Acórdão nº 0571/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução08 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A sociedade A…………, L.da, intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (doravante TAC), acção de contencioso pré-contratual contra a Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I.P.

(doravante ESPAP) pedindo: 1. Que se declarasse a “invalidade dos requisitos de capacidade técnica e financeira contidos nos artigos 9.º e 10.º, n.º 1, e n.º 2, al.ª c), do Programa de Concurso e da cláusula 9.ª do Caderno de Encargos” 2. Se condenasse a Ré a “abster-se da prática de quaisquer actos consequentes sem que as peças se encontrem corrigidas, designadamente a decisão de qualificação bem como a decisão de adjudicação, bem como eventuais decisões de exclusão de candidaturas” e, ainda, “a elaborar novos requisitos de capacidade técnica e financeira que não padeçam dos vícios aqui apontados, a disponibilizar novamente o Programa de Concurso (corrigido) e o Caderno de Encargos e a aceitar nova entrega de candidaturas por parte dos agentes económicos interessados, seguindo depois o procedimento os seus termos normais até à decisão final”.

Para o que, em resumo, alegou que a Ré tinha aberto um procedimento concursal limitado por prévia qualificação com vista à celebração de um acordo-quadro para o fornecimento de refeições confeccionadas, dividindo o seu objecto em oito lotes para os quais os candidatos tinham de apresentar propostas individualizadas. Todavia, os requisitos mínimos relativos à capacidade técnica e financeira fixados para se concorrer a cada um daqueles lotes eram ilegais. E eram ilegais porque, por um lado, as normas que prevêem os requisitos de capacidade técnica relativos à experiência territorial e ao número mínimo de trabalhadores, constantes do art.º 9° do Programa de Concurso (doravante PC), violavam os princípios da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade, por outro, porque os requisitos de capacidade financeira contidos no art.º 10.º, n.ºs 1 e 2, al.ª c) daquele PC violavam os princípios da proporcionalidade e da concorrência e, finalmente, porque a cláusula 9.ª do Caderno de Encargos - que impunha às entidades adjudicatárias a obrigação de pagamento à ESPAP de 1% do valor mensal da facturação - era inválida por carecer de habilitação legal e por ser excessiva e injustificada violando, por isso, os princípios de proporcionalidade e boa fé.

Instruído o processo, o TAC proferiu a seguinte decisão: “- Declara-se a invalidade das normas que constam das alíneas a), subalíneas, i) e ii), b), subalíneas i) e ii) e c), subalíneas i) e ii) do n.º 1 do art.° 9.° do PC e do art.° 9.° do CE; - Anulam-se os actos de qualificação e exclusão das propostas da Autora aos lotes 1 e 3 a 8, bem assim como os actos de adjudicação proferidos nesses lotes; - Declara-se a invalidade dos acordos quadro celebrados para os lotes 1 e 3 a 8; - Condena-se o R. a retomar o procedimento, elaborando novos requisitos de capacidade técnica e a alterar a cláusula 9.ª do CE, de forma a prosseguir com o procedimento sem que se verifiquem os vícios acima apontados.” Autora e Ré interpuseram recurso para o TCA Sul e este, por Acórdão de 10/03/2016, negou provimento ao recurso da Autora e concedeu parcial provimento ao recurso da Ré, revogando “a sentença recorrida na parte respeitante à anulação efectuada pelo TAC de Lisboa do art. 9.º, n.º 1, al. a), subalínea ii), al. b), subalínea ii) e al. c), subalínea ii) do PC, devendo estes normativos considerar-se válidos, mantendo-se o demais decidido.” É desta decisão que vêm os presentes recursos, interpostos por Autora e Ré.

A Autora rematou as suas alegações do seguinte modo: 1. A A…………, ora Recorrente, não se conforma com o Douto acórdão do TCA Sul, na parte em que o mesmo considerou válidos os requisitos de qualificação contidos no art.º 9.°, n.º 1, alínea a), subalínea ii), alínea b), subalínea ii), e alínea c), subalínea ii), do Programa de Concurso, sendo desse trecho da decisão que se recorre.

  1. Tais requisitos ao diferenciarem a experiência anterior dos candidatos na prestação de serviços de fornecimento de refeições de acordo como critério da área geográfica onde os contratos anteriores foram executados, viola os princípios da igualdade de tratamento, da concorrência e da proporcionalidade.

  2. Saber se um requisito de qualificação pode diferenciar a experiência num contrato anterior, para a execução do mesmo tipo de serviço, consoante o local onde foi executado esse contrato, é notoriamente uma questão que exige apreciação por este Supremo Tribunal.

  3. Com efeito: não existe jurisprudência recente dos tribunais administrativos superiores portugueses sobre este ponto específico e a doutrina tem-se pronunciado contra exigências deste tipo; trata-se de uma questão que tem relevância que excede em muito a do concurso dos autos, já que afecta diversos procedimentos de acordo quadro lançados pela ESPAP; em termos quantitativos a relevância é igualmente enorme, na medida em que se trata de um acordo quadro cuja simples soma do valor estimado dos vários lotes ascende a mais de 146 milhões de euros; a própria ESPAP admite utilizar este requisito em outros procedimentos, e já existe jurisprudência que comprova que a validade desse requisito está em discussão em outros casos; a questão jurídica em apreço pode, além disso, ser aplicada a qualquer concurso onde haja a tentação de procurar favorecer empresas locais.

  4. Verifica-se, além disso, que a admissão do recurso é essencial para a melhor aplicação do Direito, já que se verifica que, nesta parte, o TCA Sul inclusive não compreendeu a ratio decidendi pela qual o acórdão do TAC de Lisboa tinha, correctamente, julgado inválidos os requisitos de qualificação da “experiência regional”; o carácter ostensivo desse erro é suficiente para justificar a intervenção do Supremo.

  5. Deve pois ser admitido o presente recurso de revista, que preenche os apertados requisitos do artigo 150° do CPTA.

  6. Deve ser recuperada a decisão da primeira instância, na qual o TAC de Lisboa decidiu no sentido da invalidade da exigência de uma experiência na região do lote a que os candidatos se apresentavam, por não encontrar qualquer “interesse regional” que seja servido por esse requisito.

  7. O requisito de qualificação em análise vai contra toda a elaboração doutrinal e jurisprudencial a nível nacional e europeu a propósito dos princípios da concorrência e da proporcionalidade e da liberdade de prestação de serviços.

  8. Ao decidir como decidiu, o TCA Sul violou, pois, os artigos 1°, nº 4, 165°, n.ºs 1 e 5, e 252°, n° 2, todos do CCP, na parte em que formulam os princípios da concorrência, da igualdade de tratamento e não discriminação e da proporcionalidade, bem como as normas, que igualmente consagram esses princípios ou dimensões dos mesmos, dos artigos 56° e 61° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e dos artigos 32°, n° 2, 5° par. e 44°, n° 2, da Directiva n° 2004/18/CE, de 28 de Março.

  9. O argumento de que o requisito da “experiência regional” promove a diversidade de fornecedores é absurdo.

  10. A ilegalidade do requisito objecto deste recurso impediu o acesso da Recorrente aos lotes 4 (Alentejo), 5 (Algarve), 6 (Açores) e 7 (Madeira) do concurso, já que este é o único requisito desses lotes que não preenche e que determinou a sua exclusão dos mesmos, como resulta dos elementos juntos aos autos (em concreto, da decisão de qualificação e do Relatório Final da fase de qualificação que lhe serviu de base). Além disso, a Recorrida também não preenche o requisito ilegal da “experiência regional” no lote 1 (Norte).

  11. Sendo inapelavelmente injusto que, por força deste requisito ilegal, a A…………, que dispunha, ao todo, de sete declarações de clientes (quando em cada lote se exige apenas duas), no valor global de 1.661.334,13 € (624.389,22€ + 230.253,59€ + 211.951,52€ +161.854,38€ + 152.887,39€ + 104.819,66€ + 175.188,37€), tenha ficado excluída de lotes em que o valor da experiência exigida era de apenas 100.000 € (para os lotes 2, 4, 5, 6 e 7), 200.000 € (para os lotes 1 e 3) e 500.000 € (para o lote 8, o maior), nos termos do art. 9° do Programa de Concurso.

  12. Termos em que deve ser julgado procedente e provado o recurso, revogando-se o acórdão do TCA Sul, na parte em que revogou o acórdão da primeira instância relativamente aos requisitos do art.º 9°, n° 1, alínea a), subalínea ii), alínea b), subalínea ii), e alínea c), subalínea ii), do Programa de Concurso do concurso limitado objecto dos presentes autos, só assim se fazendo JUSTIÇA! A Ré finalizou as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões: A) No caso dos autos justifica-se a douta intervenção desse Venerando Supremo Tribunal para uma melhor aplicação do direito em questões que, pela sua relevância jurídica e social, assumem importância fundamental no âmbito do Sistema Nacional de Compras Públicas (“SNCP”) e, com isso, na actividade contratual desenvolvida em toda a Administração Pública.

    B) Tendo como pano de fundo algumas regras e actos praticados no procedimento pré-contratual discutido nestes autos, está em causa a interpretação e aplicação conjugada dos seguintes normativos: 1) Art.ºs 162°, 168°, n.º 4 e 179°, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos (“CCP) à luz do princípio da concorrência (art. 1°, n.º 4, do CCP), bem como dos art.ºs 44.° e seg.s da Directiva n.º 2004/18/CE (cfr. actualmente, e com relevo para o caso dos autos, os arts. 56.°, 58.°, 60.°, 63.° e o Anexo ii, da Directiva 2014/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/02/2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Directiva 2004/18/CE); 2) Art.º 165.° do CCP, à luz do art. 111.º, n.º 1, da CRP (e art. 3°, n.º 1, do CPTA); 3) Art.º 283°, n.º 4, do CCP, à luz da al. i) do n.º 2 do art. 133.° do CPA (cfr. actualmente, art.ºs 162°, n.° 3, e 163°, n.º 5, al.ª c), do novo CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7/01); e 4) Al.ª e) do n.º 2 e o n.º 4 do art. 10.° do Decreto-Lei n.º 117-A/2012, de 14/06...

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