tanto basta para demonstrar a relevância jurídica fundamental desta questão.

      L. Quanto à relevância social fundamental, entende a Impugnante que este caso apresenta contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma para a orientação de outros casos (cfr. nas palavras deste STA, Acórdão de 30.04.2013, processo n.º 0562/13).

    10. Com efeito, existem variadíssimas normas tributárias que impõem ao sujeito passivo a comprovação de um facto, sem se indicar o tipo de prova admissível e em relação às quais a prova testemunhal não deve ser restringida (cfr., artigos 14.º, n.º 15, alínea a), última parte, 23.º-A, n.º 8, 51.º-B, n.º 3, 53.º, n.º 7, 139.º, n.º 1, para citar apenas o Código do IRC).

    11. Ora, a resolução do presente caso poderá se revelar paradigmática, através da fundamentação proferida por este STA, para a resolução de muitos outros casos, nomeadamente quando estejam em causa os artigos mencionados.

    12. Ou seja, a decisão do STA in casu servirá para os restantes tribunais (com destaque para o Venerando TCAS) aferirem se podem simplesmente decidir que a prova testemunhal é irrelevante, quando está em causa a demonstração de um facto complexo de apreciação inerentemente subjetiva.

    13. Entende-se também que a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, na medida em que o juízo a priori da pertinência ou impertinência da prova testemunhal, nas situações em que a lei impõe ao sujeito passivo a prova de um facto complexo, que exige um juízo eminentemente subjetivo, deve merecer a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa para dissipar dúvidas.

    14. Tanto basta para que o presente recurso seja admitido.

    15. Quanto à segunda questão, a Impugnante havia imputado dois vícios ao ato impugnado: (i) a administração tributária não aplicou o procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT e (ii) a administração tributária não teve em conta que o requerimento apresentado a 28.01.2007 para ilidir a presunção legal prevista no n.º 1 do artigo 61.º do Código do IRC havia já sido tacitamente deferido por força do artigo 64.º do CPPT.

    16. Toda a doutrina e toda a jurisprudência que se debruçaram sobre o regime de subcapitalização qualificam o artigo 61.º sub judice como uma norma específica antiabusiva, o que também decorre explicitamente do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 5196, de 29 de janeiro.

    17. Sendo uma norma específica antiabuso, a sua aplicação estava dependente do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT (nesse sentido, ALFREDO JOSÉ DE SOUSA E JOSÉ DA SILVA PAIXÃO).

    18. Contra tudo isto, o TCAS refere apenas que o regime de subcapitalização mais não é do que uma correção aritmética à matéria colectável de IRC, pelo que, não sendo uma norma antiabuso, não se lhe aplica o artigo 63.º do CPPT.

      V. A Impugnante havia arguido também que o n.º 1 do artigo 61.º do Código do IRC continha implícita uma presunção legal, sujeita ao artigo 64.º do CPPT (conforme ensinam os ILUSTRÍSSIMOS CONSELHEIRO JORGE LOPES DE SOUSA e PROF. CASALTA NABAIS).

    19. Embora a existência desta presunção legal seja de difícil apreensão, a mesma encontra-se ínsita no regime de subcapitalização, como demonstram aqueles AUTORES.

      X. Assim sendo, é aplicável à subcapitalização o regime previsto no artigo 64.º do CPPT, conforme ensina o VENERANDO CONSELHEIRO JORGE LOPES DE SOUSA, tendo o requerimento apresentado pela Impugnante a esse propósito sido tacitamente deferido.

    20. Contra isto, o TCAS refere apenas que “as correcções técnicas em causa nada têm que ver com a determinação da matéria colectável por presunção”, não lhe sendo aplicável o artigo 64.º do CPPT.

    21. A forma como o TCAS contraria toda a doutrina e jurisprudência que alguma vez se debruçaram sobre a subcapitalização, bem como os considerandos do próprio legislador, sem para o efeito argumentar o que quer que seja nesse sentido, configura um erro grosseiro e faz duvidar se não foi operada uma inversão do processo cognitivo que deve presidir a qualquer decisão judicial: primeiro devem ser analisados todos os factos e o direito aplicável e depois – apenas depois – se deve decidir.

      AA. O TCAS cortou cerce o debate, esquivando-se assim à necessidade de fundamentar duas questões essenciais: i) porque razão não considera aplicável o artigo 63.º do CPPT à norma de subcapitalização, que é considerada unanimemente como uma norma específica antiabuso? ii) porque razão não considera aplicável o artigo 64.º do CPPT à norma de subcapitalização, que é considerada unanimemente como estabelecendo uma presunção implícita? BB. O Venerando TCAS resolve estes problemas (insolúveis de outra forma), decidindo, sem a adequada explicação, que não está em causa uma norma antiabuso e que não existe qualquer presunção implícita, cometendo um duplo erro patente e ostensivo.

      CC. Entende a Impugnante que a incorreta caracterização, pelo TCAS, de um instituto jurídico-tributário como é o regime da subcapitalização, que foi introduzido no ordenamento português há quase 20 anos, como uma das três primeiras medidas antiabusivas criadas na lei tributária nacional, reveste uma importância jurídica fundamental.

      DD. Ademais, este regime, pela sua excecionalidade na fiscalidade portuguesa, apresenta contornos de grande complexidade, tal como a doutrina aliás sempre salientou, complexidade essa comprovada pelos erros grosseiros do Venerando TCAS, comprovando-se assim de novo a relevância jurídica fundamental da questão.

      EE. Quanto à relevância social fundamental da mesma, é de...

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