Acórdão nº 0425/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA BENEDITA URBANO |
Data da Resolução | 23 de Novembro de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.
A…………., LDA (A…….), devidamente identificada nos autos, vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno desta Secção do STA, nos termos do artigo 152.º do CPTA. Alega para o efeito que o acórdão ora recorrido, proferido pelo TCAS em 15.12.16 (Proc. n.º 706/15.0BELSB), já transitado, está em contradição com o acórdão proferido igualmente pelo TCAS, em 12.09.13 (Proc. n.º 06135/10), também ele transitado, consubstanciando este último o acórdão fundamento.
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A A......... termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões: “1.ª Quanto à questão da competência material da jurisdição administrativa para julgar a actuação da Ordem dos Advogados, no que respeita à fiscalização da procuradoria ilícita, o acórdão proferido no âmbito do processo n.º 06135/10, do TCA Sul, considerou que "não existe nenhuma norma jurídica que permita à O.A. actuar como uma autoridade pública para julgar a conduta de terceiros na procuradoria ilícita (vd. assim o art. 6º-2 da Lei 49/2004). A O. A. pode, sim, pedir às autoridades judiciais competentes que façam tal julgamento (vd. assim o art 6º-2 cit), o que é a melhor prova de inexistência de relação jurídica administrativa entre estas partes.
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II - Pelo que, não existindo uma relação jurídica administrativa entre a A. e a R., nem norma especial atributiva de jurisdição administrativa, se conclui que este litígio e este pedido para encerrar escritório de procuradoria ilícita cabem na competência jurisdicional dos tribunais judiciais (vd. arts. 211º-1 CRP e 18 da LOFTJ) cíveis (vd arts 77º-1-a), 94º, 96º, 97º e 99º da LOFTJ) e não na competência jurisdicional da jurisdição administrativa." 3.ª Ao passo que, o acórdão proferido nos presentes autos, ancorado no proferido pelo mesmo Tribunal no âmbito do processo n.º 12270/15, com igual pedido, considerou que "a actuação da Ordem dos Advogados, no que concerne à fiscalização da procuradoria ilícita, insere-se no âmbito do artigo 1.º do ETAF, segundo o qual "os tribunais da jurisdição administrativa são os órgãos de soberania com competência (...) nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais" - cfr. artigo 1.2 do ETAF, em idêntico sentido cfr. artigo 4º nº 1 als. a) e b) do mesmo ETAF".
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O Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 06135/10, do Tribunal Central Administrativo Sul, considera que, não havendo relação jurídico administrativa entre a Ordem dos Advogados e os visados, nem norma específica de atribuição de competência, não é aos tribunais administrativos e fiscais que incumbe julgar essa matéria.
O Acórdão impugnado, pelo contrário, considera que os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são materialmente competentes, porque a actuação da Ordem dos Advogados nesta matéria, sedimentada no respectivo estatuto, convola a relação entre a Ordem e os visados em administrativa e fiscal.
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A contradição parece-nos, assim, tão evidente como o é a questão solvenda semelhante.
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O julgamento acerca da prática de ilícitos criminais, condenação e aplicação de penas e medidas de segurança derivadas da prática de crimes não compete aos tribunais administrativos e fiscais.
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Neste aspecto, a infracção que se imputa ao acórdão impugnado, bem como à jurisprudência em que se baseia é que, fazendo tábua rasa da tipificação criminal, é aplicada à recorrente uma medida restritiva semelhante – análoga –, a uma pena ou medida acessória, sem jamais passar pelo crivo, com as garantias que se encontram subjacentes, do procedimento criminal.
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A disposição constante do artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto, quando interpretada no sentido de a Ordem dos Advogados ter o direito de requerer junto das autoridades judiciais competentes o encerramento de escritório de gabinete ou que se dedique à prática de actos de procuradoria ilícita é inconstitucional, quando não faça depender a aplicação dessa medida – ou qualquer outra – de procedimento criminal contra o visado.
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Porque, a procuradoria ilícita é um crime.
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Ao arrepio do disposto na Constituição, no Código de Processo Penal e no Código Penal, a recorrente sofre a imposição de uma medida penal – o encerramento do seu escritório –.
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Contudo, a recorrente nunca foi acusada, julgada nem condenada pela prática de qualquer ilícito penal, designadamente o de procuradoria ilícita.
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Sendo a decisão recorrida ilegal e inconstitucional, tal como a jurisprudência em que se ancora, porque o que nela se determina é equivalente, senão igual, a uma pena prevista para a prática de um crime, ao arrepio do competente procedimento criminal.
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Daqui resultando, na opinião da recorrente, a incompetência material dos tribunais administrativos e fiscais para a apreciação desta matéria.
NESTES TERMOS, O presente recurso deve ser julgado procedente, por provado, com a consequente anulação da decisão recorrida, e fixando-se, ou uniformizando-se, jurisprudência no sentido da incompetência material dos Tribunais Administrativos e Fiscais para julgar de pedidos de encerramento, formulados ao abrigo do disposto na Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto.
Apenas assim se decidindo, será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA”.
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A recorrida Ordem dos Advogados (OA) não apresentou contra-alegações.
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O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu qualquer parecer.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação 1.
De facto: A matéria de facto pertinente é a que consta da decisão da primeira instância, a qual se deu como reproduzida no acórdão recorrido, e que, de igual forma, se dá aqui como reproduzida nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 663.º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA.
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De direito: 2.1.
Nos presentes autos, a recorrente alega que sobre a mesma questão fundamental de direito – “saber se os tribunais administrativos detêm, ou não, competência material para julgar da actuação da Ordem dos Advogados, no que concerne à fiscalização da procuradoria ilícita” (cfr. fl. 424) – existe contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.
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