Acórdão nº 0399/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução05 de Abril de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 777/11.8BESNT 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A…………, S.A.” (doravante Impugnante ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, na parte em que, relativamente aos juros indemnizatórios, julgou improcedente a impugnação judicial por aquela deduzida contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por sua vez apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2008.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.

): «A. A impugnação judicial já foi deferida com fundamento na inconstitucionalidade da norma do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro.

  1. São devidos juros indemnizatórios quando se apurou que houve erro imputável aos serviços e o tal erro de direito persiste de forma igual, independentemente se se trata de um acto de liquidação praticado pela Administração Tributária ou um acto de autoliquidação praticado pelo próprio contribuinte.

  2. Ou seja, nem a circunstância de estar em causa nos autos um acto de autoliquidação constitui um óbice ao pagamento daqueles juros ao abrigo do preceituado no artigo 43.º da LGT, nem tão-pouco poderá sustentar-se a inexistência de erro imputável aos serviços com fundamento na adstrição da Administração Tributária ao cumprimento da lei e no facto de estar na base da ilegalidade do acto de autoliquidação impugnado a inconstitucionalidade material de uma norma.

  3. A este respeito pronunciou-se já por diversas vezes este Supremo Tribunal no sentido de o dever de obediência da Administração Tributária à lei compreender todas as fontes normativas (de quanto resulta um dever de obediência, prima facie, à CRP, enquanto Lei Fundamental do Estado) e de o direito do contribuinte a juros indemnizatórios, atenta a função reparadora dos mesmos em face de uma actuação ilegal da Administração Tributária, estar dependente apenas da existência de um comportamento ilegal por parte da Administração Tributária de quanto resultem prejuízos para o contribuinte, como sucedeu no caso sub judice.

  4. Desta forma, são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à data da emissão da respectiva nota de crédito, o que na presente data perfaz o valor de € 1.597,97.

    Neste termos […] deve ser dado provimento ao recurso e revogada a decisão na parte em que decidiu pela improcedência relativa aos juros indemnizatórios».

    1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

    1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] o tribunal “a quo” considerou que não se verificava erro imputável aos serviços, que fundamentasse a aplicação do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

    É contra este entendimento que se insurge a recorrente, por entender que “é manifesta a existência de erro de direito consubstanciado na inconstitucionalidade da norma que determinou a sujeição dos encargos dedutíveis declarados pela ora Recorrida a uma tributação autónoma superior à devida e legalmente admissível”. Acrescentando que “tal erro de direito persiste de forma igual, independentemente se se trata de um acto de liquidação praticado pela autoridade tributária ou um acto de autoliquidação praticado pelo próprio contribuinte”.

    Considera, assim, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, motivo pelo qual pede a sua revogação, invocando em apoio da sua tese a doutrina do acórdão do STA de 09/10/2012, proferido no processo n.º 0789/12, e demais jurisprudência ali citada.

    1. Dispõe a este propósito o n.º 1 do artigo 43.º da LGT, que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

    No caso concreto dos autos estamos perante uma autoliquidação, caso em que tanto a matéria tributável como a liquidação são realizadas pelo próprio contribuinte, pelo que estará afastada a possibilidade de imputação do erro aos serviços, a não ser nos casos em que a liquidação for efectuada com base em orientações genéricas da administração tributária (n.º 2 do artigo 43.º da LGT), o que não ocorreu no caso concreto.

    É certo que o artigo 100.º da LGT acolhe uma previsão ampla da obrigação do pagamento de juros indemnizatórios, na medida em que impõe o seu pagamento em «... caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade,…» (Redacção da Lei 64-11/20 I de 30 de Dezembro).

    Pese embora no caso dos autos estejamos perante uma autoliquidação, o recorrente apresentou reclamação graciosa e a AT não reconheceu a ilegalidade da liquidação com base no vício de inconstitucionalidade da norma aplicada, vício este que veio a ser reconhecido em sede de impugnação judicial pelo tribunal.

    Daí que importe apreciar se a administração tributária poderia ou não formular um juízo de conformidade constitucional do disposto no art. 5.º, n.º 1 da Lei n.º 64/2008, para daí se concluir que a mesma, ao decidir a reclamação graciosa, incorreu em erro sobre os pressupostos de direito.

    Sobre esta temática e num caso similar ao dos autos pronunciou-se recentemente o STA, no acórdão de 04/03/2015 (processo n.º 1529/14), apoiando-se em anterior jurisprudência e doutrina que citou, no sentido de que, “para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu”. E nessa medida conclui-se no citado aresto que «não podendo a errada consideração (no apuramento do imposto a pagar) de uma norma posteriormente julgada inconstitucional, ser atribuída a ilegal conduta da AT, também não pode legitimar a condenação nos juros indemnizatórios pedidos ao abrigo do art. 43.º da LGT por se não verificar um pressuposto de facto constitutivo de tal direito – o erro imputável aos serviços».

    Aderindo, agora, a esta jurisprudência, cujos fundamentos se nos afiguram sólidos, entendemos que não há motivos para que a mesma seja alterada no caso concreto dos autos».

    1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

    1.6 Cumpre apreciar e decidir.

    * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: «

  5. No exercício de 2008 a ora Impugnante, A…………, S.A., contabilizou despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros no valor total de € 150.051,56 – Cfr. documentos 1 e 3, juntos com a p.i., acordo; B) Em 28 de Maio de 2009, a Impugnante entregou a declaração modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2008, nela fazendo constar no campo 365 do quadro 10 – cálculo do imposto – o montante de € 17.881,36, que inclui € 15.005,16 correspondente à tributação autónoma aplicada sobre os encargos referidos na alínea antecedente – Cfr. idem; C) A Impugnante ao apurar o valor que inscreveu no campo 365 do quadro 10, referido na alínea antecedente, aplicou as taxas de tributação autónoma previstas na Lei n.º 64/2008 de 5 de Dezembro – Cfr. idem; D) Em 15 de Fevereiro de 2011 a Impugnante deduziu Reclamação Graciosa do acto...

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