Acórdão nº 0105/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Maio de 2016
Magistrado Responsável | PEDRO DELGADO |
Data da Resolução | 24 de Maio de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. Instituto de Turismo de Portugal, IP, recorrido nestes autos, vem reclamar para a Conferência do despacho do relator de fls. 149/157 que, ao abrigo do disposto no artº 656º do Código de Processo Civil, concedeu provimento ao recurso interposto por A…………….., SA da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a excepção de incompetência em razão da matéria, para conhecer da impugnação deduzida contra a liquidação de contrapartida anual (ano 2014) referente à concessão da zona de jogo da Póvoa de Varzim no montante de € 2 241 880,93, e declarou competente, em razão da matéria, para conhecer da referida impugnação judicial, o Tribunal Tributário do Porto.
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É o seguinte o teor despacho reclamado: Decisão liminar do objecto do recurso nos termos do artº 656º do Código de Processo Civil: I – Relatório Vem A………….., SA, melhor identificada nos autos, interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a excepção de incompetência em razão da matéria, para conhecer da impugnação deduzida contra a liquidação de contrapartida anual (ano 2014) referente à concessão da zona de jogo da Póvoa de Varzim no montante de € 2 241 880,93.
Termina as suas alegações de recurso apresentando as seguintes conclusões: «1ª Na presente impugnação judicial, a ora recorrente contestou a liquidação efectuada pelo Turismo de Portugal, IP, referente à chamada “contrapartida anual” exigida às empresas concessionárias das zonas de jogo; 2ª A referida “contrapartida anual” começou por estar prevista, no que ao caso da recorrente diz respeito, no Decreto-Regulamentar n° 24/88, de 3/8; referida “contrapartida anual” é composta por 50% das receitas brutas dos jogos explorados no Casino, e o seu pagamento é feito através do pagamento do Imposto do Jogo; 4ª O Imposto do Jogo está previsto no Decreto-Lei n° 422/89, de 2/12, nomeadamente, no seu art° 84°; 5ª O Decreto-Lei n° 275/2001, de 17/10, veio estabelecer que o valor da “contrapartida anual” não podia ser inferior a um determinado montante, mesmo que o valor dos 50% das receitas brutas dos jogos não atingisse tal mínimo; 6ª Do que fica dito resulta, de modo inequívoco, que a referida “contrapartida anual”, nomeadamente, a sua fórmula de cálculo, está estabelecida em instrumentos legais; 7ª Nomeadamente, esse “mínimo” da “contrapartida” está fixado no Decreto-Lei n° 275/2001; 8ª De onde decorre, que a referida “contrapartida anual” não tem matriz contratual, até porque não há qualquer correspondência económico-jurídica com a prestação assegurada pelo Estado concedente; 9ª Estamos, assim, perante um tributo, já que tal “contrapartida anual” é uma prestação patrimonial estabelecida por lei a favor de uma entidade que tem a seu cargo o exercício de funções públicas; 10ª Aliás, bastaria a circunstância de tal “contrapartida anual” ser paga através, ao menos em parte, pelas liquidações de Imposto do Jogo, para que ela seja, como deve ser, considerada como um tributo; 11ª Acresce, que decorre do art° 84° da Lei do Jogo e do art° 7° do CIRC, a existência, para as empresas concessionárias da actividade do jogo, de um regime substitutivo, nos termos do qual, tais empresas não são sujeitos de IRC; 12ª Assim, em substituição do IRC, estão tais empresas sujeitas ao Imposto do Jogo e à “contrapartida anual”, sendo que esta, repete-se, é paga através do imposto do jogo e o legislador fixou um mínimo de valor para tal “contrapartida”; 13ª A substituição só pode querer dizer que, em vez de um imposto (IRC), as empresas pagam outros impostos o de jogo e a contrapartida; 14ª É, assim, inequívoco, que a ora recorrente impugnou/contestou a liquidação de um tributo — a “contrapartida anual”, composta, parcelarmente, pelas liquidações de Imposto do Jogo; 15ª Aliás, a ora recorrente, impugnou as próprias liquidações de Imposto do Jogo, cujos quantitativos compõe a “contrapartida anual”; 16ª A ora recorrente contestou tais liquidações, por considerar inconstitucionais os decretos-lei que criaram esses tributos — o Decreto-Lei n° 422/89 e o Decreto-Lei n° 275/2001; 17ª Na presente impugnação, não está em causa qualquer questão sobre a validade do contrato de concessão celebrado entre a recorrente e o Estado; 18ª Na presente impugnação, não é contestada a validade de qualquer cláusula do contrato de concessão; 19ª Na presente impugnação, é contestada a liquidação da “contrapartida anual”, liquidação essa, aliás, expressamente efectuada ao abrigo do Decreto-Lei nº 275/2001, que é o fundamento legal invocado pelo Turismo de Portugal, IP; 20ª Sendo que a doutrina tem assinalado que a existência de contratos em que o Estado se compromete a estabelecer um regime fiscal subrogatório do regime fiscal normal, só são admissíveis se tal regime constar da lei, por força do princípio da legalidade fiscal; 21ª Deste modo, ao invés do decidido na douta sentença recorrida, cabe à jurisdição fiscal ou tributária a competência para julgar tal impugnação e não à jurisdição administrativa.» 2 – A entidade recorrida, Turismo Portugal, IP, apresentou contra alegações pugnando pela manutenção da decisão sindicada.
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu fundamentado parecer no sentido do provimento do recurso, considerando que está em causa nos presentes autos uma questão fiscal, para conhecimento da qual é competente o tribunal tributário e não o tribunal administrativo (artigo 49.°/1/ a)/ i) do ETAF).
Sustenta o ilustre magistrado do Ministério Público que «no caso concreto a recorrente questiona a legalidade do diploma que estabelece a contrapartida anual (DL n° 275/2001, 17 outubro) e do diploma que plasma o regime legal do imposto especial sobre o jogo, enquanto componente da contrapartida anual objecto da liquidação impugnada (DL n° 422/89, 2 dezembro), com fundamento em inconstitucionalidade orgânica por alegada violação das respectivas leis de autorização legislativa; igualmente, a legalidade de diversas normas dos citados diplomas, por alegada violação dos princípios da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da proporcionalidade (cf. petição inicial, designadamente arts.19° e sgs.) E que «a existência de um contrato de concessão celebrado entre o Estado e a recorrente, para a exploração da actividade do jogo, não atribuiu ao imposto de jogo base contratual; na impugnação judicial não está em causa qualquer questão sobre a validade do contrato de concessão nem é contestada a validade de qualquer cláusula do contrato de concessão (conclusões 17 das alegações de recurso)» Cumpre decidir.
II - Fundamentação A questão a decidir consiste em saber se padece de erro de julgamento a sentença recorrida que julgou procedente a excepção de incompetência em razão da matéria do TAF do Porto, contencioso tributário, para conhecer da impugnação da liquidação do Imposto Especial de Jogo, referente à concessão da zona de jogo da Póvoa de Varzim, no entendimento de que a questão submetida a apreciação jurisdicional não é uma questão fiscal, mas antes uma questão administrativa.
A decisão recorrida julgou procedente a excepção da incompetência absoluta, em razão da matéria, do Tribunal Tributário do Porto, declarando que tal competência residia no Tribunal Administrativo do Porto, e determinou a absolvição da instância do Instituto de Turismo de Portugal, I.P., por entender que «apesar da impugnante aludir à liquidação do Imposto de Jogo, o que está em causa é tão só a contrapartida devida por força do contrato de concessão outorgado entre a Impugnante e o Estado Português, relativo à Zona de Jogo da Póvoa do Varzim, ou seja, trata-se apenas da validade e execução de um contrato de concessão e exploração de jogos de fortuna e azar, matéria excluída da competência dos tribunais tributários».
Contra o assim decidido não se conforma a recorrente A………….. pelas razões sumariadas nas conclusões que antecedem.
Desde já se adianta que o recurso merece provimento e que a decisão recorrida deve ser revogada pelos motivos que se encontram explicitados no acórdão proferido nesta Secção no passado dia 3 de Fevereiro de 2016, no processo nº 862/15, no qual se decidiu que o tribunal tributário é o competente, em razão da matéria, para a apreciação da impugnação judicial deduzida contra a liquidação do imposto especial sobre o jogo.
Neste mesmo sentido, podem também confrontar-se, os seguintes arestos que ilustram a jurisprudência uniforme que vem sendo prolatada pelo STA sobre esta matéria: Acórdãos de 17.02.2016, proferidos nos recursos 787/15 e 1386/15.
É essa jurisprudência que também aqui se acolhe, por com a respectiva fundamentação concordarmos integralmente, pelo que, para obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artº 8º, nº 3 do Código Civil e 148º, nº 1 do CPTA), nos limitaremos a reproduzir a respectiva fundamentação, que se poderá considerar sintetizada no referido Ac. 862/15: Diz a fundamentação do citado aresto: «(…) 4.
De acordo com o disposto nos arts. 209º, nº 1, al. b) e 212º, nº 3, ambos da CRP, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento da acções e recursos contenciosos (a que correspondem actualmente as acções administrativas especiais) que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (cfr., igualmente, o nº 1 do art. 1º do ETAF).
Portanto, como tem vindo a afirmar-se na jurisprudência do STA, «nesta jurisdição, o que determina a competência material do Tribunal é a circunstância de o conflito cuja resolução se pretende ter emergido de uma relação jurídica administrativa ou de uma relação jurídica fiscal. No primeiro caso será competente o Tribunal Administrativo, no segundo essa competência caberá ao Tribunal Tributário.» (ac. do Plenário do STA, de 29/1/2014, proc. nº 01771/13).
E embora o conceito de relação jurídica...
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