Acórdão nº 0173/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução15 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – O Município de Estarreja recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da decisão do TAF de Aveiro, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela A…………….., S.A., melhor identificada nos autos contra as liquidações de taxas relativas às licenças de bombas abastecedoras de combustíveis e de ar e água do posto de abastecimento da área de serviço de ……….., km 262, referentes aos anos de 2009 a 2012, no total de € 10.868,18.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «1 - O princípio da igualdade impõe que se trate de maneira diferente o que for essencialmente diferente. Gerando a recorrida com a sua actividade riscos para o ambiente deve pagar as despesas originadas pela prevenção dos riscos que gera, pagamento que faz através da taxa em questão.

2 - A taxa cobrada pelo recorrente valora aspectos não contidos no licenciamento emitido pela entidade nacional nomeadamente a obrigação passiva do recorrente em ter de suportar uma actividade nociva ao ambiente e que nem sequer foi o responsável pelo seu licenciamento, uma vez que estamos a tratar dum posto de abastecimento de combustíveis, numa via nacional e como tal o seu licenciamento compete à Direção de Energia; 3 - A taxa pode também prosseguir objectivos, não financeiros desincentivado determinadas práticas (artigo 4°-2 do RGTAL), bem como podem as autarquias criar taxas pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil. Ora, o recorrente possui serviços de protecção civil e no plano de emergência estão previstos os riscos criados pelo posto de abastecimento da recorrida e bem assim do transporte de combustíveis que para aí é realizado periodicamente.

4 - A taxa para além de se destinar ao pagamento dos serviços de protecção civil contem, como consta expressamente da sua fundamentação, uma componente de desincentivo. Tal componente observando o princípio da proporcionalidade distingue as situações nomeadamente quando os postos de combustíveis prestem abastecimento na via pública ou em prédio privado taxando-os de maneira distinta em cumprimento do seu objetivo de desincentivo de atividades poluidoras e perigosas mas em consonância com o seu grau de perigosidade/poluição.

Verifica-se pois que a taxa em questão não viola qualquer norma legal ou principio nomeadamente o invocado na douta sentença recorrida pelo que deve esta ser revogada julgando-se improcedente a impugnação.» 2 – A recorrida A……….., S.A. apresentou as suas contra alegações, tendo concluído da seguinte forma: a) Analisando o tributo em questão nos presentes autos, fácil se mostra concluir que o mesmo não apresenta a natureza de taxa, já que não se vislumbra qualquer “(...) prestação concreta de um serviço do domínio público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares” b) Com efeito, os postos de abastecimento em questão nem utilizam para o seu funcionamento, quaisquer bens do domínio público ou semi-público da autarquia, inexistindo qualquer contraprestação da Câmara Municipal de Estarreja face ao pagamento da referida “taxa” pela ora recorrente, resultante da utilização privada de bens do domínio público e/ou privado camarário.

  1. E nem se diga, como faz o recorrente, que a mencionada taxa se mostra justificada, por força da prestação de serviços públicos locais no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil.

  2. É certo que, entre o enunciado exemplificativo das taxas municipais, a Lei n° 53-E/2006, de 29 de dezembro, figura a «prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil» (artigo 6°, n.º 1, alínea f)) Mas não é menos certo que estes serviços têm de assentar na prestação concreta de um serviço (artigo 3°). É que o serviço concreto exige utilidades divisíveis (artigo 5º n.º 2).

  3. Porém, tal como retamente faz notar a douta sentença recorrida, “o Município de Estarreja não logrou provar a existência de qualquer acção concreta e individualizada de análise ou inspecção, de formação ou aconselhamento ou qualquer outra prestação administrativa causada ou aproveitada individualmente pela Impugnante” (sublinhado nosso).

  4. Nem se diga, que o tributo em questão possui a natureza de taxa, porquanto se integra no conceito de “poluidor/pagador”.

  5. Com efeito, a ser admitido tal entendimento, não poderia deixar de se considerar que a norma contida nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do citado regulamento violaria os princípios do exclusivismo e da determinação a que se encontram sujeitas as taxas, porquanto não se mostram, plena e cabalmente, definidos todos os elementos do tributo.

  6. Na verdade, se o valor do tributo se encontra dependente do desgaste ambiental produzido, a verdade é que a partir do teor da supra referida norma o contribuinte não se mostra capaz de conseguir perceber de que forma é medido o alegado desgaste ambiental por parte da Edilidade (v.g., considerando a dimensão do posto ou o n° de automóveis diário), nem tão pouco o modo pelo qual o proprietário pagador poderá exigir a realização concreta de despesas, designadamente de conservação dos troços por si utilizados.

  7. De todo o modo, não poderá deixar de se referir que o impacto ambiental de um posto de abastecimento de combustíveis não é especial nem gravemente intenso. Se fosse de outro modo, a instalação de postos de revenda de combustíveis encontrar-se-ia sujeita a avaliação do impacto ambiental, nos termos do Decreto n.º 69/2000, de 3 de maio e a verdade é que não está.

  8. A que acresce que o cumprimento das múltiplas regras técnicas a que devem obedecer os postos de abastecimento de combustíveis, no essencial, as da Portaria n.º 131/2002, de 9 de fevereiro, permite justamente que a lesão dos recursos naturais tenha uma expressão mínima, razoável e sustentável.

  9. O recorrente aponta genérica e difusamente a contaminação atmosférica, mas não se registou que os postos são obrigados a ter um sistema de recuperação de vapores (artigo 10.º e Portaria n.º 646/97, de 11 de agosto), tal como resultou provado no ponto 17 da matéria assente, sendo certo que não resultou provada a prestação de serviços efectivos por parte do Município relacionados com este facto, vg. realização de análises ao ar.

  10. Imputa-se a esta atividade uma especial contaminação dos solos e águas subterrâneas, mas a verdade é que os postos são obrigados a dispor de um sistema próprio de tratamento das águas residuais contaminadas com hidrocarbonetos e pela sua descarga é devida aos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento a taxa municipal própria sobre a descarga de águas residuais industriais, a somar à taxa de recursos hídricos, destinada à Agência Portuguesa do Ambiente, IP (Decreto-lei n.º 97/2008, de 11 de junho), tal como resultou igualmente provado nos pontos 12 e 13 da matéria assente, m) Também os óleos usados são objeto de cuidados específicos que remontam ao Decreto-lei n° 216/85, de 28 de junho, depois ao Decreto-lei n.º 88/91, de 23 de fevereiro, e são hoje disciplinados na sua guarda, recolha, depósito, transporte e reciclagem pelo Decreto-lei n.º 153/2003, de 11 de julho (regime jurídico de gestão de óleos novos e usados, n) Termos, pois, que o cumprimento destas e de muitas outras especificações representa um encargo nada despiciendo, mas que contém adequadamente os possíveis riscos de lesão ambiental para níveis reduzidos, sendo igualmente certo que se mostra legalmente a existência de um seguro de responsabilidade ambiental (cfr. ponto da matéria de facto assente).

  11. Por outro lado, no caso em apreço, a recorrida não beneficiou da remoção de qualquer obstáculo jurídico à actividade por si desenvolvida, bastando, para tanto, atentar na própria previsão do tributo.

  12. Conforme se deixou acima dito, a Câmara Municipal de Estarreja não possui qualquer competência no que toca ao licenciamento para exploração do mencionado posto de abastecimento, porquanto o mesmo não se acha implantado numa rede viária municipal (não tendo, como tal, aquela Edilidade quaisquer poderes de licenciamento e/ou fiscalização), nem tão pouco em terreno do domínio público camarário.

  13. E nem se diga, como faz o recorrente, que a taxa impugnada integra uma componente de desincentivo às actividades poluidoras, componente essa que respeita o princípio da proporcionalidade porquanto distingue os postos de abastecimento que prestam abastecimento na via pública ou em prédio privado.

  14. É certo que a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro, veio admitir que, embora o valor da taxa esteja condicionado pelo custo da atividade pública ou pelo benefício auferido pelo particular (artigo 4°, n.º 1), possa «ser fixado com base em critérios de desincentivo à prática de certos atos ou operações» (n°2).

  15. Algo que o município de Estarreja parece a aplicar não apenas ao cálculo do valor da taxa, como também aos pressupostos da criação da taxa - tal qual mais um novo pressuposto numa interpretação desconforme com a reserva constitucional do regime geral das taxas à lei parlamentar (artigo 165. °, n.º 2, da Constituição).

  16. Importa, no entanto, reforçar o cuidado na da conformidade constitucional da norma contida no artigo 4º, nº2 da Lei n° 53-E/2006 - demasiado aberta, quando aplicada sem mais - para evitar o arbítrio e não perder de vista o pressuposto necessário das taxas: a bilateralidade.

  17. Quando estas mesmas atividades de impacto ambiental já se encontram sujeitas à remoção de um obstáculo jurídico e a uma taxa devida por essa remoção - como sucede no caso dos presentes autos nada consente ao regulamento presumir um especial impacto ambiental negativo (ao contrário do que sucede com as normas legislativas de incidência dos Impostos).

  18. Não deve, pois, ser tratada como possuindo um impacto ambiental negativo a tributar, pois o que é de presumir é que a licença ou a autorização só foram deferidas, depois de garantido o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT